sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Gangorra

 


J. FLÁVIO VIEIRA

 

                                               Várzea Alegre, berço do meu pai e avós, como o próprio nome indica, é a terra mais jocosa do Cariri. O riso, ali, é quase uma instituição pública e a jocosidade , a irreverência são cultuados com a mesma fortaleza que, EM  outras terras,  reverenciam-se  heróis épicos. Essa maneira desprendida , sutil e vaporosa de olhar a vida, focando mais nas suas incongruências que nas suas certezas, faz do varzealegrense uma figura radiante, jovial , pronto, a todo instante, a quebrar as solenidades insuportáveis do cotidiano. Eles vivem atapetando os dias de histórias , estripulias e potocas de seus tantos Pedro Malasartes,  Cancão de Fogo e João Grilo. Nas narrativas, os presepeiros sempre são os principais protagonistas  das histórias burlescas que entrecortam o cerimonial monocórdico e solene dos discursos, das rezas, das ladainhas.

                                   Dali saltou a tradição dos “Contrastes” que preenche tantos e tantos relatos da  Terra de Papai Raimundo e que vão sendo catalogados, cuidadosamente ,numa espécie de fabulário popular e contados , de geração a geração, num doce exercício de memorialística e oralidade. Dias desse ganhei um livro onde se catalogava a culinária popular de Várzea Alegre, minunciosamente, entre eles seu impagável Cuscuz de Arroz.  Alguns dos disseminadores dessa tradição  ficaram famosos como o Padre Vieira, Zé Clementino e o poeta Zé Gonçalves. Mas a força perenizadora   deste legado está na grande galeria de contadores  de chistes , troças e pilhérias que pululam por todos os cantos e esquinas da cidade. E até saltam dos limites do município, numa espécie de grande Várzea Alegre, em vilas circunvizinhas como Mangabeira, Cedro, Várzea da Conceição. Este espírito folgazão e galhofo levou a cidade a ter o mais animado carnaval de rua do Cariri. E , possivelmente, fez do varzealegrense o mais  bairrista dos caririenses. Viajam, ganham o mundo, naquele destino quase semítico do nordestino, mas nutrem o sonho eterno de, juntado algum pé-de-meia, retornarem , definitivamente, para finalizarem suas histórias naquele mesmo lugarzinho onde, um dia,  tudo teve início. Mudem-se para onde se mudarem, viajem para onde viajarem, o varzealegrense nunca sai da encosta da Serra Negra e da  beira do Riacho do Machado.

                                   Esse elo íntimo e telúrico com sua terra me faz lembrar uma das suas histórias, contadas em rodinhas de calçadas e, certamente, pouco a pouco, temperadas com os artifícios da ficção. Nos anos 60, a famosa Rádio Cultura de Várzea Alegre tinha como um dos programas de maior audiência o “Violas que o Povo quer”. Na época, o violeiro apresentador era “Asa Branca” ,  cultuado quase como um astro do Rock.  A direção da Rádio começou a sofrer o assédio contínuo de um outro cantador, iniciante, que se intitulava de  “Assum Preto”. Queria porque queria participar da atração, que , infelizmente, já tinha um titular desenrolado e venerado em toda região.  Assum vivia temperando a viola nos botecos do centro e, no horário do Violas, invariavelmente, ficava aceirando os locutores, atrás de uma oportunidade. A insistência já era motivo de chacota no “Sanharol” , sítio onde nosso violeiro residia.

                                                Respingo de água mole, em laje dura, termina por causar furo. Um belo dia “Asa Branca” caiu doente e, de última hora, a direção da Rádio soube da ausência inevitável do apresentador. E aí ? Que fazer ? Iriam perder audiência com aquele buraco na programação. Alguém, então, lembrou de “Assum Preto”. Ele não vivia arrodeando e pedindo arrego ? Chegara , por fim a oportunidade ! Esperaram a chegada invariável do cantador, na hora aprazada,  e nada. Por incrível que possa parecer, naquele dia ele se empalhou com alguns bêbados, numa mesa de bar e ficou por lá , temperando a viola, cantando algumas loas e bebericando. Um dos locutores partiu às pressas e o trouxe meio a contragosto. Assum Preto botou uma banquinha, fez-se de difícil, mas por fim acedeu. De peito empinado como galo de rinha, dedilhou as cordas da viola e sapecou os primeiros versos na abertura do “Violas que o Povo quer”. Era quase um desabafo, mesclado com a empáfia de alguém que , por fim, a duras penas, tinha alcançado seu objetivo,  apesar do descrédito de todos:

                                   “ Quero mandar um abraço

                                   Pra minha mulher, a Socorra !

                                   Nega velha que reside

                                   Prá lá do Sítio Gangorra

                                   Bem queu dixe para ela

                                   Quinda canto nessa Porra !"

 

Crato, 26/02/21

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O Sono dos Justos

 


J. FLÁVIO VIEIRA

 

                E ainda que distribuísse toda a minha fortuna

para sustento dos pobres, e ainda

que entregasse o meu corpo

para ser queimado, e não tivesse amor,

nada disso me aproveitaria.”

