terça-feira, 19 de setembro de 2017

Back to Past

Nos filmes de ficção científica, vez por outra, se constroem máquinas com capacidade de retroceder a um passado distante. Giram-se botões luminosos e, subitamente, o caboclo se vê abduzido e jogado no meio da Batalha de Waterloo ou na construção de uma pirâmide na quinta dinastia egípcia. Em meio ao script  já preparado, o personagem futurístico tentará mudar o curso da história, com consequências imprevisíveis no futuro já estabelecido. Apetecem-nos sempre estes roteiros imaginários, ao revés dos livros oficiais. Que seria da humanidade hoje, se nas suas viagens ao passado, Cristo fosse salvo da cruz; Aníbal  conquistasse Roma ou Hitler vencesse em Stalingrado ?
                                   O Brasil atual, amigos, cabe num filme ficção científica. Há um ano resolvemos mexer numa máquina perigosa, apertando botões esdrúxulos, ao arrepio da Democracia. Desde então fomos arremetidos à Idade Média. Vejam as manchetes atuais e prestem  atenção: aparentemente o cenário é moderno, mas o roteiro digno da Idade das Trevas. Campanha de moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro, impelida pelas Redes Sociais, incentiva a população a não dar esmolas aos mendigos e promete empreender “gritarias” com quem for flagrado em atos caritativos pois isto incentiva a permanência deles na rua e prejudica, certamente, o Turismo. Dória, prefeito da maior cidade do país, invadiu a Cracolândia,  expulsando os toxicômanos com medidas higienistas, tratando-os não como pacientes, mas como criminosos. Volta à Câmara dos Deputados a PL 4931/2016  que estabelece autorização a profissionais de saúde mental a proceder à chamada “Cura Gay” , tornando patológica a Orientação Sexual e taxando, claramente, o homossexualismo e suas variações como doença.
 Em Porto Alegre, por esses dias, o Santander Cultural suspendeu a exposição de artes:  “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira“, por pressão de grupos de ultradireita e, pasmem , decisão judicial,  sob pretexto de pornografia. O MASP , mais importante museu de arte do Brasil, nestes dias, cobriu as obras de nus  da exposição : "Pedro Correia de Araújo: Erótica" com um pano preto, temendo, certamente, represárias por grupos ultrarradicais. Recentemente, o juiz José Eugênio Amaral de Souza Neto, em São Paulo, liberou um homem que havia assediado uma passageira num ônibus e ejaculado sobre ela, entendendo não ter havido violência, constrangimento ou grave ameaça à vítima. Em Guarulhos , São Paulo, um outro juiz entendeu que um homem bater na filha de 13 anos com um fio elétrico porque ela perdeu a virgindade com o namorado é "mero exercício do direito de correção" e  absolveu o pai da acusação de lesão corporal. Em manifestações contra a corrupção nas ruas, grupos direitistas pedem o retorno da Ditadura Militar e o “cantor” Zezé de Camargo informa, do alto do seu conhecimento dos livros de história, que no Brasil nunca houve ditadura militar, apenas num “militarismo vigiado”. Em troca de apoio ao desgoverno atual, a bancada ruralista tem usado como moeda de troca um ataque estruturado contra os povos indígenas e suas terras. Afrodescendentes sofrem preconceito aberto e declarado nas Redes Sociais e nas suas relações mais corriqueiras, pobres vêm todos os dias esvaírem-se seus direitos trabalhistas. Na Baixada Fluminense, traficantes, envolvidos com pastores evangélicos, obrigaram a pais de santo destruírem seus próprios terreiros e a profanarem suas imagens religiosas. Ainda nestes dias, o General Antonio Hamilton Mourão sugeriu a necessidade de intervenção militar no Brasil com fins de resolver o problema da corrupção, sem que o desgoverno instalado no Planalto tivesse dado um pio sequer.
                                   Nas películas de ficção, ao menos, existe sempre a possibilidade, no finalzinho, do fluxo da máquina se reverter e o viajante voltar à modernidade. No  nosso filme pessoal , um misto de sci-fiction e terror, a saída não é tão evidente. Quem poderia mover a alavanca de retorno ? O judiciário que chancelou o “golpe” , desacreditado, sem mais nenhum decoro na sua parcialidade, com indícios fortes de envolvimento no nosso retorno às trevas? Do outro lado, o povo, desiludido, eterna massa de manobra,  e que ao invés de uma esperada crise convulsiva tem apresentado preocupantes crises de ausência. A máquina parece que emperrou , definitivamente, no Século XIII , preparem-se para a Inquisição e a Peste Negra !   O mecânico que vem sendo chamado para consertá-la é cego, mudo, surdo e tem graves problemas de saúde mental.  A plateia assiste calada ao desfecho inevitável da sua própria tragédia.  The End !

Crato, 19/09/17