sexta-feira, 6 de março de 2009

Drogas fumadas e vividas



“Droga é o que se vive e não o que se fuma”
( De um Grafitti em um muro de Sobral)

Mês passado o ministro da Saúde José Gomes Temporão teve a coragem de pôr em pauta um assunto polêmico que periodicamente assalta os salões midiáticos: A Descriminalização das Drogas no Brasil. A questão atinente à dependência química recurrentemente nos bate à porta : ela é um problemática mundial que se tem avolumado ano após ano e, até o momento, não se tem um caminho claro para contornar este obstáculo. Talvez, por isso mesmo, neguim apresenta em toda rodinha de bar uma solução fantástica e infalível : “ se eu fosse o Presidente da República, já tinha resolvido esse problema, eu fazia assim e assado e num instante não tinha mais drogado no país”. Claro que abordagens tão superficiais servem para aquecer o papo entre uma cerveja e outra , mas estão longe de acrescentarem muito numa discussão tão complexa. Como hoje é sábado, dia de se colocar conversa prá fora, lá vou eu novamente pôr um pouco da minha farinha neste pirão.
É preciso antes de tudo se entender que o contato do homem com as drogas data de eras imemoriais. O Rig Veda, livro sagrado dos Hindus, faz relato do uso da maconha já 1000 anos antes de Cristo. Devem ter começado com rituais ainda nas cavernas. Assim há que se entender que é praticamente uma utopia imaginar que um dia acabaremos no planeta com esta relação tão antiga e tão íntima. Do ponto de vista econômico, por outro lado, a batalha é hercúlea : as drogas, mundialmente, são a terceira maior fonte de renda ilegal ( perdem apenas para venda de armas e a pirataria). A ONU avalia que as drogas movimentam , na terra, 400 bilhões de dólares por ano e, pasmem, tem cerca de 200 milhões de consumidores e 2,5 milhões de dependentes. No Brasil se calcula que só a Favela da Rocinha no Rio de Janeiro movimenta com drogas em torno de R$ 30 milhões todo santo mês. E existe, hoje, uma certeza absoluta em todos os países: a repressão simples e pura que se vem fazendo , ao tráfico,a tantos e tantos anos, tem sido totalmente inócua, quando não incentivadora mais e mais desta atividade. Entre 1990 e 1994 os EUA gastaram mais de U$ 4 bilhões na repressão interna e externa ao tráfico e o resultado foi hilário. Em 1990 estimou-se que foram traficadas para os Estados Unidos 400 toneladas de Cocaína e, em 1994, após todo o árduo trabalho repressivo, calculou-se o tráfico em 700 toneladas. Em 10 anos os EUA torraram mais de 100 bilhões de dólares na repressão às drogas.
Reflitamos um pouco sobre a questão. A primeira pergunta básica, talvez seja : por que os homens precisam das drogas e por que elas aumentaram tanto em todo mundo depois dos anos 60 ? Reparem bem, tornamos o mundo chato demais, nos últimos tempos. Desencadeamos uma competição desenfreada, uma espécie de Maratona para o Abismo. Os humanos já não são indivíduos, mas soldados : “Ao Vencedor as Batatas” . De tanto trabalhar para sobreviver, falta-nos tempo para viver. Em tempos passados, buscávamos, em meio à finitude temida, uma experiência de transcendência com as drogas. Já hoje, não dá para agüentar a existência sem anestesia: ou álcool, ou fumo, ou cola, ou lexotan, ou cocaína, ou maconha ou seitas religiosas. Como pregava Maiakóvsky : ou morre-se de ópio ou de tédio. Assim, antes de pensar em suspender a anestesia do paciente que sofre, devemos procurar descobrir a patologia que lhe causa o sofrimento e tratar. Ninguém tem o direito de arrancar a lata de cola do menino de rua que a usa para passar a fome e o frio, se não temos um mundo melhor e mais justo para lhe pôr nas mãos, no lugar da latinha. A segunda questão que precisa ser lembrada é que a droga se tem a porta do inferno aberta para todos que a consomem, para se chegar nele, antes se passa pelo paraíso. Ela tem junto de si essa perfeita duplicidade e não adianta pregar apenas o seu lado perverso para os usuários. Vamos passar todos por retrógrados e caretas. Um outro ponto importante: o fumo e o álcool são também drogas perigosas e lícitas. O fumo mata setenta e cinco vezes mais do que qualquer outra droga e o álcool vinte e cinco. Não é só a overdose de cocaína ou heroína que mata, embora ela tenha muito mais espaço no noticiário. O traficante da favela , sabe-se, é um bandido perigosíssimo, mas ele só existe porque do outro lado da cidade, encontra o bacana que paga fortunas pela droga ilícita.
O mundo todo tem visões diversas no que tange à legalidade do consumo. Alguns tipos, como a maconha, são legalizadas na Holanda, na Suécia, na Suíça, na Espanha e em 11 Estados dos EUA. A Turquia pune com prisão perpétua e pena de morte. No Brasil o consumidor é apenado de 6 meses a 1 ano de prisão e o traficante de 3 a 15 anos. A lei brasileira é muito rigorosa, por diversas razões. Primeiro o consumidor é visto como um criminoso e não como um doente que necessita de tratamento. Depois, todas as drogas são colocadas em um mesmo patamar de risco, o que é um verdadeiro absurdo. Tanto faz o tráfico de “Lança Perfume” ou o de Cocaína, a penalidade é a mesma. Isso leva a que o tráfico, extremamente organizado, opte por traficar drogas mais pesadas e mais rentáveis.
Pois bem, tenho uma opinião bem formada sobre a questão. Valho-me do utilitarista Stuart-Mill(1806-1873) que rezava só existir uma razão para o estado criar uma lei: a de evitar que uma pessoa prejudicasse terceiros. Assim sou a favor da total autonomia do homem. Qualquer um tem o sagrado direito de fazer o que quiser da sua vida, até mesmo tirá-la, segundo seus individuais princípios e valores. O estado não tem nada a ver com isso e só poderia intervir para evitar prejuízos de terceiros. Assim, penso, que ninguém pode ser tolhido na usa liberdade individual: se quiser usar qualquer tipo de droga, lhe é um direito inalienável. Para mim, a ação do estado está restrita a tratar e ajudar a todos aqueles que queiram sair do vicío ( aí , sim, a droga passa ser uma problemática social) e a educar toda a população mostrando os riscos e os malefícios da toxicomania. Resta , talvez, ainda, a mais grave das questões: a droga na infância e adolescência. Aí, sim, a venda tem que ser encarada como tráfico e a repressão precisa ser utilizada de forma ampla e concentrada, além de extensos projetos educativos de prevenção. Imagino que assim teríamos muito mais condições de fixar as ações do estado em educação e saúde , melhorando a prevenção e o tratamento com centros especializados e, antes de tudo, minorando uma dos fatores mais alimentadores do tráfico: as desigualdades sociais.
E antes de tudo , precisamos lutar conjuntamente por um mundo melhor e mais respirável, para que a verdadeira droga a ser combatida seja a que se vive e não aquela que se fuma.

05/03/09

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