 Coríntios 13:3

 

                               A imagem se repetiu incontáveis vezes país afora. A técnica de enfermagem fingiu aplicar a vacina em uma idosa. apenas , sorrateiramente, não comprimiu o êmbolo e guardou a dose, possivelmente, para alguém da sua família. Sequer pesou as consequências da sua ação, quando, deliberadamente, entregava a mãe, a avó, a querida tia de tantos, aos leões da Covid, na imensa arena da pandemia nacional. Sem as câmaras dos smartphones , aquela tragédia,  e tantas outras registradas pontualmente no Brasil,  teriam escapado da publicidade e as consequências fariam apenas parte da estatística do genocídio atribuído ao vírus. E é de se imaginar que muitas e muitas outras similares conseguiram seu intento, sem um flagrante delito, afinal o país e não só a maldade humana têm dimensões continentais.

                        Políticos e agentes públicos, acompanhados de familiares muitas vezes,   furaram a fila da vacinação, quebrando os protocolos de prioridade estabelecidos pelos estados e municípios, num país em que falta não só o imunizante, mas também um Ministério da Saúde. E , neste item específico de tramoias , fomos seguidos por inúmeras outras nações, independentemente do seu grau civilizatório. Passavam -- pasmem vocês -- um ar de bom exemplo , de desprendimento e confiança, no incentivo às campanhas.

                        Em São Paulo, a prefeitura da maior cidade do país colocou espículas de concreto abaixo dos viadutos para impedir que moradores de rua ali se abrigassem. E já tinham reiteradamente expulsado os toxicômanos da chamada Cracolândia, uma tentativa vã e higienizadora de a prefeitura colocar para debaixo do tapete suas chagas sociais. Várias cidades do Sul do Brasil apuseram arpões embaixo de marquises e bancos de praça com o deliberado propósito de impedir o acolhimento dos sem teto e mendigos.

                        Repetiu-se , quase que milimetricamente, nos últimos anos,  o extermínio de sindicalistas , de Sem Terra,  de líderes comunitários e de movimentos populares Brasil a fora. Incêndios misteriosos e nunca explicados tomaram de assalto mucambos e favelas, tantas e tantas vezes com incontáveis e anônimas vítimas. Rápidas manchetes dos noticiários da noite.

                        No início da pandemia,  afloraram movimentos de solidariedade com os mais desfavorecidos, com a distribuição de víveres e produtos de limpeza. Em São Paulo , alguém, nunca identificado, entregou comida envenenada  a moradores de rua, levando à morte de dois esfarrapados, órfãos de pais e de país. Nem era de se estranhar, antes já tinham ateado fogo em vários moradores de rua, numa espécie de Pastoral da Cremação In Vivo.

                        Em Manaus, na segunda onda da Pandemia, embora avisados com antecedência , os governos estadual e federal deixaram faltar oxigênio na cidade, levando a que centenas de pacientes perecessem asfixiados, muitos deles crianças pequeninas internas em UTI´s Neonatais. Hitler, ao menos, teve que gastar com o Zyklon B !

                        Todos os responsáveis por imensuráveis tragédias acreditam que estão perfeitamente cumprindo seu papel. Lutando por um Brasil mais puro, limpo e higiênico. Estão apenas jogando o lixo para dentro da lixeira. Oram contritos  e sabem de cor versículos bíblicos. Abraçam seus filhos à noite e dormem, com os anjinhos celestes, o sono dos justos. Sonham com o país ideal, sem a pobreza e a miséria que estão ajudando a erradicar.  Afinal -- não esqueçam! -- o Brasil é o país mais cristão do mundo !

 

Crato, 19/02/2021  

domingo, 14 de fevereiro de 2021

O lenço e o lança

 

Os primeiros gritos do Carnaval no Crato


 

“Custei a compreender que a fantasia
É um troço que o cara tira no carnaval
E usa nos outros dias por toda a vida.”

Aldir Blanc

 

                            Os folguedos mominos têm profunda  e histórica ligação com o Crato. Se nos últimos anos arrefeceu, um pouco, o fulgor dos nossos blocos  e das Escolas de Samba , veremos aqui que desde meados do Século XIX já havia relatos da festa em terras caririenses. O folguedo que embutia um certo anarquismo e se caracterizava pela subversão dos papéis sociais, sempre foi visto, desde o seu nascedouro, de forma tensa e enviesada pelo poder constituído. Os poderes político e econômico temiam essa inversão de papéis ( homens vestidos de mulheres, mulheres travestidas de homens, ricos fantasiados de pobres e mendigos de reis, etc.) , mesmo temporária . O poder religioso, por sua vez, tremia com  o rebaixamento das divindades, associando-a a coisas de satanás. Aos poucos iriam tentando colocar amarras, regras, fronteiras, proibições. O mercado, por sua vez, entendeu a necessidade de pôr arreios e controle na festividade com o intuito de cobrar ingresso e vender bebidas, fantasias, abadás, camarotes. Para entender a efervescência do Carnaval no Sul Cearense é necessário dissecar , um pouco, as origens da nossa festa mais popular no mundo e em Pindorama.

 

Qual a origem do Carnaval ?

 

A Babilônia

                   As informações mais antigas relacionadas a festividades similares ao nosso Carnaval remontam à Civilização Babilônica. Duas festividades trazem consigo laivos da subversão típica do Carnaval de hoje. As SACEIAS eram festejos em que um prisioneiro era escolhido para assumir temporariamente as funções de rei. Dormia com as esposas reais, vestia-se com roupas nobres, alimentava-se como um marajá. Passados alguns dias,  era deposto, chicoteado e enforcado ou enviado à empalação.

