sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Quirinos


“ Porque eu vim pôr em dissensão
o homem contra seu pai, a filha
contra sua mãe, e a nora contra sua
sogra; e assim os inimigos do homem
serão os da sua própria casa.”
Matheus 10:35-36





--- Padre Quirino foi arrastado para o hospício!
Esta notícia estapafúrdia ecoou na praça principal de Matozinho e, como um eco, reverberou por toda a cidade. Difícil acreditar numa loucura daquele tamanho. A reação da mor parte das pessoas era de total incredulidade , só podia ser mais uma fofoca de D. Filó, injetando veneno mundo a fora como uma cascavel de quinze guizos! Aos poucos, no entanto, as diversas versões da história foram confluindo para um ponto comum e -- aparadas as rebarbas e os penduricalhos acrescentados, de língua a língua -- , a notícia, infelizmente, procedia. Há de se convir que , na verdade, parecia muito improvável o ocorrido. Primeiro pela personagem ímpar que era o Padre Quirino, uma figura séria, compenetrada e que, a maior parte da vida, sempre fora mais cérebro que coração. Depois, pela fonte original, bem pouco fidedigna: Fubuia. Ele havia sido a única testemunha do fato ocorrido. Buscando, madrugada a dentro, uma bodega renitente que ainda lhe desse abrigo, testemunhara o fato: o padre retirado à força da casa Paroquial, enfronhado numa camisa de força, sendo arrastado para dentro de uma ambulância, por vários homens : alguns vestidos de branco e outros metidos numas batinas pretas. Confirmada a aparente história fantasiosa de Fubuia, a Vila caiu numa consternação profunda. Haviam aprendido a amar os dois padres Quirinos que viveram em Matozinho. Dois Quirinos? Que história mais atrapalhada é essa? Bem, paciência, vamos explicar detalhadamente, antes que vocês resolvam também meter este escritor no mesmo manicômio.
Pasmem leitores! Apesar do nome esdrúxulo , Matozinho conheceu dois padres Quirinos. Por incrível que possa parecer, para embananar ainda mais a história, estes dois quirinos eram, na verdade, uma só pessoa. Sei que parece coisa da Santíssima Trindade, mas vamos esclarecer definitivamente as coisas. Uns quinze anos antes do fato , o triste desenlace testemunhado por Fubuia, chega a Matozinho o Padre Quirino , recém ordenado e assumiu o cargo de pároco da cidade. Sério, rabugento, o pastor controlava seu rebanho com mão de ferro. Apesar da pouca idade, formara-se à luz da igreja alemã. Impingia penitências homéricas aos confidentes, não dava comunhão a mulheres vestidas de calça comprida ou com decotes e aos amancebados; enxotava meninos danados da igreja como se fossem vendilhões do templo. Nos sermões, pregava contra a ameaça do comunismo, do protestantismo, contra o uso de camisinhas, pílulas. Tinha , por outro lado, uma opção toda especial pelos ricos. As más línguas já haviam observado as diferenças marcantes das exéquias nos enterros de abastados e miseráveis. Segundo D. Filó, no batizado do neto do Cel Sinfrônio Arnaud, Quirino demorou tanto nas orações que quando banhou o menino já estava no tempo de crismá-lo. Politiqueiro, uniu-se ao prefeito Sinderval Bandalheira e , no período eleitoral, subia no palanque e transformava seus sermões em comícios pró-Bandalheira. Quirino cobrava ainda o dízimo dos fiéis e atrelava os serviços da paróquia à adimplência dizimal. Casamentos, missas, batizados, crisma, encomendações só para quem estivesse em dia . A paróquia parecia até um Plano de Saúde. O certo é que Quirino progrediu, contavam-se muitas fazendas já no seu nome, carro novo e várias casas alugadas na rua , pelo sacristão, comentavam serem suas. Boca-torta, o acólito, era apenas um laranja. Quirino tinha enorme prestígio junto ao bispado e à Cúria da capital. Durante dois anos, inclusive, foi enviado a Roma com fins de estudar Direito Canônico, havia propaladas histórias de que futuramente seria bispo. Durante a Ditadura Militar, Quirino fizera-se um grande informante da polícia e havia dedurado muitos estudantes, inclusive tendo sido o responsável direto pela prisão de Toinho Araguaia, um professor de história que perseguido escondeu-se na Casa de um tio em Matozinho, tenho ficado entocado até que a notícia chegou aos ouvidos de Quirino, durante a confissão de uma beata.
