sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Corte & Costura

 


J. Flávio Vieira

 

A linha com que se bordam sonhos,

é a mesma com que costura a vida.

Edna Frigato

 

 

                               O Instituto Cultural do Cariri promoveu, no último dia 29 de setembro, o seu trigésimo quarto Colóquio. Desta feita esteve em evidência a criadora de moda Celinha Teles ou Celinha do Cariri como ficou conhecida , artisticamente, depois que se radicou em Olinda. Nem deve ter sentido muito falta do pé da serra, afinal todo cratense , culturalmente, é também meio pernambucano, seja por conta dos territórios fronteiriços , seja, principalmente,  por conta das nossos estreitos liames históricos e culturais. Celinha tornou-se uma referência em Olinda-Recife e vestiu incontáveis artistas pernambucanos. Foi casada com um dos maiores trombonistas da história do Jazz, Raul de Souza, que agora em junho, passou a fazer parte de uma jazz-band celestial. Na abertura do evento, o maestro pernambucano Nilsinho Amarante executou um lindo frevo que o Raul dedicou a sua amada Celinha do Cariri. O Colóquio foi também o momento mágico de reunir , mesmo que remotamente, incontáveis protagonistas de um dos períodos mais férteis e virais da história cultural do sul cearense: os Anos 70 que fizeram explodir, com ímpetos de Pedra da Batateira, o maior dilúvio contracultural da nossa trajetória.

                        Andei consultando jornais antigos em busca de relatos da atividade de Corte & Costura na nossa região. Sempre é bom lembrar que , em tempos da Colônia e do Império, o artesanato era visto como coisa de pobre. Nobre que era nobre não utilizava as mãos a não ser para contar dinheiro e pegar no garfo e na faca. E , quanto às mulheres, esta arte era considerada como imprescindível às prendas domésticas. Costureiras profissionais eram totalmente invisíveis. Encontrei, em 1860, no nosso primeiro jornal, “O Araripe”, uma publicidade do alfaiate Marcolino José Rufino, que era de Santa Maria da Boa Vista, mas estava oferecendo seu ofício, num casarão da Rua do Fogo aqui em Crato. Depois, no Jornal “Vanguarda”, já na década de 1870, o comerciante Antonio Gomes Petico, oferecia a venda de inúmeros itens da sua loja, também na Rua do Fogo, uma vez que estava de mudança para Pernambuco: Cambraia de linho; madrapolão, chitas, brilho de linho, alpaca; casemira; tiras bordadas; babadinhos brancos e de cores. Não encontrei qualquer citação de costureiras. Estranho,  quando entendemos que eram muitas que ofereciam seus serviços, principalmente à clientela feminina que, certamente, se sentia bem mais à vontade em procurá-las.

                        Em gerações anteriores, exigia-se das mulheres essa habilidade. Muitas, certamente, utilizaram sua arte profissionalmente, como meio de subsistência, principalmente viúvas que ficavam sem qualquer amparo previdenciário legal  e tinham que se virar bravamente para sustentar proles, em geral vultosas, parecendo mais um batalhão de caserna. Outras, no entanto, mais remediadas, desejavam ter sua própria renda, sem depender dos maridos.  Huberto Cabral, o nosso mais importante memorialista, levantou uma lista de muitas dessas costureiras esquecidas pelos cantos dos livros de história oficial. Pode parecer enfadonho, mas vamos citar aqui a relação esmiuçada por Cabral para que fique guardada nos escaninhos da nossa memória: Evangelina Gonçalves, Sofia Carvalho Alves de Sousa, Maildes Siqueira, Anita Rocha, Regina Brígido, Isaura Parente, Iraci Alencar Libório, Maria José Medeiros Ramos, Clea Alves de Souza Almeida, Isa Alves de Sousa Caçula, Salisa Alves de Sousa Freitas, Maria Luiza Barreto, Lourdes e Lolô Piancó, Ana Cecília França, Maria do Carmo Eufrázio Alencar, Mariquinha e Benvinda Milhomes, Anísia Araújo, Amelinha Peixoto, Nadeje Figueiredo, Maria Elisa Pinheiro, Nadeje Lins, Pedrina Leite, Maria Chicô, Maria do Carmo Brandão, Suzete Justino, Francisca Vilar, Leomar Vieira Borges, Cila Brito, Ercília Lins, Benilda Feitosa, Diana Parente A Norões, Candóia Feitosa, Mariquinha Marques, Norma Parente, Marieta Gomes de Matos, Niniva Oliveira, Cilene Oliveira Barros, Augusta Brito, Francilê Barros, Dagmar Araújo Filipona, Nilza e Mary Araújo,  Francisquinha Silva, Ducinha Silva, Otília Cardoso da Silva, Maria Iris, Lourdinha Costa, Djanira e Heroína  Linhares, Maroli Alencar, Maroli Figueiredo, Lezanira Cabral, Natividade Silva,  Naninha Parente, Edvirgens Ferreira Silva, Ana Paula Alves Cordeiro, Elenier Ferreira Silva, Celsa Morais, Maria Gomes, Rosalva Macedo, Mila Chagas, Vanda Pontes, Zuleica Pequeno de Figueiredo. Ufa ! E essa é apenas uma pequena relação , certamente com muitas faltas a serem preenchidas.

                        Como Celinha, todas estas abnegadas figuras humanas usaram sua arte para vestir e também desnudar , estrategicamente, outras mulheres, tornando-as mais finas , elegantes e sensuais. Todas artistas sensíveis , delicadas e dedicadas a mostrar a beleza do mundo, como se pintassem quadros, escrevessem poemas , esculpissem corpos. Criaram museus vivos cujas peças continuam a desfilar pelas ruas do Brasil para os olhos de quem souber olhar.

 

Crato, 01/10/2021

                          

                       

Um comentário:

Unknown disse...

Interessante o tema. Ignorado, mas tão importante mesmo nos dias de hoje. Parabéns pela fala.
Aurilucia Xenofonte