                   O outro ritual acontecia próximo ao equinócio da primavera ( comemoração do ano novo na Babilônia). O rei era levado ao templo de Marduk ( um dos mais importantes deuses babilônicos), eram-lhe tirados todos os emblemas  e insígnias de poder e surravam-no defronte à estátua de Marduk. O ritual de humilhação pretendia demonstrar a submissão diante do seu deus. Terminado o rito de purificação o rei assumia novamente o trono. Nas Saceias o prisioneiro se transformava em rei , no ritual religioso , o rei era tratado como prisioneiro.


Festas de Baco - Maerten van Heemskerck - 1536[1]

 

A Sociedade Greco-Romana

                            As sociedades greco-romanas tinham também suas festividades dedicadas a Baco ( latino)  e Dionísio ( grego), deuses do vinho, onde as libações etílicas e os prazeres da carne eram cultuados.


Saturnália[2]

                            Em Roma, festividades remetiam diretamente à lembrança carnavalesca moderna : as Saturnálias ( comemoradas em dezembro) e as Lupercálias ( festejadas em fevereiro). Estas festividades se arrastavam por dias, com bebidas, comida farta, música e dança. Escravos se vestiam de nobres e ricos se faziam de escravos. Com a ascensão progressiva do cristianismo,  estas comemorações passaram a ser vistas com maus olhos, havendo um progressivo controle .


Lupercália por Domenico Becaffumi[3]

                            A partir do Século VII, criou-se o período da Quaresma, enquadrando-se estas libações para o período imediatamente anterior ao religioso. A intenção embutida era de limitar em poucos dias  a festividade pagã, desembocando-a, imediatamente num período sacro de penitência ( Do pó ao pó).  O nome Carnaval, inclusive vem do latim : Carnis Levale ( retirar a carne) , uma alusão direta ao  jejum quaresmal. No fundo, a igreja desejava estabelecer  a época de libação,  justamente antes dos rituais que precediam à Semana Santa, remetendo os foliões,  ato contínuo, ao arrependimento e à contrição.

                            Na Idade Média, no período da colheita, homens jovens se vestiam de mulher e perambulavam pelos campos e cidades durante a noite. Diziam-se vindos do mundo dos vivos e mortos e, sob aceitação de todos, fartavam-se de bebidas e comidas oferecidas a eles e ainda ganhavam beijos das senhoritas.


Carnaval em Roma - 1650[4]

 

O Renascimento

 Durante o Renascimento, em Florença,  com o advento da Commedia Dell´Arte, disseminaram-se as máscaras e os desfiles e surgiram os primeiros carros alegóricos, chamados de Trionfi.


Commedia Dell´Arte[5]

Naquele momento, em Roma e Veneza, os desfiles contavam com as Bautas: uma capa negra, com capuz que encobria ombros e cabeça, além de chapéu de três pontas e uma máscara branca.

Bauta[6]                  

 

O Carnaval chega a Pindorama

                           

O 

Entrudo em gravura de Debret[7]

No Brasil , os primeiros relatos do Entrudo remontam a Pernambuco em 1553, trazido por emigrantes portugueses.  Por volta de 1723, através de emigrantes vindos das Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, ele se estenderia de Posto dos Casais ( atual Porto Alegre) até o Espírito Santo. O nome Entrudo provém etimologicamente de introito,  uma  demarcação do início da Quaresma. No Rio de Janeiro , a mais importante cidade brasileira na época, ele tomou força e prosperou. Excessos aconteceram, inevitavelmente, sendo responsáveis pela difamação do festejo , já visto com reservas pela elite por conta do seu típico anarquismo  . Polvilho, pó-de-mico, fuligem, goma, limões feitos de cera contendo variados líquidos ( às vezes excrementos)  eram lançados uns contra outros, em batalhas campais. Águas de bacias eram arremessadas das sacadas sobre passantes. Houve inclusive o caso do arquiteto francês Grandjean de Montigny , que viera com a missão artística de D. João VI, que sucumbiu com uma pleurisia por conta desses excessos carnavalescos.


Entrudo em aquarela de Auguste Earle - 1822[8]

 

O Zé Pereira

                            O poder estabelecido tentou de todas as maneiras coibir os excessos, pôr fronteiras e limites no Entrudo. Em vão ! Em 1857 seria tornado, enfim, ilegal. Continuou, no entanto, a acontecer clandestinamente. Aos poucos, porém, foi se metamoforseando em modalidades mais palatáveis. Uma delas foi o Zé Pereira , um português bonachão e rotundo que saía no Carnaval com um bumbo enorme, carregando uma trupe e promovendo grande algazarra.


Zé Pereira  - na Revista Fon-Fon[9]

 

Os Cordões

 Das ruas também brotaram os Cordões , principalmente através da população negra brotando das Confrarias Religiosas como N. S. do Rosário, com escravos e libertos. Daí surgiram figuras como os Tucumbis e os Cucumbis  ( com influência da Cultura do Congo).


Rancho Carnavalesco “Custa mas Vai” - São João Del Rey - 1921[10]

 Foram eles os responsáveis pelo aumento da riqueza rítmica com introdução de instrumentos afros : ganzás, xererês , chocalhos, adufes, agogôs, marimbas.

                   Um dos mais importantes Cordões foi o Rosa de Ouro para quem Chiquinha Gonzaga ( 1847-1935)  compôs a marcha “Ô Abre alas”, um dos eternos símbolos do carnaval brasileiro. Os próprios Cordões seriam também estigmatizados , como era comum às manifestações de origem Afro. Ressuscitariam  depois , já no Estado Novo,  agora sob a influência marcante de Villa-Lobos e terminariam se travestindo depois nos primeiros blocos carnavalescos.

