quarta-feira, 4 de março de 2009

Passarim

Não carecia ciência de ornitólogo, quem dele se aproximasse perceberia imediatamente: não se tratava de um pássaro qualquer.Pequenino e sorrateiramente fosco, suas penas não se tingiam com o multicolorido dos sofreus, o bico minguado perdia facilmente, na força e na agudeza, para o da graúna, a cabeça não carregava cocares de galo campina e as asas, enganosamente, não tinham lá grande envergadura.Até uma das expressivas pupilas da ave parecia embaçada e imóvel e uma das patas( atingida por um dos bodoques do destino) já não conseguia agarrar o galho em feitio de visgo. Um pássaro não se faz de penas,de bicos, de asas e de cores ? O que havia de especial naquele ?Ah aquele pássaro era definitivamente único ! Não bastasse o canto mavioso que ecoava de dentro daquele peito frágil : Um canto que despertava a caatinga e fazia eclodir as flores do bugari! Um canto que, nascido em meio à fragilidade e à leveza , se amplificava , estranhamente, nos corações e mentes de todos aqueles a quem tocava ! Não bastasse tudo isso, aquele canto tinha o mágico poder de destruir as talas de todas as gaiolas do mundo.Quem o seu trinado tocasse, como num estralo de hipnotizador, despertaria para as injustiças e desigualdades da selva. Era como se musicalmente ensinasse : não importam as dimensões das asas, mas, sim, a ânsia de voar e que todos têm o direito divino de sorver das belezas da caatinga e do pomar; das lições da fome e da barriga cheia.
Era assim aquele pássaro. Os meninos logo aprenderam chamá-lo de Passarim .Nunca cobrou cachê quando seu canto embalava o mundo.Talvez , na sua profunda simplicidade, sentisse que o canto, em verdade, não lhe pertencia. A ave fazia-se, apenas, mero instrumento: quem dedilhava aquelas cordas e arrancava a música etérea eram as mãos de Deus.Possivelmente por isso mesmo, aos poucos, foi percebendo que sua música refletia-se nas serras, nas árvores, nos barrancos e escorria entre as águas dos rios e o fragor das cascatas : era já como se toda natureza cantasse!E já não se fazia necessários novos gorjeios, o mundo todo embebia-se de sua música que, como um eco, percorria campos e cidades.
Percebeu-se então, no enebriamento musical , que o mundo todo era sim uma grande gaiola e que o trinado do pássaro teve a força de destruir uma por uma as tariscas da imensa prisão. Já se podia ver a redoma do firmamento sem os limites das talas. O pássaro deu-se por satisfeito e voou em procura do infinito: morada de todos os pássaros e descanso de todos os poetas.O mundo nunca mais foi o mesmo depois que abriu os ouvidos e o coração para que por eles entrassem o doce , forte e libertador canto do PATATIVA.

04/03/09

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