Os matozenses terminaram se acostumando com a fleugma quase britânica de Quirino e aprenderam a amá-lo , mesmo percebendo que no evangelho do nosso pároco, havia sido feita uma pequena correção : era mais fácil uma agulha entrar no fundo de um camelo do que um rico entrar no céu. Tanto que toda Matozinho se preocupou muito quando soube do acidente ocorrido com Quirino, quando seu carro sobrou numa curva, próximo à capital. Foram mais de três meses de orações pelo restabelecimento do padre que passara mais de um mês , em coma, na UTI . A vila só respirou aliviada quando soube que Quirino, uns seis meses depois do capotamento, estava voltando à sua paróquia.
Matozinho recebeu-o em festa, com retreta de banda cabaçal e salva de fogos de Juvenal fogueteiro. Só passada uma semana é que descobriu a verdade: o pároco era novo, se tratava do mesmo, mas de um outro : o segundo Quirino. A pancada no toitiço mudara o homem. Chegou bem mais liberal. Acabou com as restrições às vestimentas das mulheres e às brincadeiras dos meninos na missa. Passou a combater, abertamente, os maus políticos e a denunciá-los no púlpito. Nos sermões, pregava a igualdade entre os homens e que havendo amor, tudo era permitido. Casar mais de uma vez , por que não? Deus não haveria de desejar a infelicidade eterna de ninguém. Casar pessoas do mesmo sexo? Por que não? O amor é que importa, dizia ele, todos fomos feitos à imagem e semelhança do Criador e o amor pleno não tem limites , nem fronteiras de qualquer tipo. Os casais deviam determinar eles próprios o número suficiente de filhos para criá-los dignamente, assegurava. Passou, também, a viver, abertamente, com uma religiosa: Irmã Jovelina. O celibato era contra a natureza de Deus, ele dizia, apenas uma invenção para manter o patrimônio da Igreja. Se Deus quisesse o homem sozinho não teria extirpado aquela abençoada costela de Adão. Buscou ainda uma grande aproximação com outras igrejas da Vila, principalmente os kardecistas, a umbanda, os evangélicos. Quirino falava que todos trilhavam caminhos diferentes, a procura do mesmo objetivo e que, portanto, tinham que ter uma convivência fraterna . Quirino II ensinava aos fiéis a se relacionarem diretamente com o Criador: Deus está em tudo , meus filhos, na montanha, na pedra, no rio, na árvore, em vocês próprios, em tudo existe um templo montado para a celebração e adoração do divino. Ninguém precisa de intermediários! Quirino doou todos os seus bens aos pobres e miseráveis e citava Matheus : “ Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre, em vossos cintos; nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de alparcas, nem de bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento.”
Consta que após a brusca transformação em de Quirino II , a Diocese mandou alguns padres para investigar a sua estranha conduta. Os matozenses, se aprenderam a amar o Quirino I, passaram à adoração ao Quirino II. Ainda hoje lembram quando em pleno sermão da Missa do Galo, ele prometeu que na semana seguinte iria ao Cartório passar um imenso terreno da sua igreja para o assentamento de mais de cem famílias da Serra da Jurumenha. Elas viviam como posseiros, miseravelmente. Dois dias depois, coincidentemente, Fubuia, testemunhou quando o arrastaram para o manicômio, sob a justificativa de que endoidara de vez.
O certo é que não mais se teve notícia do Padre Quirino. Alguns dizem que ainda se encontra interno num manicômio da capital; outros sustentam que não resistiu ao tratamento e já deixou o mundo dos vivos. Fubuia , no entanto, mantém sua própria versão. Naquele dia mesmo, uma luz fortíssima envolveu toda a ambulância, na saída da cidade e Padre Quirino , como Elias, alçou vôo aos céus, numa grande carruagem de fogo.


