sexta-feira, 23 de junho de 2017

Forró Irreal

As Festas Juninas sempre fizeram o Nordeste brasileiro florir. Comparam-se à ressureição do nosso semiárido com o advento das primeiras e benfazejas chuvas. Inconscientemente,  estamos todos participando de rituais das nossas  antigas festas pagãs , como a Saturnália e a Lupercália, quando comemoramos a fartura e alegria das colheitas. Claro que uma festividade de tamanha exuberância necessita da sua trilha sonora específica, aqui consubstanciada em mais de cem ritmos que se foram miscigenando junto com nossas etnias. Como pensar em São João e São Pedro, sem a sanfona de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca,  Oswaldinho e Zé Calixto; sem o pandeiro do Jackson; sem o triângulo, o zabumba;  e sem a voz rasgada de Bilinguim, Marinês  e Lindu ? Todos nordestinos se sentem um pouco descendentes deste mesmo DNA. Para nós,  sua musicalidade é tão importante como o pé-de-moleque, a canjica , a fogueira, o rojão . Sem eles não existe Festa Junina. Pois é bom lembrar que esta tradição está ameaçada.
                                   As Bandas de Forró Eletrônico, de há muito, vinham invadindo os arraiás. Impulsionadas pela indústria cultural , trazendo consigo laivos de modernidade, passaram a imprensar os tradicionais grupos musicais juninos. Agora, as grandes festas se viram invadidas pelos Breganejos que se açambarcaram das festividades e praticamente sufocaram o pouco espaço dos grupos de tradição. Polêmicas estouraram , agressões de parte a parte. Os Sertanejos, montados em forte indústria de entretenimento, junto com o Forró de Plástico, empurram seus shows milionários, com forte apoio de um público já amestrado pela mídia tupiniquim. O Forró de Tradição reclama da invasão e da não reciprocidade deles em outras festas, de teor agropecuário, como a de Barretos em São Paulo. Causa-nos espécie que São Joãos tradicionalíssimos como   o de Caruaru e Campina Grande tenham simplesmente  acatado, sem maior discussão, a nova tendência. Que treta se esconde por trás dessa realidade ?
                                   Como a vida, a arte é dinâmica. Não há como fossilizar uma cultura por sua tradição. O Forró que Luiz Gonzaga fazia difere do que Petrúcio Amorim e Biliu de Campina hoje executam. Há, no entanto, um fio que os une umbilicalmente, como se genes tivessem passado de uma geração a outra, que filhos e netos, mesmo diferentes dos seus avós, carregam consigo nesgas de um mesmo DNA. O que difere o Breganejo e o Forró de Plástico dos seus ascendentes é a qualidade. Sua música é primária, suas letras não têm poesia nem cheiro de Nordeste, perderam a verve, a sutileza, a irreverência. Carregam mensagens pobres, com incentivo à violência, à prostituição, ao alcoolismo. E mais : são obras feitas às pressas, sem nenhum sentido de eternidade e que passarão, rapidamente, como um modismo imediato, para consumo rápido e lombra de uma só noite.
                                   Por trás dos Breganejos e das Bandas de Forró existe toda uma indústria cultural  que se mostra extremamente palatável aos governantes. Os shows, caríssimos, são facilmente superfaturados, com joguete de notas frias e reabastecimento , por baixo do pano, dos políticos que os contratam. Como concorrer com um rolo compressor desta envergadura ? A nosso ver, em nome da multiculturalidade, os Breganejos e Bandas de Forró Eletrônico devem participar das nossas festividades, desde que não se empreguem as parcas verbas públicas no seu financiamento. Com amplo amparo de publicidade de bebidas, indústria fonográfica e afins, são perfeitamente independentes e não carecem do parco dinheiro dos cofres estatais.

                                   O São João do Crato quis fugir desta realidade crua. Priorizou os grupos de raiz, com bandas de swing profundamente caririense. A Secretaria de Cultura esmerou-se na produção, dentro das terríveis limitações que sempre lhe são impostas. No último dia, no entanto, fechando as comemoraç~eos do São João e do Dia do Município, como por encanto, apareceu o Forró Real, com uma megaestrutura. Quem contratou a Banda ? Seu Show foi pago com que recurso ? Se vivemos numa pindaíba danada, com reclamações seguidas de falta de médicos e insumos nos postos de saúde, como surgiu esta verba ? Esperamos que não tenha saído dos míseros bolsos da população. Para uma cidade que, ano após ano,  vai se tornando cada vez mais virtual, parece-me um contrassenso comemorar seu aniversário com um Forró Real. 

Nenhum comentário: