Os primeiros gritos do Carnaval no
Crato
“Custei a compreender que a fantasia
É um troço que o cara tira no carnaval
E usa nos outros dias por toda a vida.”
Aldir Blanc
Os folguedos mominos
têm profunda e histórica ligação com o
Crato. Se nos últimos anos arrefeceu, um pouco, o fulgor dos nossos blocos e das Escolas de Samba , veremos aqui que
desde meados do Século XIX já havia relatos da festa em terras caririenses. O
folguedo que embutia um certo anarquismo e se caracterizava pela subversão dos papéis
sociais, sempre foi visto, desde o seu nascedouro, de forma tensa e enviesada
pelo poder constituído. Os poderes político e econômico temiam essa inversão de
papéis ( homens vestidos de mulheres, mulheres travestidas de homens, ricos
fantasiados de pobres e mendigos de reis, etc.) , mesmo temporária . O poder
religioso, por sua vez, tremia com o
rebaixamento das divindades, associando-a a coisas de satanás. Aos poucos iriam
tentando colocar amarras, regras, fronteiras, proibições. O mercado, por sua vez,
entendeu a necessidade de pôr arreios e controle na festividade com o intuito
de cobrar ingresso e vender bebidas, fantasias, abadás, camarotes. Para entender
a efervescência do Carnaval no Sul Cearense é necessário dissecar , um pouco,
as origens da nossa festa mais popular no mundo e em Pindorama.
Qual a origem do Carnaval ?
A Babilônia
As informações mais antigas
relacionadas a festividades similares ao nosso Carnaval remontam à Civilização
Babilônica. Duas festividades trazem consigo laivos da subversão típica do
Carnaval de hoje. As SACEIAS eram
festejos em que um prisioneiro era escolhido para assumir temporariamente as
funções de rei. Dormia com as esposas reais, vestia-se com roupas nobres,
alimentava-se como um marajá. Passados alguns dias, era deposto, chicoteado e enforcado ou enviado
à empalação.
O
outro ritual acontecia próximo ao equinócio da primavera ( comemoração do ano
novo na Babilônia). O rei era levado ao templo de Marduk ( um dos mais importantes deuses babilônicos), eram-lhe
tirados todos os emblemas e insígnias de
poder e surravam-no defronte à estátua de Marduk.
O ritual de humilhação pretendia demonstrar a submissão diante do seu deus.
Terminado o rito de purificação o rei assumia novamente o trono. Nas Saceias o prisioneiro se transformava em
rei , no ritual religioso , o rei era tratado como prisioneiro.
Festas de Baco - Maerten
van Heemskerck - 1536
A Sociedade
Greco-Romana
As sociedades
greco-romanas tinham também suas festividades dedicadas a Baco ( latino) e Dionísio ( grego), deuses do vinho, onde
as libações etílicas e os prazeres da carne eram cultuados.
Saturnália
Em Roma,
festividades remetiam diretamente à lembrança carnavalesca moderna : as Saturnálias ( comemoradas em dezembro) e
as Lupercálias ( festejadas em
fevereiro). Estas festividades se arrastavam por dias, com bebidas, comida
farta, música e dança. Escravos se vestiam de nobres e ricos se faziam de
escravos. Com a ascensão progressiva do cristianismo, estas comemorações passaram a ser vistas com
maus olhos, havendo um progressivo controle .
Lupercália por Domenico
Becaffumi
A partir do Século VII, criou-se o período da Quaresma, enquadrando-se estas libações
para o período imediatamente anterior ao religioso. A intenção embutida era de
limitar em poucos dias a festividade pagã,
desembocando-a, imediatamente num período sacro de penitência ( Do pó ao pó). O nome Carnaval, inclusive vem do latim : Carnis Levale ( retirar a carne) , uma
alusão direta ao jejum quaresmal. No
fundo, a igreja desejava estabelecer a
época de libação, justamente antes dos
rituais que precediam à Semana Santa, remetendo os foliões, ato contínuo, ao arrependimento e à contrição.