29/01/10

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Em briga de pedra...


Ínvias e tortuosas as veredas do coração. Pascal já se adiantara sobre a relatividade do bom senso e da razão quando diante da imprevisibilidade do sentimento. Entre a sístole e a diástole coexiste todo um universo de percepções desfocadas, como se a realidade sofresse um fenômeno de refração. Talvez tenha sido uma dessas pegadinhas do evolucionismo a cegueira temporária, a loucura transitória, a lombra pontual causadas pelos enlevos da paixão. Defeitos terríveis tornam-se invisíveis, feiúras aterradoras se banham de uma beleza inexplicável , burrices se travestem de ares de inteligência e até a liseira ganha ares de charme e desprendimento. Tentar acordar alguém encantado pelas setas do Cupido é tarefa inglória e perigosa, como se buscássemos despertar a pessoa de um sonho dourado e encantador. Vá lá que é sonho, mas quem diabos prefere a chatice da vigília de todas as horas? Pois aqui vou contar algumas dessas histórias de quem mete os pés pelas mãos e chega carregado de bom senso no terreno pantanoso dos sentimentos, querendo sacolejar e despertar amantes do seu doce e inebriante lombra.
Anos atrás, um querido tio, olhava atravessado para o namoro de um primo. O rapaz se enrabichara de uma coroa meio fuçada e pobre e que ainda carregava do lado o pai velho e cego. O namoro já se arrastava por quase uma década e se prenunciava acabar da pior maneira possível : no altar. Bem, um belo dia correu a notícia que tinham terminado tudo, depois de uma briga de somenos importância. Meu tio se apressou em procurar o primo e abraçá-lo, cumprimentando-o pelo desenlace.
---Parabéns! Finalmente você se livrou daquela coroa enfadada e lisa e , pior, falada na praça , mais rodada que o carrossel do Parque Maia. Não bastasse isso, levava ainda do lado um velho pobre e cego.
Dias depois, para sua surpresa, passa o casal abraçado, do outro lado da calçada. O tio, surpreso, pergunta aos amigos: Oxente, eles voltaram o namoro? Qual não foi o desespero quando ouviu deles a verdade impactante : --- Não , casaram ontem! E aí, como tomar chegada agora , depois das admoestações inconseqüentes?
Outra. Zé Barbosa era casado com Minervina há já uns trinta anos. Trabalhava como um touro no roçado e, como ninguém é de ferro, era chegado a uma caninha nas horas vagas. Num desses dias de feira em Matozinho, voltou a casa mais cheio dos paus que caixa de fósforo. Recolheu-se ao quarto com Minervina e , bêbado como uma cabaça, começou a atacar a esposa, todo infuluído como um garanhão no cio. Minervina o refutava certa do trabalho que teria em realizar o milagre do levantamento de membro anestesiado. Sai Zé! me deixa Zé! O diabo é que casa de pobre não tem lá toda esta privacidade. Paredes baixas e a meio pau, portas finas e semi-abertas. Na sala ao lado, o filho adolescente do casal, Laurentino, ouvia toda a pendenga e começou a se inquietar com o assédio despudorado de Barbosa à sua santa mãezinha. Lá pras tantas, em meio ao “Chega Miné!, Vem cá Minèzinha!” , ele não se agüentou e gritou a todos pulmões:
--- Ei pai, pára com isso ! O Senhor ta querendo é ofender mãe? É , seu tarado?
Laurentino, metia o bedelho em matéria melindrosa. Nem imaginou que estava tentando apagar o fogo que um dia tinha acendido a chama da sua vida.
E , para terminar, vou mandar uma outra história sobre a perigosa arte de meter a colher na sopa quente que envolve homem-mulher. Nos arredores de Matozinho morava Agripino , numa pequena fazenda da sua propriedade. Dessas em que , ano a ano, as roças são tão pequenas que anum atravessa de um só vôo. Casado já quase em bodas de ouro com D. Quitéria, tiveram uma récua de filhos que foram ganhando o mundo e , agora, só restava Isabel com eles, a caçula. A mocinha vinha namorando há uns três anos com Jaime, um gari, funcionário da prefeitura. Agripino começou a se inquietar com o comprimento do namoro e, um dia, colocou o genro na parede, no famoso “é-pra-casar-ou-pra que-é”. Jaime explicou que tinha a melhor das intenções, mas que ainda estava construindo a casinha de morada e , por isso mesmo, ainda não a levara ao altar. O velho, então, do alto da sua experiência, fechou o firo. Ele poderia muito bem marcar o casamento e vir morar, por enquanto, com ele e Quitéria, já que a casa tinha mais de um quarto vazio. Seria até bom para eles que assim teriam alguma companhia por mais algum tempo. As intenções de Jaime para Isabel , de fato, eram as melhores, tanto que o noivo aceitou de bom grado o convite e, dois meses depois, subiram ao altar. Terminada a festinha, Jaime e Isabel se recolheram para a esperada noite de núpcias que naquele tempo ( vejam que coisa mais esquisita) acontecia depois do casamento. Existe coisa mais retrô ? Pois bem, passados alguns minutos, os gemidos de Isabel começaram a ecoar mais forte e se faziam totalmente audíveis através das meias paredes dos quartos. Agripino e Quitéria tentaram conciliar o sono, mas como? Era um ai-ui-ui danado vindo do quarto ao lado , parecia que a lua de mel era de um casal de gatos em cima do telhado. O pai, então, ciente que não conseguiria dormir, resolveu utilizar sua autoridade e acabar, de vez, com a histeria da filha. Levantou-se, dirigiu-se até a porta do quarto ao lado e falou grosso para Isabel:
--- Menina! Que latonia miserável é essa! Se não podia com o pote pra que pegou na rodilha! Acabe com essa besteira, esse ui-ui-ui e resolva logo isso de vez, Zabé!
Lá de dentro, em meio aos soluços e as lágrimas , ouviu uma voz baixinha e chorosa:
--- É... de longe é fácil... num é no cu de pai...!
Como bem dizia D. Quitéria, no dia seguinte, comentando a sinuca de bico de Agripino: Em briga de pedra, garrafa não entra !




21/01/10

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Fechado para balanço


Viramos a página de mais uma década. E lá vem aquela fissura danada de se levar tudo à balança, de se esticar a trena, de revolver as gavetas e as estantes e proceder ao balanço geral da firma. Como se a vida da gente fosse uma loja de varejo qualquer, dessas que vendem quinquilharias a preço de um real. Entendo, como Einstein, a relatividade do espaço e do tempo, principalmente em se tratando da nossa delicada física interior. A existência humana é tão complexa que se faz impossível resumi-la numa mera planilha do Excel. Mas resistir quem há-de? Mal percebemos e já o primeiro capítulo desse Século XIX se fecha. Passou em brancas nuvens? Em plácido repouso adormeceu ? Sei que os sinais vitais de uma nação se aferem pela Cultura. Olho para toda uma geração de artistas caririenses e me pergunto: Estamos vivos depois da morte de todos os dias? O pulso ainda pulsa? O coração do Cariri bate ou apanha? Comemos a papa ou continuamos como uma papa em estado de coma? Pois bem, lá vai a opinião de um curioso, um sujeito que tem uma convivência tão próxima com a área artística que, tantas vezes, como a lua, rouba um pouco o brilho dos outros e o reflete como se próprio o fora.
Nestes dez anos produzimos como nunca. Lançaram discos : Abidoral ( “ Bárbara”); Salatiel ( “Contemporâneo”); Pachelly (“Com a palavra as músicas”); Cleivan Paiva; Nacacunda; Zabumbeiros do Cariri; Dr Raiz; Júnior Boca( “Calendário”); Di Freitas; Dihelson Mendonça, Zé Newton Figueiredo ( “De Onde eu Olho” e “A Contrapelo”); Os Irmãos Aniceto; Raniério; Flávio Leandro,;Mané D´Jardim; Lifanco; “Leninha”; D. Augusta Esmeraldo; Munir Chaves; “A Família Linard”; “Os Herdeiros do Rei”;Lúcio Ricardo; Célia Dias; João Nicodemos. Isto apenas para citar alguns. Em literatura, por outro lado, também tivemos um volume de publicação inédito e não há condições de citar todos: Roberto Jamacaru , Émerson Monteiro, Olival Honor, Dr. Raimundo Borges, Dr. Napoleão Tavares, Heitor/Telma Brito, Jurandyr Temóteo, Osvaldo Alves, José do Vale Feitosa, Lupeu, Marcos Leonel, Batista de Lima, Francisco Pedro Oliveira,Valdemar Arraes, João Matias, Raimundo Araújo, Hilário Lucetti e Magérbio Lucena, José Gil, Patativa, Pedro Ernesto, Francisco Salatiel, Padre Ágio, Carlos Eduardo Esmeraldo, José Flávio Vieira, Roberto Marques, José Newton Figueiredo e muitos, muitos outros que não cabem nesse espaço, mas não são menos importantes. A literatura caririense ganhou inclusive , ano passado, o maior prêmio literário do país , com seu escritor Ronaldo Correia de Brito e o romance “Galiléia”. Tivemos, ainda a reedição de um clássico do nosso João Brígido ( “Apontamentos para História do Cariri”) , e de Irineu Pinheiro ( “O Cariri”) pela Fundação Waldemar Alcântara, este último. O cinema nos trouxe ainda Rosemberg e Petrus Cariry, Glauco Vieira, Bola, Hermano Penna e Luiz Carlos Salatiel que continuaram um trabalho profícuo e premiado. A onda auspiciosa não foi diferente nas artes plásticas e na fotografia. E ainda , entre nós, abriu-se a importante janela da Internet, com inúmeros blogs que , numa imensa praça virtual, reúne os mais diversas cabeças caririenses.
Não bastasse tudo isso, vimos parcialmente erguido o nosso Teatro Municipal , a construção do Espaço Cultural da REFESA e a inauguração do Centro Cultural Banco do Nordeste. A TV chegou no Cariri e com programação local! As Mostras de Cultura do SESC injetaram alma nova no nosso cenário e começamos a ver um reflorescer das artes cênicas na nossa região, como não se via desde os anos 50. Temos , hoje, dramaturgos promissores, atores muito talentosos e diretores em franca formação e ascensão. Sem falar no retorno dos Festivais da Canção do Cariri ,que mesmo reacendendo uma chama já um pouco arrefecida e em desuso, terminou mexendo e agitando a galera de todas as idades. A Cultura Popular, também, abriu importantes frestas , conseguiu um apoio estatal bem mais sólido, uma reaproximação visível com a Escola, principalmente depois da regência da Dra. Cláudia Leitão. Acredito, também, que os Editais , surgidos nessa década ,democratizaram de alguma forma as verbas historicamente destinadas à Cultura, embora ainda exista um longo caminho a ser trilhado.
Não consigo, assim, ser tão pessimista com a primeira década deste Século XXI. Andamos ! Se não muito, talvez porque nos faltasse muita força nos pés ou não nos foi dado um amparo maior. Faltou a muleta que nos ajuda a dar os primeiros passos, mas que , também, muitas vezes, nos faz esquecer que já temos asas suficientes para dispensá-la.
E o que se esperaria para esta década que se inicia? Todos têm lá suas aspirações , pois aqui vão algumas das minhas. Os municípios terão uma política cultural definida e sustentável , inclusive contemplando toda a região . As Secretarias de Cultura implementarão seus próprios Editais com fito de democratizar o acesso às verbas de forma mais técnica. A Escola e a Universidade fitarão o próprio umbigo e descobrirão a Cultura Universal a partir da regional e não o inverso, como antigamente vinha ocorrendo. Nossas rádios e TV´s tocarão os artistas e compositores caririenses e eles não mais serão denominados de “artistas da terra” como se minhocas fossem. Reeditaremos nossos clássicos, hoje totalmente esgotados : “Efemérides do Cariri”, os incontáveis de J. de Figueiredo, Zuza da Botica, Quixadá Felício, Padre Antonio Gomes. Publicaremos uma Edição Fac-Similar completa do Jornal “O Araripe” e um CD-ROM para consulta. Enfeixaremos nossas fotos antigas em um CD-ROM, com a história fotográfica comentada da cidade. A Coleção completa da Revista Itaytera será disponibilizada na Internet para acesso fácil por quem assim o desejar. O Crato organizará uma Bienal do Livro. Nosso teatro municipal será, finalmente, inaugurado com som, cortina e iluminação e funcionará como Cine/Teatro e não como auditório. O intercâmbio dos artistas nacionais e regionais será de ida e volta. Abaixo o colonialismo rasteiro e institucional! A REFESA e o Cine/Teatro terão um calendário de eventos anual, englobando as mais diversas formas de arte. As Secretárias de Cultura trabalharão com projetos definidos e não com eventos esporádicos e aleatórios. E, mais: disponibilizarão departamentos técnicos para confeccionar projetos, junto com os diversos artistas da região ,com o intuito de os encaminharem para aprovação dos órgãos competentes. O Frevo “Viva Zé Maia” de Abidoral Jamacaru será o hino do Carnaval cratense que volta a ser o mais animado de todo Ceará. Nossa arte , por fim, terá visibilidade dentro da nossa própria terra e , assim, a refletiremos para todo o país . Sim, e a partir de hoje todos os sons dos carros endoidarão a platéia pela qualidade da música e não pelo volume. Quer mais um sonho ? Caboclo só vai ter coragem de ler livro de auto-ajuda à noite, na Baixa Rasa, no escuro de breu e de óculos escuros e Neguim só vai ouvir banda de forró , em cima da serra e de headfone, por causa do impacto ambiental! Tá bom ?


Crato, 07/01/10