Os Ranchos

 Junto aos Cordões , mais de raízes afro, apareceram também os Ranchos , estes , predominantemente,  de viés lusitano, advindos também de festas sacras ligadas à N. S. da Penha. Enquanto na igreja se entoavam cânticos, nas barraquinhas ao derredor puxavam rodas musicais figuras como Sinhô, João da  Baiana, Caninha, Pixinguinha.  Aos poucos os desfiles se foram tornando mais portentosos e se deslocando para as avenidas mais centrais do Rio, como a Rio Branco. Organizando os Cordões e Ranchos apareceram as Sociedades Carnavalescas que tinham na direção intelectuais e artistas de peso.  Foram justamente estas Sociedades que nos primeiros anos da década de 30, do Século XX, fundaram as Escolas  de Samba, as pioneiras frutificaram no Bairro Estácio de Sá. O primeiro desfile aconteceria em 07/02/1932.

 

Os Bailes Carnavalescos

                            A criminalização do Entrudo fez também com que a elite criasse os Bailes Carnavalescos, oficializando seus guetos próprios, aí a música passou  a fazer parte umbilical  do evento, se executando principalmente as polcas e os maxixes.


Carnaval no Clube Português do Recife - 1937[11]

 

 Depois do “Abre Alas” as marchinhas seriam pouco a pouco introduzidas e explodiriam depois de 1930, com a disseminação do Rádio.  O samba seria introduzido, em meio à farra, por volta da primeira década do Século XX. Os Corsos surgiriam, também, por volta desta época, com a chegada dos primeiros automóveis ao Brasil


Bloco Pitombeira dos Quatro Cantos - Olinda- 1959[12]

 

A Bahia

                              Na virada do Século os afoxés invadiriam as ruas da Bahia prevendo os Trios Elétricos que chegariam  depois de 1950, com Dodô e Osmar.


Trio Elétrico seminal de Dodô e Osmar[13]

 

Olinda e Recife

  O Frevo ferveria nas ruas do Recife e os Maracatus e Caboclinhos  começariam a descer dos terreiros e também profanalizar-se nas ruas de Olinda.


Frevo corre solto no Recife[14]

 

O Carnaval no Ceará

 

                   Folheando os jornais antigos do Ceará,  as notícias  publicadas relativas ao nosso mais popular folguedo eram na sua grande maioria bem depreciativas. Numa sociedade conservadora e provincial, com forte influência católica, o Carnaval aparecia sempre como uma ameaça por seus laivos anarquistas e seu histórico de liberações dos vícios e da sexualidade. Os excessos cometidos no entrudo ajudaram em muito a fortalecer o preconceito que historicamente o Carnaval já trazia consigo.

                   O jornal cearense  “Pedro II” , em 1854, taxava o entrudo como um estúpido folguedo , uma fábrica de doenças, solicitando a intervenção da polícia para coibi-lo.


O mesmo noticioso alencarino , em 1895, apresentando efemérides,  relembraria a data de 1854 quando o entrudo, na Corte, teria sido substituído por carros e cavalgadas de máscaras, sendo o cortejo saudado das janelas chiques   por senhoras elegantes que arremessavam flores nos passantes. O evento do entrudo, popularesco,   via-se como uma deformidade social , louvando-se a substituição por uma forma mais controlada e elitizada.  


 

                            O mesmo meio de comunicação em 1856 , chamaria o entrudo de “brincadeira selvagem e prejudicial a saude, a bolça e ao pudor !” E, no mesmo editorial, citaria uma estatística de um Almanaque, não identificado na matéria, que computava os acidentes ocorridos por conta do entrudo (não se sabe em que cidade e em que período) de forma exagerada e alarmista:

 

Pessoas mortas instantaneamente por tiros ,

pancadas, empurrões, etc.  ..................................                 1.260

Pessoas que apanharam constipações e delas

morreram  mais tarde ...........................................                 9.936

Pessoas de cuja desonra foi origem o entrudo ......           1.341

Crimes : cabeças quebradas, braços torcidos,

Contusões de toda casta ....................................                  18.270

Soma ................................................................                       30.807

 

                                   Há notícias em que se relembrava a proibição da festa popular, como esta do “Jornal de Fortaleza” de 1877.

 


 

                            Quando os bailes carnavalescos começaram a acontecer passariam a ser louvados também com matérias que tentavam passar a instalação da elegância e finesse da festa  em substituição à barbárie do entrudo.


Baile Carnavalesco no Clube Ideal em Fortaleza Anos 30-40[15]

                            O popularesco íntimo e histórico da festividade, com suas sublevações temporárias na pirâmide social, feriria a sensibilidade das elites locais. Os bailes fechados, com clientela escolhida e endinheirada, são apresentados como a solução para a selvageria do entrudo nas ruas. Seriam tentativas que se refletiriam nos camarotes futuros, nos blocos fechados com cordão de isolamento e abadás, e os corsos excludentes com seus automóveis portentosos e foliões de posses. Interessante observar na matéria a preocupação com as máscaras dos bailes. Elas proporcionariam, por outro lado,  um certo anonimato e a possibilidade de atos libidinosos “para roerem as fibras dos sãos costumes da família cearense”.