Na Idade Média, no
período da colheita, homens jovens se vestiam de mulher e perambulavam pelos
campos e cidades durante a noite. Diziam-se vindos do mundo dos vivos e mortos
e, sob aceitação de todos, fartavam-se de bebidas e comidas oferecidas a eles e
ainda ganhavam beijos das senhoritas.
Carnaval em Roma - 1650
O Renascimento
Durante o Renascimento, em Florença, com o advento da Commedia Dell´Arte, disseminaram-se as máscaras e os desfiles e
surgiram os primeiros carros alegóricos, chamados de Trionfi.
Commedia Dell´Arte
Naquele
momento, em Roma e Veneza, os desfiles contavam com as Bautas: uma capa negra,
com capuz que encobria ombros e cabeça, além de chapéu de três pontas e uma
máscara branca.
Bauta
O Carnaval chega a Pindorama
O
Entrudo em gravura de
Debret
No Brasil ,
os primeiros relatos do Entrudo
remontam a Pernambuco em 1553, trazido por emigrantes portugueses. Por volta de 1723, através de emigrantes
vindos das Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, ele se estenderia de Posto
dos Casais ( atual Porto Alegre) até o Espírito Santo. O nome Entrudo provém etimologicamente de
introito, uma demarcação do início da Quaresma. No Rio de
Janeiro , a mais importante cidade brasileira na época, ele tomou força e
prosperou. Excessos aconteceram, inevitavelmente, sendo responsáveis pela
difamação do festejo , já visto com reservas pela elite por conta do seu típico
anarquismo . Polvilho, pó-de-mico,
fuligem, goma, limões feitos de cera contendo variados líquidos ( às vezes
excrementos) eram lançados uns contra
outros, em batalhas campais. Águas de bacias eram arremessadas das sacadas
sobre passantes. Houve inclusive o caso do arquiteto francês Grandjean de Montigny , que viera com a
missão artística de D. João VI, que
sucumbiu com uma pleurisia por conta desses excessos carnavalescos.
Entrudo em aquarela de
Auguste Earle - 1822
O Zé Pereira
O poder estabelecido
tentou de todas as maneiras coibir os excessos, pôr fronteiras e limites no Entrudo. Em vão ! Em 1857 seria tornado,
enfim, ilegal. Continuou, no entanto, a acontecer clandestinamente. Aos poucos,
porém, foi se metamoforseando em modalidades mais palatáveis. Uma delas foi o Zé Pereira , um português bonachão e
rotundo que saía no Carnaval com um bumbo enorme, carregando uma trupe e
promovendo grande algazarra.
Zé Pereira - na Revista Fon-Fon
Os Cordões
Das ruas também brotaram os Cordões , principalmente através da
população negra brotando das Confrarias Religiosas como N. S. do Rosário, com
escravos e libertos. Daí surgiram figuras como os Tucumbis e os Cucumbis ( com influência da Cultura do Congo).
Rancho Carnavalesco
“Custa mas Vai” - São João Del Rey - 1921
Foram eles os responsáveis pelo aumento da
riqueza rítmica com introdução de instrumentos afros : ganzás, xererês ,
chocalhos, adufes, agogôs, marimbas.
Um
dos mais importantes Cordões foi o Rosa
de Ouro para quem Chiquinha Gonzaga (
1847-1935) compôs a marcha “Ô Abre alas”, um dos eternos símbolos
do carnaval brasileiro. Os próprios Cordões seriam também estigmatizados , como
era comum às manifestações de origem Afro. Ressuscitariam depois , já no Estado Novo, agora sob a
influência marcante de Villa-Lobos e
terminariam se travestindo depois nos primeiros blocos carnavalescos.
