J. Flávio Vieira
Pedro Filismino tinha uma pequena fazenda nos arredores de Matozinho, onde mantinha um criatoriozinho de gado e de ovelhas. Vivera sempre nesta corda bamba , equilibrando-se em alguns raros invernos de pasto fácil e muitos e muitos secos como língua de papagaio dos inhamuns. O exercício de sobrevivência era sempre aquele de comprar as cabeças em épocas de seca, quando estavam a preço de banana, engordá-las com suas roças de capim, matar a sede no açude da capivara , na sua propriedade, que aguentava até dois anos sem chover, e sem que batesse a piaba. Depois, as vendia pelo dobro ou triplo do preço. Pedro também era conhecido por sua carolice. Assistia a missas diariamente, contribuía assiduamente com as obras sociais do Pe. Arcelino e não havia quermesse em que o nosso Filismino lá não estivesse, ativo e presente, arrematando galetos e ovelhas por preços proibitivos. Difícil entrar na igrejinha para não flagrar nosso agricultor ajoelhado em algum confessionário, pedindo perdão de suas falhas e deslizes.
A imagem pública que se tinha do nosso Pedro era de um homem religioso , probo e temente a Deus. O povo de Matozinho, no entanto, era experiente e tinha uma sensibilidade aguçada para essas beatices estranhas e exageradas. Para ele não existia verdade maior do que aquele provérbio clássico: Valentia, riqueza e santidade: a metade da metade ! Muitos começaram a checar as peregrinações do nosso Pedro para além das muralhas da igreja, após as overdoses de Salve-Rainhas, de Credos e Pai Nossos. Filismino, descobriram depois, saía da missa das seis num Jeep 51 que adquirira há muitos e muitos anos. Tomava o caminho da fazenda, mas, antes de chegar, trocava a roupa dentro do carro, colocava um capote grosso e uma peruca, montava num burrinho que já o esperava amarrado num angico e partia, sorrateiramente pra a Rua do Caneco Amassado, o famoso baixo meretrício da Vila de Matozinho. Chegava lá já à noite, com a peruca esquisita e o manto grosso e todos imaginavam que se tratasse de algum forasteiro. Ele, segundo se levantou, era o parceiro favorito da mais importante meretriz da cidade: Bia Chuca-Chuca. De posse de um aparente anonimato, o cabeludo da peruca estava solto para liberar suas fantasias.
Imaginem a surpresa quando a revelação chegou na praça principal e o populacho desvendou os mistérios da beatice crônica de Pedro: ele dividia seu tempo entre o sagrado e o profano. Pecava altas horas da noite, no outro dia pedia perdão na capela e, para todos os efeitos, a conta zerava diariamente. Sujava a alma na madrugada, limpava as nódoas de tardezinha. Filismino vezes usava a auréola de santo, vezes a peruca libertina.
O zum-zum correu a cidade acima da velocidade da luz. Dois dias depois, a fofoca, para desespero de Felismino, já vinha em versos, recitados por todas as esquinas da Vila. Como sempre, não se sabia a autoria, alguns desconfiavam que, pelo jeitão do palavreado, parecia ter saído da lavra do Jojó Fubuia , o pinguço da vila e, também, seu poeta nas horas vagas e feitor anual do testamento do Judas, que esse ano, com certeza legaria uma peruca nova para o nosso Pedro.
O Véi Pedro Filismino
Que danado esse menino !
Se confessa todo dia !
Depois que bota a peruca,
Se enrola com Chuca-Chuca,
E é a maior putaria !
Mas no outro dia, porém,
Purinho como um nenen
Vai da gandaia pra fé
O homem é texto e panela:
De tarde lá na capela
De noite no cabaré !
Crato, 15/10/2021
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