sexta-feira, 8 de abril de 2022

Como viver dentro dela, D. Brigitte ?

 


 

“Toda idade pode parecer

Linda, contanto que você

Viva dentro dela”

Brigitte Bardot

 

J. Flávio Vieira

 

                                Talvez  uma das artes mais difícieis seja a do envelhecimento. Como envelhecer, sem envilecer ?  Como conviver, num pacto ao menos amigável ,  com as incontáveis limitações que o diabo do tempo vai nos jogando no colo ? Da uva ao maracujá de gaveta, a estrada é longa e tortuosa. E, como numa casa velha de taipa que começa a pender, começamos a colocar escoras, a jogar outras demãos de tinta, a tentar melhorar o reboco, mesmo sabendo que há goteiras no teto, pucumãs na cozinha, infiltrações na parede... Como viver dentro dela, D. Brigitte ? E, por falar na nossa Bardot, deve admitir que existem lá suas vantagens de não ser uma deusa como ela foi. Ser feio como um cafimfim  tem também suas vantagens. Com o passar dos anos, o supapo não vai ser muito grande: você já era feio desde pitotinho, ninguém vai lá notar muita diferença ! E você pode até ganhar profissão nova: ser contratado para assombrar casa velha ou curar soluço de menino e, no Halloween, você  nem carece de gastar com a máscara.

                        Nestes dias,  tivemos a triste notícia de que Alan Delon, um dos mais importantes atores do cinema francês, hoje morando na Suiça, entrou com um processo na justiça  para fazer uma morte assistida. Lá, o procedimento é legal. Aos pacientes que se sintam em grande sofrimento, físico ou psíquico, a lei fornece uma medicação que o próprio padecente ingere para fazer a viagem derradeira, sem muitos catabis.  Aos 86 anos, o ator não tem nenhuma doença terminal. Teve, há alguns anos, dois AVC´s que certamente lhe limitaram as atividades cotidianas corriqueiras. Mas tem reclamado constantemente das agruras do inverno da existência: “Envelhecer é uma merda!”.  É possível entender seu desapontamento. Alan Delon foi um cabra bonito danado, charmoso, desses que não faltavam papéis no cinema e nem mulheres apaixonadas. Certamente, o reflexo no espelho de casa lhe foi terrível. Impossível reconhecer a decrepitude acentuada, a desfiguração, o arraso que o tempo lhe causou. Acrescente-se a tudo isso estas eras onde o culto à beleza é quase uma religião e a anulação total que se impinge às pessoas mais eradas, vistas como um estorvo, um peso, uns surripiadores das verbas da Previdência.

                        Alan Delon desistiu de viver. Claro que, a despeito de vinculações religiosas, cada um tem o direito de fazer o que quiser de sua jornada terrestre. Inclusive o sagrado direito de dizer: Já basta ! Tchau, queridos, foi bom ter conhecido vocês ! Pacientes terminais, sem qualquer possibilidade de recuperação, em que prolongar os dias representa apenas estender o sofrimento, desde que assim o desejem, em plena consciência, não me parece justo, nem cristão, sonegar-lhes o direito de estancar  seu padecer. Hoje, felizmente, existe toda uma área médica dedicada a este momento delicado: Medicina Paliativa. Há, no entanto, os muitos casos mais intermediários ou dúbios. Pessoas idosas que, abandonadas, não vêm perspectivas à sua frente. A solidão uma companheira cada vez mais frequente à medida que a areia escorre da ampulheta. A depressão que tem grassado nas almas com o avanço da idade. Se até Alan Delon desistiu de vez, que diabos ainda estamos fazendo aqui, podemos nos perguntar ! Como achar a beleza vivendo dentro de barreiras tão opressivas ?

                        A humanidade está trilhando os caminhos certos? A única oportunidade que resta aos que lutaram por toda sua vida para criar os filhos, orientá-los, pô-los no mundo , que trabalharam incessantemente para que seus descendentes vivessem em tempos melhores; a única oportunidade que lhes damos é a possibilidade de escolherem o veneno ideal ? Esta é uma pergunta que os idosos de hoje podem fazer à juventude , não esquecendo de ao ingerir o veneno ( o remédio único prescrito para a solidão dos anos) , deixar um restinho no copo, para facilitar o trabalho dos que estão vindo. Como dizia uma tia minha : “O tempo, meu filho, é socialista e igualitário : ele passa para todos !”

 

Crato, 08/04/2022

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