Os Ranchos
Junto aos Cordões
, mais de raízes afro, apareceram também os Ranchos
, estes , predominantemente, de viés
lusitano, advindos também de festas sacras ligadas à N. S. da Penha. Enquanto na igreja se entoavam cânticos, nas
barraquinhas ao derredor puxavam rodas musicais figuras como Sinhô, João da Baiana, Caninha, Pixinguinha. Aos poucos os desfiles se foram tornando mais
portentosos e se deslocando para as avenidas mais centrais do Rio, como a Rio
Branco. Organizando os Cordões e Ranchos
apareceram as Sociedades Carnavalescas
que tinham na direção intelectuais e artistas de peso. Foram justamente estas Sociedades que nos
primeiros anos da década de 30, do Século XX, fundaram as Escolas de Samba, as
pioneiras frutificaram no Bairro Estácio de Sá. O primeiro desfile aconteceria
em 07/02/1932.
Os Bailes Carnavalescos
A criminalização do Entrudo fez também com que a elite
criasse os Bailes Carnavalescos,
oficializando seus guetos próprios, aí a música passou a fazer parte umbilical do evento, se executando principalmente as
polcas e os maxixes.
Carnaval no Clube
Português do Recife - 1937
Depois do “Abre
Alas” as marchinhas seriam pouco a pouco introduzidas e explodiriam depois
de 1930, com a disseminação do Rádio. O samba seria introduzido, em meio à farra,
por volta da primeira década do Século XX. Os Corsos surgiriam, também, por volta desta época, com a chegada dos
primeiros automóveis ao Brasil
Bloco Pitombeira dos
Quatro Cantos - Olinda- 1959
A Bahia
Na virada do
Século os afoxés invadiriam as ruas da Bahia prevendo os Trios Elétricos que
chegariam depois de 1950, com Dodô e
Osmar.
Trio Elétrico seminal de Dodô e Osmar
Olinda e Recife
O Frevo ferveria nas ruas do Recife e os
Maracatus e Caboclinhos começariam a
descer dos terreiros e também profanalizar-se nas ruas de Olinda.
Frevo corre solto no
Recife
O Carnaval no Ceará
Folheando os jornais antigos
do Ceará, as notícias publicadas relativas ao nosso mais popular
folguedo eram na sua grande maioria bem depreciativas. Numa sociedade
conservadora e provincial, com forte influência católica, o Carnaval aparecia
sempre como uma ameaça por seus laivos anarquistas e seu histórico de
liberações dos vícios e da sexualidade. Os excessos cometidos no entrudo ajudaram em muito a fortalecer o
preconceito que historicamente o Carnaval já trazia consigo.
O jornal cearense “Pedro
II” , em 1854, taxava o entrudo como um estúpido folguedo , uma fábrica de
doenças, solicitando a intervenção da polícia para coibi-lo.
O mesmo
noticioso alencarino , em 1895, apresentando efemérides, relembraria a data de 1854 quando o entrudo,
na Corte, teria sido substituído por carros e cavalgadas de máscaras, sendo o
cortejo saudado das janelas chiques por
senhoras elegantes que arremessavam flores nos passantes. O evento do entrudo, popularesco, via-se como uma deformidade social ,
louvando-se a substituição por uma forma mais controlada e elitizada.
O mesmo meio de
comunicação em 1856 , chamaria o entrudo de “brincadeira
selvagem e prejudicial a saude, a bolça e ao pudor !” E, no mesmo
editorial, citaria uma estatística de um Almanaque, não identificado na matéria,
que computava os acidentes ocorridos por conta do entrudo (não se sabe em que
cidade e em que período) de forma exagerada e alarmista:
Pessoas mortas
instantaneamente por tiros ,
pancadas,
empurrões, etc.
.................................. 1.260
Pessoas que
apanharam constipações e delas
morreram mais tarde
........................................... 9.936
Pessoas de cuja
desonra foi origem o entrudo ......
1.341
Crimes : cabeças
quebradas, braços torcidos,
Contusões de toda
casta .................................... 18.270
Soma
................................................................ 30.807
Há notícias em que se relembrava a proibição
da festa popular, como esta do “Jornal de
Fortaleza” de 1877.
Quando os bailes
carnavalescos começaram a acontecer passariam a ser louvados também com
matérias que tentavam passar a instalação da elegância e finesse da festa em
substituição à barbárie do entrudo.