                           O preconceito  se veria transparente quando o “Pedro II” em matéria datada de 03/03/1863 , de um correspondente do Recife, palco do carnaval mais tradicional do Brasil, se referia à mudança do entrudo  com seu “mela-mela” e seus excessos, para desfiles de rua com fantasias.  Aí a reclamação transparece a carga de preconceito:

“Passou, porém a febre dos mascarados, ou porque certa ordem de gente passou a tomar parte muito ativa neste divertimento que para ter graça deve ser de gente que tem educação. E o que ficou ? As mascaradas continuam, mas por que forma ? Não há meretriz que não se ponha em campo nesses dias; não há moleque fiota que não se vista de negro para sair para as ruas, não há negro que se não apresente com uma máscara de branco pelo entrudo; e quanta torpeza, quanta imoralidade pode apresentar a plebe ignara, se vê nessa ocasião. Parece que nesses três dias o espírito abandona o povo desta cidade, porque o que há de mais insulso, mais sem sabor, é o que por aí se vê.”

“Pedro II” - 14/03/1863

 

                                  Os nossos jornais voltavam-se contra a essência própria da brincadeira que era seu anarquismo , seu non sense . Eram apenas o reflexo do pensamento conservador da sociedade em que estavam mergulhados. Desde os seus primórdios, a fórmula se repetiria : tentativas seguidas de controle, de freio, de limites no Carnaval. Os bailes, os Corsos, os Trio elétricos, os Cordões de Isolamento, as arquibancadas, os camarotes seguiriam a tradição de conter, regulamentar, dividir territórios . Pretendia-se sempre criar  ilhas em que as castas não se misturassem. E, mais, o mercado , de olho no vulto da festividade, precisava destas fronteiras para cobrar ingressos e vender seus produtos.

 

O Reino de Momo chega ao Cariri

                             O Crato  sempre teve uma forte tradição carnavalesca. Até os anos 70 do século passado,  desenvolvemos o mais animado Carnaval do Sul cearense. Para compreender como se sedimentou essa tradição no seio do nosso povo é necessário entender que o primeiro registro da nossa mais importante festividade popular tem entre nós exatamente 160 anos. Ele apareceria estampado no nosso primeiro jornal.

“O Entrudo

Desta vez o nosso entrudo, como tudo mais, quis obedecer às leis do tempo: passou-se em perfeita calma. Os fanáticos amadores, deste velho e grotesco costume, não lhe acharam o menor prazer, e vimos as ruas desopiladas destes bandos lamacentos  e esfarrapados que calavam a nossa cidade, levando a laranjinha, a água, o pó e até mesmo a lama às famílias mais moderadas, que não podiam achar um abrigo nem em usas próprias casas, que, por uma lei do entrudo, podiam ser impunemente assaltadas e violadas.

O entrudo tinha entre nós o cunho da barbaridade do século que o viu instituir; e tal era a influência, que exercia nos ânimos, que fazia trepidar a cousa mais poderosa que criaram os séculos modernos: a polícia. Tudo lhe cedia, é mesmo o inferno que , por uma condição atrás desse brinquedo, não podia evitar seus rigores; e não poucos sucumbiam a uma cuia d ´água, ou mais gloriosamente ao impulso de uma laranjinha homicida, que criatura angélica lhe atirava do alto de uma janela.

Sempre somos muito felizes em ver o dia do passamento desse brinquedo. E a quem devemos tremendo triunfo ? À civilização que desabrocha entre nós, que nos prepara vida mais culta.

Contamos que como o entrudo, o São Gonçalo, o Farricoco, o Papangu, o Judas, o Boi e outros que tais brinquedos, em breve cederam o campo a divertimentos mais honestos e mais dignos de uma nação civilizada.”

“O Araripe” - 03 de Março de 1857

 

                                      Esta notícia pioneira  era publicada  justamente no mesmo ano em que o entrudo seria proibido no Brasil. Como vemos brotam as manifestações discriminatórias em relação à festa eminentemente de rua que vinha sendo combatida pela imprensa em todo o país. Fica claro também que , entre nós, já havia uma tradição do entrudo naquela época, pois naquele ano específico cita-se que teria sido diferente dos outros anos. Na leva do preconceito entram ainda muitas outros folguedos populares: Papangu, Farricoco, São Gonçalo, Judas e Boi, tidas como manifestações típicas da nossa pouca civilização.

                            Em 1905 o jornal cratense “Sul do Ceará” noticiava o aparecimento das nossas primeiras agremiações carnavalescas, o “Clube Cavaleiros da Noite”. Informava que dois clubes haviam desfilado pelas ruas da cidade com grande reboliço. Houve também aquela que o hebdomadário classificava como “grande batalha de confettis --talvez a primeira que aqui se deu”.  A nota dava ainda detalhes da folia:

“Por todos os cantos, de todos os lados, choviam os confettis e o povo em verdadeiro delírio arrancou-se da modorra em que jazia. Quanta gala ! Quantas críticas ! Quantas caretas horripilantes e medonhas, mas sempre engraçadas e jocosas! Terminou o brinquedo com o baile de mascarados na casa do Sr. Major Júlio Alves Pequeno [ irmão do Cel Antonio Luiz, chefe político local ] , que a todos recebeu com cavalheirismo, reinando sempre ordem, entusiasmo e delírio”.

                            Como se percebe,  já existia, à época, o baile que culminava o carnaval de rua. Como  o nosso primeiro clube, “O Crato Club”, só apareceria em 1932, a festança acontecia em casa de abastados locais, claro que com convites restritos.

