sexta-feira, 17 de junho de 2022

Bruno & Philips

 


“A nossa geração tem que escolher

o que ela valoriza mais: lucros de curto prazo

ou habitabilidade de longo

prazo no nosso lar planetário”

Carl Sagan

 

                               A chacina de Dom Phillips e Bruno Pereira  foi a crônica de uma morte anunciada, como poderia escrever nosso Gabriel Garcia Marques. A nenhum de nós restava dúvida do fim triste e certo. Esse pareceu sempre  o destino previsível dos ambientalistas brasileiros: Chico Mendes(1988), Dorothy Stang(2005), José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo (2011), Maciel Pereira dos Santos(2019), Márcia e Joanes Nunes Lisboa( 2022). Lembra um amigo que se escarafuncharmos a Internet, constataremos que há uma infinidade de outros casos semelhantes na América Latina, de 2016 para cá, parecendo até uma coisa bem coordenada. Pensar diferente, agir fora da curva do pensamento paralítico dominante, aqui , traz consigo, sempre, o risco de morte súbita e violenta. Entre os ambientalistas acresce o perigo, pois seu trabalho, em geral, é um embate desenfreado contra o mercado e as vorazes estruturas econômicas  predadoras vigentes.

                               Há uma diferença significativa, no entanto, nos massacres anteriores com as que aconteceram com Bruno e Phillips. Desta vez, o ocorrido tem , aparentemente, a chancela do estado brasileiro. Faz parte da sequência lógica de um Programa danoso de Governo: deixar na inanição órgãos fiscalizadores; mexer da legislação facilitando o garimpo ilegal, a grilagem, as queimadas; tomar as terras indígenas e facilitar o encontro precoce da população índia com Tupã; fechar os olhos para o crime organizado e o ataque aos povos originários. Desde o primeiro momento, o governo brasileiro cuidou em pôr a culpa do ato criminoso nas próprias vítimas: eles eram malvistos, saíram em excursão por conta própria, aquela região é muito violenta... e por aí vai. Manteve-se o governo federal numa apatia intencional, como se o desaparecimento fosse esperado e mais, desejado. O imobilismo só acabou quando a repercussão mundial tomou de assalto a imprensa e começou a pressão externa por apuração e por respostas. O Brasil que já se tinha tornado um pária diplomático, de repente, viu-se acossado e , depois de dez dias, por fim, tivemos parte das respostas. Como sempre, estão nas grades alguns dos  executores da tragédia, continuam soltos, os mandantes. Ridículo assistir ao mandatário maior do país dando pêsames aos parentes das vítimas sem, nem conseguir esconder a carona de parabéns.

                               Por outro lado, a mobilização internacional aconteceu, justamente, pela presença do jornalista britânico Dom Philips, do The Guardian. Se apenas o nosso Bruno Pereira estivesse na fatídica viagem pelo Vale do  Javari, o desaparecimento seria apenas um BO de somenos importância e a conclusão final, talvez seria que tinha sido abduzido por marcianos.

                               O atual governo tem chancelado ações e programas dignos de um III Reich: genocídio na Pandemia com negacionismo e falta de compra de vacinas, com quase 700.000 baixas; índices recordes de queimadas na Amazônia; incursões policiais criminosas em favelas e morros Brasil afora; apoio incondicional a milícias no Rio de Janeiro; liberação de porte de armas para a população civil; 30 milhões de brasileiros, passando fome, 110 milhões em insegurança alimentar, 200.000 morando na rua.  E seguidas ameaças à Democracia, armando golpe na surdina, temendo o resultado das urnas que , por pesquisas, lhe parecem totalmente desfavoráveis.

                               Dom Philips e Bruno Pereira deram a vida,  pensando num futuro mais respirável e promissor para a humanidade. Que seus assassinos paguem pelo hediondo crime cometido! Que os mandantes sejam identificados, aqueles que manobram as cordas toscas das marionetes, untadas de sangue e de ódio, e que paguem por suas ações. E que os brasileiros entendam que para coibir ilegalidades atrozes como as cometidas, é preciso fechar as comportas que as alimentam: as forças poderosas escondidas nas sombras dos palácios e gabinetes, que não têm rostos, mas têm nomes. Para afugentá-los, assim como acontece com os vampiros, basta jogar a luz sobre eles e usar um repelente poderoso que tem o nome de voto.

Crato, 17/06/2022   

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Pobre Brasil !

 



“Existe uma miséria maior que morrer de fome no deserto;

é não ter o que comer na terra de Canaã.”

José Américo de Almeida

 

                                  Pois é, amigos, um dia chegamos a imaginar que as cenas de miséria, de fome e de morte tinham ficado guardadas nos romances dos anos 30, aqui no Brasil:  O Quinze, Vidas Secas, Fogo Morto. Entidades que combatiam a Desnutrição Infantil, simplesmente tinham saído de foco. Parecia coisa de um passado tenebroso, de um período pré-histórico. Em 2014, tínhamos saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Aos poucos, porém, começou o retrocesso: Tudo como dantes, no quartel dos bolsonantes ! Em 2020, mais de 55% de brasileiros viviam, novamente, em insegurança alimentar, mais da metade da nossa população não sabe, de manhanzinha, o que vai comer no almoço e na janta. Dados do IBGE recentes mostram que , no ano passado, 106 milhões de brasileiros, quase metade da nossa população, sobreviveu com menos de 14 reais por dia. Este valor, imaginem vocês, é quase 8% menor do valor que tínhamos em 2012, onze anos atrás. No Nordeste, a coisa é ainda mais crítica: 50% da população mais pobre sobreviveu  com pouco mais de oito reais por dia. A Desigualdade Social aumentou em todas as regiões do país.  Estatísticas recentes apontam que , atualmente , 33 milhões de brasileiros passam fome e 220 mil moravam na rua em 2020.

                            Por outro lado, o Brasil é o quarto maior produtor de grãos do mundo. A safra estimada de 2021 foi de mais de 270 milhões de toneladas. Somos o maior exportador mundial de grãos em valor. Somos, também, o segundo maior produtor de carne do mundo, com um rebanho estimado em 250 milhões de cabeças. Quanto à carne de frango produzimos em 2021 mais de 10 milhões de toneladas, nos tornamos também o segundo maior produtor do planeta. Para que,  mesmo ?  

                            Enquanto isso, brasileiros morrem de fome pelas esquinas do país. Durante a pandemia, uma grande onda de solidariedade tomou de conta da população, aos poucos, no entanto, a fome, a morte, a inanição vão sempre caindo numa terrível normalidade. Que diabos de nação foi essa que tentamos construir ? Nossa história, basta reparar direitinho, foi erguida por cima de um amontoado de corpos. Dizimamos os indígenas e o continuamos a fazer; torturamos e matamos, sem pena, os escravizados. Abandonamo-los , depois da libertação, à própria sorte. Assassinamos, sem qualquer remorso, aqueles que tentaram resistir, como  em Canudos e no Caldeirão. As favelas, as encostas são os novos quilombos. Os pobres e os negros são animais de caça.

                   Não somos, infelizmente, um país. Somos um aglomerado disforme de vidas. E mais, o maior país católico do mundo, não é Cristão, na verdadeira acepção da palavra.  Como disse Lima Barreto, não temos povo, temos plateia. A Desigualdade é nossa Constituição há mais de quinhentos anos. Um país tão rico e próspero , mas como é  pobre  o Brasil !

Crato, 10 de Junho de 2022