Baile Carnavalesco no
Clube Ideal em Fortaleza Anos 30-40
O
popularesco íntimo e histórico da festividade, com suas sublevações temporárias
na pirâmide social, feriria a sensibilidade das elites locais. Os bailes
fechados, com clientela escolhida e endinheirada, são apresentados como a
solução para a selvageria do entrudo
nas ruas. Seriam tentativas que se refletiriam nos camarotes futuros, nos
blocos fechados com cordão de isolamento e abadás, e os corsos excludentes com seus automóveis portentosos e foliões de
posses. Interessante observar na matéria a preocupação com as máscaras dos
bailes. Elas proporcionariam, por outro lado, um certo anonimato e a possibilidade de atos
libidinosos “para roerem as fibras dos
sãos costumes da família cearense”.
O preconceito se veria transparente quando o “Pedro II” em matéria datada de
03/03/1863 , de um correspondente do Recife, palco do carnaval mais tradicional
do Brasil, se referia à mudança do entrudo
com seu “mela-mela” e seus excessos,
para desfiles de rua com fantasias. Aí a
reclamação transparece a carga de preconceito:
“Passou,
porém a febre dos mascarados, ou porque certa ordem de gente passou a tomar
parte muito ativa neste divertimento que para ter graça deve ser de gente que
tem educação. E o que ficou ? As mascaradas continuam, mas por que forma ? Não
há meretriz que não se ponha em campo nesses dias; não há moleque fiota que não
se vista de negro para sair para as ruas, não há negro que se não apresente com
uma máscara de branco pelo entrudo; e quanta torpeza, quanta imoralidade pode
apresentar a plebe ignara, se vê nessa ocasião. Parece que nesses três dias o
espírito abandona o povo desta cidade, porque o que há de mais insulso, mais
sem sabor, é o que por aí se vê.”
“Pedro
II” - 14/03/1863
Os nossos jornais voltavam-se contra a
essência própria da brincadeira que era seu anarquismo , seu non sense . Eram apenas o reflexo do
pensamento conservador da sociedade em que estavam mergulhados. Desde os seus
primórdios, a fórmula se repetiria : tentativas seguidas de controle, de freio,
de limites no Carnaval. Os bailes, os Corsos, os Trio elétricos, os Cordões de
Isolamento, as arquibancadas, os camarotes seguiriam a tradição de conter,
regulamentar, dividir territórios . Pretendia-se sempre criar ilhas em que as castas não se misturassem. E,
mais, o mercado , de olho no vulto da festividade, precisava destas fronteiras
para cobrar ingressos e vender seus produtos.
O Reino de Momo chega ao Cariri
O Crato sempre teve uma forte tradição carnavalesca.
Até os anos 70 do século passado,
desenvolvemos o mais animado Carnaval do Sul cearense. Para compreender
como se sedimentou essa tradição no seio do nosso povo é necessário entender
que o primeiro registro da nossa mais importante festividade popular tem entre
nós exatamente 160 anos. Ele apareceria estampado no nosso primeiro jornal.
“O Entrudo
Desta vez o nosso
entrudo, como tudo mais, quis obedecer às leis do tempo: passou-se em perfeita
calma. Os fanáticos amadores, deste velho e grotesco costume, não lhe acharam o
menor prazer, e vimos as ruas desopiladas destes bandos lamacentos e esfarrapados que calavam a nossa cidade,
levando a laranjinha, a água, o pó e até mesmo a lama às famílias mais
moderadas, que não podiam achar um abrigo nem em usas próprias casas, que, por
uma lei do entrudo, podiam ser impunemente assaltadas e violadas.
O entrudo tinha entre
nós o cunho da barbaridade do século que o viu instituir; e tal era a
influência, que exercia nos ânimos, que fazia trepidar a cousa mais poderosa
que criaram os séculos modernos: a polícia. Tudo lhe cedia, é mesmo o inferno
que , por uma condição atrás desse brinquedo, não podia evitar seus rigores; e
não poucos sucumbiam a uma cuia d ´água, ou mais gloriosamente ao impulso de
uma laranjinha homicida, que criatura angélica lhe atirava do alto de uma
janela.