                            Em 1907, um outro noticioso cratense, ‘Correio do Cariry”, falava sobre a pândega momesca naquele ano. Citavam-se, então, mais duas agremiações carnavalescas: “Club Democratas” e “ Club Água e Cera”.  A nota do redator informava que a festividade não tinha sido muito animada naquele ano. “Os Democratas” não tinham botado o bloco na rua e o “Água e Cheiro” fez-lhe uma crítica à ausência:

“...em espirituosa crítica apresentou o cadáver do Club Democratas cercado de almas penadas e chistosas carpideiras que entoavam nênias ao morto, o qual era tenazmente perseguido por um luzidio e robustecido representante de Lúcifer, empunhando bem despontada lança com que, uma vez por outra, fustigava o corpo daquele que parecia pertencer-lhe, ao mesmo tempo que soltava medonhos esturros”.

                            Segundo a nota, ainda,  “Os Democratas”, cujo diretor era o Major Joaquim Tavares Campos,  de última hora tentou sair , desdizendo a morte anunciada. Cita-se, então, o aparecimento das orquestras no desfile:

“Um, como outro [ os dois blocos] eram precedidos de boas orquestras que executavam marchas carnavalescas e o festejado Zé Pereira.”

                             E, mantendo uma tradição, o festejo teria continuado à noite “em algumas casas particulares , sempre animados e divertidos”.


Correio do Cariry - 1908

                   Em 1908, O Correio do Cariry anunciaria várias notícias sobre a folia em Crato. O Club Cavalheiros da Noite teria se fundido com o “Os Democratas”.


Correio do Cariry - 1908

                  

                            Em 1911 , publica-se no Correio do Cariry interessante publicidade. A Pharmacia Rolim ,que pertencia ao farmacêutico e dentista José Gonçalves de Sousa Rolim,  punha à venda o Lança Perfume Rodo para o Carnaval. Ele era utilizado apenas como aromatizador de ambientes, ainda não se tinham descoberto suas propriedades  inebriantes quando inalado ou diluído no Whisky.


 

              O produto era fabricado pelo  Laboratório Rhodia e vendido livremente no período momino.


Publicidade do Lança em 1921[16]

 

                            Em 1918, o jornal cratense “Gazeta do Cariry”, sob a batuta do jornalista Bruno Menezes, traria informações sobre nosso Carnaval à época. Cita-se , então, uma outra agremiação carnavalesca, “Os Beduínos Modernos”. Transcrevemos aqui a nota que nos dá interessantes detalhes sobre a folia naqueles idos.

Carnaval

“Os Beduínos Modernos”

De todo, não passou desapercebida, este ano, a época carnavalesca. O núcleo dos "Beduínos" festejou os três dias de Momo levando a efeito o seguinte programa :

-- No Domingo à tarde passeio pelas principais ruas da cidade, acompanhado pela Banda Municipal que, enquanto tocava o Zé Pereira, os “Beduínos tocavam uma canção especialmente escrita pelo talentoso  associado o Sr. Augusto Benevides. À noite um lindo e atraente baile na residência do Dr. Olímpio da Rocha [ avô de Dário Gledson Pereira, Olímpio era juiz de direito do Crato], ao qual tomaram parte muitas senhorinhas do alto set social, dentre estas podemos registrar de memória as seguintes : D. Onezina, Hormenezinda e Amélia Siqueira, Corina Macedo, Branca Aboim, Consuelo e Zaíra Cordeiro, Maria Lucíola, Elvira Sampaio, Anita, Suzana, Adelide e Edith Rocha. A Gazeta se fez presente por seu diretor, que recebeu tanto do Dr. Olímpio como dos Beduínos afetuosas demonstrações de apreço pelo que agradecemos.”

 

                            Na nota cita-se a alta sociedade local representada nas senhorinhas presentes à festa. Pela primeira vez , também, aparece uma canção especialmente composta para um bloco em Crato, no caso “Os Beduínos Modernos” e o seu compositor : Augusto Benevides. O Gazeta publicaria, ainda, naquele mesmo ano , toda a diretoria de “Os Beduínos” e , junto, personagens incorporados na bagunça. Denotava-se já um certo nível de organização  naquele momento do nosso carnaval.


                            Na segunda metade dos anos 20, os primeiros alunos do Colégio Diocesano fundaram os blocos carnavalescos Aeronautas e Marinheiros. Entre eles Tomé Cabral, Raimundo Siebra, Raimundo Esmeraldo e Pedro Norões, todos alunos da primeira turma do Diocesano  ( autointitulados , os “4 Cavaleiros do Apocalipse”) .


Os Cavaleiros do Apocalipse nos Anos 30[17]

Os Corsos

                                   Com o advento do automóvel, aqui chegado em 29/09/1919, pela iniciativa de Siqueira Campos, plantava-se, a semente para o aparecimento futuro dos Corsos. Deve ter prosperado no início dos anos 30, quando tínhamos já um contingente considerável de veículos.

 

Carros na Rua Grande , nos Anos 30, onde aconteciam os Corsos[18]

Percorriam a Rua Grande, ou do Commércio, entre batalhas de confetes e serpentinas, sob a odorização do Lança-Perfume. Os carros transportavam a elite econômica da época, que aproveitava a oportunidade para demonstrar, ostensivamente, suas posses.  Levavam uma bandinha e figuras da sociedade bem vestidas e fantasiadas. No meio do Corso, intercalavam-se, às vezes, algumas carroças, com a população mais humilde , levando, também uma charanga.

