sexta-feira, 3 de julho de 2009

Balão Cativo


"Dentro de mim mora um grito.
De noite, ele sai com suas garras, à caça
De algo para amar."
(Sylvia Plath)

Noite de São João. Fogos ribombavam ao redor das fogueiras. Meninos hipnotizados com o brilho das chuvinhas, mal perceberam quando um balão cruzou os céus e , pouco a pouco, se foi distanciando das dimensões terrestres. À medida que, impulsionado pelo vento, ia subindo, mais e mais se tornava imperceptível e inatingível. Sem lastro que o amarrasse à terra, ao sabor do vento, o balãozinho se foi perdendo de vista, até ser consumido pela própria chama íntima que lhe servia de motor. Cá embaixo, a festa continuou com o mesmo estardalhaço. A ninguém interessava a pequena e distante tragédia do balãozinho. Seu trajeto significou apenas um brilho a mais no firmamento, numa noite grávida de tantos fulgores e cintilações.
Michael Jackson , um dos mais completos artistas destes últimos séculos, fez um trajeto curto e fulgurante como nosso balãozinho junino. Vida exígua, estrada cintilante, ergueu aos céus o seu balão atormentado. Sequer se deu conta que a luminância que dele irradiava , se intensa e ofuscante, era apenas a conseqüência das chamas que consumiam sua frágil estrutura. Michael sempre fora um balão sem lastro. Precoce gênio do pop, a mídia , como uma forte lufada de vento, o tomou de assalto ainda aos cinco anos. Levado de supetão às alturas, o ar lhe foi ficando cada vez mais rarefeito. É que, em troca, haviam lhe roubado o menino que nunca pôde ser. Bilionário, famoso, nada lhe faltava : apenas este lastro fundamental. Com ventos tão oblíquos , carregou seu dirigível acorrentado , à deriva. Michael procurou , durante toda a existência, desesperadamente, aquela criança que lhe foi roubada: nas mulheres em quem buscou o regaço materno; em filhos que não gerou; no parque que construiu para si mesmo, o Neverland , sintomaticamente chamado de “Terra do Nunca” ; no pai que nunca teve.
A mesma mídia que ajudou a criar o mito mais popular da história da música e que lucrou imensamente com ele; encheu as burras , novamente, na sua derrocada , explorando escândalos midáticos de toda espécie e, agora, com seu desaparecimento, empanturra mais uma vez os cofres : Michael volta a vender discos como nunca. Tudo é festa. O velório do Rei do Pop já se arrasta por mais de uma semana, atapetando todos os noticiários de fofocas e futricas. Com exceção de algumas de crocodilo, de alguns fãs, não há lágrimas derramadas. Nem da esposa, nem dos amigos, nem dos irmãos. O pai, então, aparentemente, só se preocupa com o testamento. A mídia toda aguarda , ansiosa, o resultado da necropsia. Todos sabem que Michael morreu de um acidente com um dos inúmeros anestésicos que utilizava continuamente para aplacar sua dor. Qual ? A quem interessa? O astro, na realidade, padeceu em conseqüência da dor e não do analgésico, a terrível dor de lhe terem amputado sem qualquer analgesia, o menino que devia ter brincado de esconde-esconde nas ruas, com outras crianças, chupado o dedo, jogado bola e soltado pipa. Sem esse menino seu balão , voou à deriva, numa enganadora liberdade, mas nunca deixou de ser um reles balão cativo: fama, lama, chama.
03/07/09

2 comentários:

Unknown disse...

Que lindo zé! só vc pra perceber esse balãozinho sumindo céu adentro no meio de tanta fumaça...
luz!

jflavio disse...

Abraço ao velho Haarlem pelo comentário. Que bom tenha gostado do texto.