Sempre somos muito
felizes em ver o dia do passamento desse brinquedo. E a quem devemos tremendo
triunfo ? À civilização que desabrocha entre nós, que nos prepara vida mais
culta.
Contamos que como o
entrudo, o São Gonçalo, o Farricoco, o Papangu, o Judas, o Boi e outros que
tais brinquedos, em breve cederam o campo a divertimentos mais honestos e mais
dignos de uma nação civilizada.”
“O Araripe” - 03 de
Março de 1857
Esta notícia pioneira era publicada justamente no mesmo ano em que o entrudo seria proibido no Brasil. Como vemos
brotam as manifestações discriminatórias em relação à festa eminentemente de
rua que vinha sendo combatida pela imprensa em todo o país. Fica claro também
que , entre nós, já havia uma tradição do entrudo
naquela época, pois naquele ano específico cita-se que teria sido diferente dos
outros anos. Na leva do preconceito entram ainda muitas outros folguedos
populares: Papangu, Farricoco, São
Gonçalo, Judas e Boi, tidas como manifestações típicas da nossa pouca
civilização.
Em
1905 o jornal cratense “Sul do Ceará”
noticiava o aparecimento das nossas primeiras agremiações carnavalescas, o “Clube Cavaleiros da Noite”. Informava
que dois clubes haviam desfilado pelas ruas da cidade com grande reboliço.
Houve também aquela que o hebdomadário classificava como “grande batalha de
confettis --talvez a primeira que aqui se deu”.
A nota dava ainda detalhes da folia:
“Por todos os
cantos, de todos os lados, choviam os confettis e o povo em verdadeiro delírio
arrancou-se da modorra em que jazia. Quanta gala ! Quantas críticas ! Quantas
caretas horripilantes e medonhas, mas sempre engraçadas e jocosas! Terminou o
brinquedo com o baile de mascarados na casa do Sr. Major Júlio Alves Pequeno [
irmão do Cel Antonio Luiz, chefe político local ] , que a todos recebeu com
cavalheirismo, reinando sempre ordem, entusiasmo e delírio”.
Como
se percebe, já existia, à época, o baile
que culminava o carnaval de rua. Como o
nosso primeiro clube, “O Crato Club”,
só apareceria em 1932, a festança acontecia em casa de abastados locais, claro
que com convites restritos.
Em
1907, um outro noticioso cratense, ‘Correio
do Cariry”, falava sobre a pândega momesca naquele ano. Citavam-se, então,
mais duas agremiações carnavalescas: “Club
Democratas” e “ Club Água e Cera”. A nota do redator informava que a festividade
não tinha sido muito animada naquele ano. “Os
Democratas” não tinham botado o bloco na rua e o “Água e Cheiro” fez-lhe uma crítica à ausência:
“...em espirituosa
crítica apresentou o cadáver do Club Democratas cercado de almas penadas e
chistosas carpideiras que entoavam nênias ao morto, o qual era tenazmente
perseguido por um luzidio e robustecido representante de Lúcifer, empunhando bem
despontada lança com que, uma vez por outra, fustigava o corpo daquele que
parecia pertencer-lhe, ao mesmo tempo que soltava medonhos esturros”.
Segundo
a nota, ainda, “Os Democratas”, cujo diretor era o Major Joaquim Tavares Campos, de última hora tentou sair , desdizendo a
morte anunciada. Cita-se, então, o aparecimento das orquestras no desfile:
“Um, como outro [
os dois blocos] eram precedidos de boas orquestras que executavam marchas
carnavalescas e o festejado Zé Pereira.”
E,
mantendo uma tradição, o festejo teria continuado à noite “em algumas casas particulares , sempre animados e divertidos”.
Correio do Cariry - 1908
Em
1908, O Correio do Cariry anunciaria várias notícias sobre a folia em Crato. O Club Cavalheiros da Noite teria se
fundido com o “Os Democratas”.