 

Corso em Crato na Rua Grande em 1951, defronte à Casa dos Leões[19]

 


“A Poldra” de Nemezinho pronta para carnaval nos anos 70[20]

                                  

                                   Nos anos 60, boêmios da nossa mais alta society roubaram, em plena folia, no romper do dia, um pato da Fonte Luminosa da Praça da Sé e foram saborear o petisco, após ser cuidadosamente preparado pelas sábias mãos de Canena, na Rua da Saudade . O furto terminou em tanto alvoroço que rendeu uma Marcha:

 

 

                      “Levantaram um “falso”chato

                            Ao novo Clube das Rosas,

                            Só porque sumiu-se um Pato,

                            Lá da fonte luminosa...

                            Quem paga o Pato?”

 

                        Depois o Carnaval cratense foi pouco a pouco esmaecendo, um pouco a cada ano, um tanto a cada gestão municipal.

 

Os Bailes Carnavalescos                                  

                            Os bailes também , aos poucos, se foram transferindo da casa de abastados  locais, para ambientes mais públicos.  


Bar Ideal - na Rua Formosa[21]

O Bar Ideal , fundado por Deodoro Gomes de Matos em 1916, tornou-se o nosso primeiro clube social e, funcionaria, também, como promotor de eventos e bailes. Apesar das suas dimensões acanhadas, seria um dos primeiros escolhidos. Em 1932, sob a iniciativa de algumas figuras ilustres da cidade, entre estes os Drs. Miguel Limaverde e Joaquim Pinheiro Filho, surgiria o Crato Club . Ambiente mais amplo e acolhedor, pouco a pouco, se tornaria o salão de festas da sociedade cratense e, ali, seriam promovidos os bailes carnavalescos mais animados da época. Em 1949,  o Crato Tênis Clube  assumiria, paulatinamente, a produção dos assaltos mominos que se foram tornando mais e mais populares, com seu apogeu nos anos 70.


Bar Social , sito à Praça da Estação[22]

 

                           Músicos vários , quase todos advindos da nossa Banda Municipal, animaram a festa desde o seu princípio. Os mais antigos : o Maestro Zé Chato, Caribé e, depois, o Maestro Luiz Benício ( pai de uma plêiade de musicistas cratenses), Chico Baião e Hildegardo. 


Banda de Música de Crato  (1922), vários integrantes animariam os bailes carnavalescos cratenses.[23]

Orquestras se foram formando, depois,  com nomes como a Azes do Ritmo, Hildegardo e seu Conjunto que enchiam de sons e animação as nossas festas clubísticas.


Club Crato na Rua do Fogo, prédio demolido recentemente[24]


Baile carnavalesco  no CTC nos Anos 60, Chico Bezerra como Rei Momo. [25]

 

Os Blocos proliferam no Carnaval cratense         

        

                            Os blocos se multiplicariam com o passar dos tempos. Em 1936 vemos animado bloco reunido na Vila Lucíola, em Crato, sob os auspícios de Luiz Gonzaga de Melo (1886-1963), pecuarista e político,  genro do boticário famoso Teófilo Siqueira. A Vila ficava no Sítio São Luiz ( hoje Parque Grangeiro) .


Carnaval cratense em 1936[26]

 

 

                              

 

        O Saca-Rolha no final dos Anos 50[27]

 

                                       O carnaval de rua permaneceria bem vivo em Crato , com seu apogeu nos  anos 70, quando se criou a Crônica Carnavalesca do Crato responsável pela transmissão e divulgação do evento.


Bloco Carnavalesco nos anos 70 em Crato[28]

                        


As Escolas de Samba

                            Em 1960 seria fundada a nossa primeira Escola de Samba : “O Vitorino” que permaneceria atuante até 2004.O carnavalesco Antonio Vitorino da Silva ( 1932-2011) faria sua Escola desfilar em Crato por mais de quarenta anos. Ele incentivaria o surgimento de outras como “Operários do Samba”( Pinto Madeira), “Idealistas do Samba” ( Seminário) , “Espalha Brasa” ( São Miguel) e  “Unidos de São Sebastião” ( Caixa D´Água), “Unidos de São Miguel”, “Unidos de São José”, “Prova de Fogo”( Seminário), “ Acadêmicos da Vilalta”. 


Vitorino e sua Escola de Samba - 2006[29]

 

Os nossos Foliões mais fervorosos

 

                                   Muitos e muitos amantes do Carnaval atapetaram a história da nossa cidade: Cleto Milfont, Valdir Silva,  ( investiu-se de Rei Momo), Coló,  Zeba ( Rei Momo por muitos anos) Almir Carvalho,  Cândido Figueiredo e, o mais icônico de todos eles : Zé Maia.  Ele desfilava com sua impagável e eterna fantasia de arlequim, de maracá em punho, e fazia-se o bloco de um homem só. Chegaria a comemorar cinquenta anos contínuos de carnaval. A fantasia era exatamente a mesma, mas a cada ano ele mandava fazer uma nova.  Seria imortalizado, depois, num frevo do nosso Abidoral Jamacaru que o identificou como nosso Zé Pereira.


Zé Maia em folia, de maracá em punho,  já idoso,  nos anos 70[30]

 

           

                            A partir da década de 80, os festejos mominos em Crato começaram a perder força. O declínio coincide com a nossa decadência político-econômica. Permanecem vivos, ainda hoje,  o Carnaval da Saudade e o Desfile das Virgens. Este, iniciado nos anos 70, por estudantes, nos moldes do seu similar olindense, ainda sacoleja a cidade na sexta-feira que antecede o sábado gordo. 