Correio do Cariry - 1908
Em 1911 , publica-se no Correio do Cariry
interessante publicidade. A Pharmacia
Rolim ,que pertencia ao farmacêutico e dentista José Gonçalves de Sousa
Rolim, punha à venda o Lança Perfume Rodo para o Carnaval. Ele
era utilizado apenas como aromatizador de ambientes, ainda não se tinham descoberto
suas propriedades inebriantes quando
inalado ou diluído no Whisky.
O
produto era fabricado pelo Laboratório
Rhodia e vendido livremente no período momino.
Publicidade do Lança em 1921
Em
1918, o jornal cratense “Gazeta do Cariry”,
sob a batuta do jornalista Bruno Menezes, traria informações sobre nosso
Carnaval à época. Cita-se , então, uma outra agremiação carnavalesca, “Os Beduínos Modernos”. Transcrevemos
aqui a nota que nos dá interessantes detalhes sobre a folia naqueles idos.
Carnaval
“Os Beduínos Modernos”
De todo, não passou
desapercebida, este ano, a época carnavalesca. O núcleo dos
"Beduínos" festejou os três dias de Momo levando a efeito o seguinte
programa :
-- No Domingo à tarde
passeio pelas principais ruas da cidade, acompanhado pela Banda Municipal que,
enquanto tocava o Zé Pereira, os “Beduínos tocavam uma canção especialmente
escrita pelo talentoso associado o Sr.
Augusto Benevides. À noite um lindo e atraente baile na residência do Dr. Olímpio
da Rocha [ avô de Dário Gledson Pereira, Olímpio era juiz de direito do Crato],
ao qual tomaram parte muitas senhorinhas do alto set social, dentre estas
podemos registrar de memória as seguintes : D. Onezina, Hormenezinda e Amélia
Siqueira, Corina Macedo, Branca Aboim, Consuelo e Zaíra Cordeiro, Maria
Lucíola, Elvira Sampaio, Anita, Suzana, Adelide e Edith Rocha. A Gazeta se fez
presente por seu diretor, que recebeu tanto do Dr. Olímpio como dos Beduínos
afetuosas demonstrações de apreço pelo que agradecemos.”
Na
nota cita-se a alta sociedade local representada nas senhorinhas presentes à
festa. Pela primeira vez , também, aparece uma canção especialmente composta
para um bloco em Crato, no caso “Os
Beduínos Modernos” e o seu compositor : Augusto
Benevides. O Gazeta publicaria, ainda, naquele mesmo ano , toda a diretoria
de “Os Beduínos” e , junto, personagens incorporados na bagunça. Denotava-se já
um certo nível de organização naquele
momento do nosso carnaval.
Na
segunda metade dos anos 20, os primeiros alunos do Colégio Diocesano fundaram
os blocos carnavalescos Aeronautas e Marinheiros. Entre eles Tomé Cabral,
Raimundo Siebra, Raimundo Esmeraldo e Pedro Norões, todos alunos da primeira
turma do Diocesano ( autointitulados ,
os “4 Cavaleiros do Apocalipse”) .
Os Cavaleiros do Apocalipse nos Anos
30
Os Corsos
Com o
advento do automóvel, aqui chegado em 29/09/1919, pela iniciativa de Siqueira
Campos, plantava-se, a semente para o aparecimento futuro dos Corsos. Deve ter
prosperado no início dos anos 30, quando tínhamos já um contingente considerável
de veículos.
Carros na Rua Grande , nos
Anos 30, onde aconteciam os Corsos
Percorriam a
Rua Grande, ou do Commércio, entre batalhas de confetes e serpentinas, sob a
odorização do Lança-Perfume. Os carros transportavam a elite econômica da
época, que aproveitava a oportunidade para demonstrar, ostensivamente, suas
posses. Levavam uma bandinha e figuras
da sociedade bem vestidas e fantasiadas. No meio do Corso, intercalavam-se, às
vezes, algumas carroças, com a população mais humilde , levando, também uma
charanga.
Corso em Crato na Rua Grande em 1951, defronte à Casa dos Leões
“A Poldra” de Nemezinho
pronta para carnaval nos anos 70
Nos anos 60, boêmios da nossa mais
alta society roubaram, em plena folia, no romper do dia, um pato da Fonte
Luminosa da Praça da Sé e foram saborear o petisco, após ser cuidadosamente
preparado pelas sábias mãos de Canena, na Rua da Saudade . O furto terminou em
tanto alvoroço que rendeu uma Marcha:
“Levantaram um “falso”chato
Ao novo Clube das
Rosas,
Só porque sumiu-se
um Pato,
Lá da fonte luminosa...
Quem paga o Pato?”
Depois o Carnaval
cratense foi pouco a pouco esmaecendo, um pouco a cada ano, um tanto a cada
gestão municipal.
Os Bailes Carnavalescos
Os bailes também ,
aos poucos, se foram transferindo da casa de abastados locais, para ambientes mais públicos.
Bar Ideal - na Rua Formosa
O Bar Ideal , fundado por Deodoro Gomes de
Matos em 1916, tornou-se o nosso primeiro clube social e, funcionaria, também,
como promotor de eventos e bailes. Apesar das suas dimensões acanhadas, seria
um dos primeiros escolhidos. Em 1932, sob a iniciativa de algumas figuras
ilustres da cidade, entre estes os Drs. Miguel Limaverde e Joaquim Pinheiro
Filho, surgiria o Crato Club .
Ambiente mais amplo e acolhedor, pouco a pouco, se tornaria o salão de festas
da sociedade cratense e, ali, seriam promovidos os bailes carnavalescos mais
animados da época. Em 1949, o Crato
Tênis Clube assumiria, paulatinamente, a
produção dos assaltos mominos que se foram tornando mais e mais populares, com
seu apogeu nos anos 70.
Bar Social , sito à
Praça da Estação
Músicos vários , quase todos advindos da nossa
Banda Municipal, animaram a festa desde o seu princípio. Os mais antigos : o
Maestro Zé Chato, Caribé e, depois, o Maestro Luiz Benício ( pai de uma plêiade
de musicistas cratenses), Chico Baião e Hildegardo.
Banda de Música de
Crato (1922), vários integrantes
animariam os bailes carnavalescos cratenses.
Orquestras
se foram formando, depois, com nomes
como a Azes do Ritmo, Hildegardo e seu Conjunto que enchiam de
sons e animação as nossas festas clubísticas.
Club Crato na Rua do Fogo, prédio demolido recentemente
Baile
carnavalesco no CTC nos Anos 60, Chico
Bezerra como Rei Momo.
Os Blocos proliferam no Carnaval
cratense
Os blocos se
multiplicariam com o passar dos tempos. Em 1936 vemos animado bloco reunido na
Vila Lucíola, em Crato, sob os auspícios de Luiz Gonzaga de Melo (1886-1963),
pecuarista e político, genro do
boticário famoso Teófilo Siqueira. A Vila ficava no Sítio São Luiz ( hoje
Parque Grangeiro) .
Carnaval cratense em 1936
O Saca-Rolha no final dos Anos 50
O
carnaval de rua permaneceria bem vivo em Crato , com seu apogeu nos anos 70, quando se criou a Crônica
Carnavalesca do Crato responsável pela transmissão e divulgação do evento.
Bloco Carnavalesco nos
anos 70 em Crato
As Escolas de Samba
Em 1960 seria
fundada a nossa primeira Escola de Samba : “O
Vitorino” que permaneceria atuante até 2004.O carnavalesco Antonio Vitorino
da Silva ( 1932-2011) faria sua Escola desfilar em Crato por mais de quarenta
anos. Ele incentivaria o surgimento de outras como “Operários do Samba”( Pinto
Madeira), “Idealistas do Samba” ( Seminário) , “Espalha Brasa” ( São Miguel) e “Unidos de São Sebastião” ( Caixa D´Água),
“Unidos de São Miguel”, “Unidos de São José”, “Prova de Fogo”( Seminário), “
Acadêmicos da Vilalta”.