 


Bloco das Virgens nos Anos 80[31]

 

Lenços e Lanças

 

                                   Uma das mais hilárias histórias envolvendo o Carnaval em Crato, passou-se nos anos 70, quando o nosso Carnaval de rua e clubístico se firmara como um dos mais animados do estado. À época, o Lança-Perfume ( e seus congêneres genéricos como a Loló) de antigo odorizador de ambientes,   já se tornara totalmente ilegal, passara a ser usado como inebriante junto com o whisky ou inalado. A polícia, em plena Ditadura Militar, estava marcando cerrado os infratores. Coincidentemente, a mais popular  fórmula era importada, sorrateiramente da Argentina e trazia a marca, significativa de : Universitário. Um dos nossos foliões, em pleno Crato Tênis Clube, entrou no banheiro para dar umas aspiradas, uma vez que do lado de fora a polícia estava de olho vivíssimo à espreita dos cafungadores. Após embeber o lenço e ouvir os sininhos do Natal, nosso folião resolveu voltar ao salão para aproveitar o efeito efêmero do cheirinho. À porta, no entanto, a PM o aguardava e ele foi denunciado pelos olhos a meio pau e pelo cheiro indefectível do Universitário. O soldado, então, gritou do alto da sua autoridade:

--- Cadê o Lança ?

                   Nosso folião, ainda sob os eflúvios etéreos do cloretil, imaginou que devia ser alguém solicitando também uma talagada. Aí estendeu a mão e exigiu o depósito adequado ao solicitante:

--- Cadê o Lenço ?

 

Crato, 23/03/2017

Referências

 

LUIZ , André. Almanaque do Carnaval. Jorge Zahar Editor Ltda. Rio de Janeiro : 2008.

COSTA, Haroldo. Carnaval: dos ticumbis, cucumbis, entrudo e sociedade carnavalesca aos dias atuais. E-book  de Domínio Público.

NETO, Lira. Uma História do Samba Vol. I. Companhia das Letras. São Paulo : 2017.

PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Imprensa Universitária do Ceará. Fortaleza : 1962.

 

PINTO, Tales dos Santos. História do carnaval e suas origens. Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/carnaval/historia-do-carnaval.htm>. Acesso em 13 de marco de 2017.

Jornais Pesquisados

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional :

“O Araripe”, “Pedro II”, “Jornal de Fortaleza”.

Hemeroteca do instituto Cultural do Cariri

“Correio do Cariry”, “Gazeta de Notícias”, “Sul do Ceará”

Entrevistados :

Huberto Cabral, Abidoral Jamacaru, Socorro Maia, Joelma Batista.



[1] Imagem disponível em : https://br.pinterest.com/pin/72409506479042265/

[2] Imagem disponível em : http://seteantigoshepta.blogspot.com.br/2013/12/natal-25-de-dezembro-nascimento-de.html

[3] Imagem disponível em : https://ferrebeekeeper.wordpress.com/tag/lupercalia/

[4] Imagem disponível em : http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2017/02/a-historia-do-carnaval.html

[5] Imagem disponível em : https://www.doutoresdaalegria.org.br/commedia-dellarte/

[6] Imagem disponível em : https://br.pinterest.com/fredsuper7/la-bauta/

[7] Imagem disponível em  : http://www.historiadigital.org/questoes/questao-enem-2008-arte-de-debret/

[8] Imagem disponível em : http://brasileiros.com.br/2017/02/o-carnaval-ja-foi-lambuzao/

[9] Imagem disponível em : http://www.carnaxe.com.br/histor/zepereira/index.html

[10] Imagem disponível em : http://www.patriamineira.com.br/imprimir_noticia.php?id_noticia=2902

[11] Imagem disponível em : http://www.fernandomachado.blog.br/novo/?paged=25&page=9

[12] Imagem disponível em : http://carnaval.olinda.pe.gov.br/historia/homenagem-ao-frevo/clubes-pedestres-constrangiam-a-elite-recifense

[13] Imagem disponível em : http://blog.santoangelo.com.br/atras-do-trio-eletrico-so-nao-vai-quem-ja-morreu-e-quem-nao-gosta-de-guitarra/

[14] Imagem disponível em : http://criancaesperanca.globo.com/platb/ecejaboatao/2014/05/19/educandos-do-crianca-esperanca-de-jaboatao-visitam-o-paco-do-frevo/

[15] Imagem disponível no site : http://www.fortalezanobre.com.br/2013/02/quem-passou-no-carnaval-que-passou.html

[16] Imagem disponível em: http://emporiodogordinho.com.br/produto/lanca-perfume-rodo-1921-cod-1877/

[17] Imagem - Acervo Linard

[18] Imagem : Acervo Linard

[19] Foto do Arquivo de Nélio Falcão.

[20] Foto do acervo de Ricardo Saraiva

[21] Imagem: Acervo Linard - 1949

[22] Foto - Almanaque do  Cariri - 1949

[23] Imagem : Acervo Linard

[24] Foto - acervo Linard

[25] Foto - acervo de Ricardo saraiva

[26] Foto - acervo de “A Província”

[27] Imagem : Acervo Linard

[28] Imagem - Acervo de Ricardo Saraiva

[29] Imagem disponível em : https://cratonoticias.wordpress.com/2011/11/16/morre-na-cidade-do-crato-o-carnavalesco-vitorino/

[30] Imagem disponível em : http://blogs.diariodonordeste.com.br/cariri/cidades/2956/

[31] Imagem - Acervo de Kaika Luiz