Vitorino e sua Escola de Samba - 2006
Os nossos Foliões mais
fervorosos
Muitos e muitos amantes do Carnaval
atapetaram a história da nossa cidade: Cleto Milfont, Valdir Silva, ( investiu-se de Rei Momo), Coló, Zeba ( Rei Momo por muitos anos) Almir
Carvalho, Cândido Figueiredo e, o mais
icônico de todos eles : Zé Maia. Ele
desfilava com sua impagável e eterna fantasia de arlequim, de maracá em punho,
e fazia-se o bloco de um homem só. Chegaria a comemorar cinquenta anos
contínuos de carnaval. A fantasia era exatamente a mesma, mas a cada ano ele
mandava fazer uma nova. Seria
imortalizado, depois, num frevo do nosso Abidoral Jamacaru que o identificou
como nosso Zé Pereira.
Zé
Maia em folia, de maracá em punho, já
idoso, nos anos 70
A partir da década
de 80, os festejos mominos em Crato começaram a perder força. O declínio
coincide com a nossa decadência político-econômica. Permanecem vivos, ainda
hoje, o Carnaval da Saudade e o Desfile
das Virgens. Este, iniciado nos anos 70, por estudantes, nos moldes do seu
similar olindense, ainda sacoleja a cidade na sexta-feira que antecede o sábado
gordo.
Bloco das Virgens nos
Anos 80
Lenços e Lanças
Uma das mais hilárias histórias envolvendo o
Carnaval em Crato, passou-se nos anos 70, quando o nosso Carnaval de rua e clubístico
se firmara como um dos mais animados do estado. À época, o Lança-Perfume ( e
seus congêneres genéricos como a Loló) de antigo odorizador de ambientes, já se tornara totalmente ilegal, passara a
ser usado como inebriante junto com o whisky ou inalado. A polícia, em plena
Ditadura Militar, estava marcando cerrado os infratores. Coincidentemente, a
mais popular fórmula era importada,
sorrateiramente da Argentina e trazia a marca, significativa de : Universitário. Um dos nossos foliões, em
pleno Crato Tênis Clube, entrou no banheiro para dar umas aspiradas, uma vez
que do lado de fora a polícia estava de olho vivíssimo à espreita dos
cafungadores. Após embeber o lenço e ouvir os sininhos do Natal, nosso folião
resolveu voltar ao salão para aproveitar o efeito efêmero do cheirinho. À
porta, no entanto, a PM o aguardava e ele foi denunciado pelos olhos a meio pau
e pelo cheiro indefectível do Universitário.
O soldado, então, gritou do alto da sua autoridade:
--- Cadê o Lança ?
Nosso
folião, ainda sob os eflúvios etéreos do cloretil, imaginou que devia ser
alguém solicitando também uma talagada. Aí estendeu a mão e exigiu o depósito
adequado ao solicitante:
--- Cadê o Lenço ?
Crato, 23/03/2017
Referências
LUIZ ,
André. Almanaque do Carnaval. Jorge
Zahar Editor Ltda. Rio de Janeiro : 2008.
COSTA,
Haroldo. Carnaval: dos ticumbis,
cucumbis, entrudo e sociedade carnavalesca aos dias atuais. E-book de Domínio Público.
NETO, Lira. Uma História do Samba Vol. I. Companhia
das Letras. São Paulo : 2017.
PINHEIRO,
Irineu. Efemérides do Cariri.
Imprensa Universitária do Ceará. Fortaleza : 1962.
PINTO,
Tales dos Santos. História do carnaval e
suas origens. Brasil
Escola. Disponível em
<http://brasilescola.uol.com.br/carnaval/historia-do-carnaval.htm>. Acesso
em 13 de marco de 2017.
Jornais
Pesquisados
Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional :
“O
Araripe”, “Pedro II”, “Jornal de Fortaleza”.
Hemeroteca
do instituto Cultural do Cariri
“Correio
do Cariry”, “Gazeta de Notícias”, “Sul do Ceará”
Entrevistados :
Huberto
Cabral, Abidoral Jamacaru, Socorro Maia, Joelma Batista.