terça-feira, 23 de junho de 2009

Fogo e Cinza

Existe um pacto tácito e mágico entre o homem e o fogo. O controle do processo da combustão foi, certamente, uma das maiores descobertas da nossa raça e mudou completamente os rumos da nossa história. A possibilidade de cocção dos alimentos nos tornou carnívoros e fez com que ganhássemos , evolutivamente, um cérebro mais avantajado. Postavam-se nossos ancestrais diante do fogo, quase que por encantamento e foi ele um fator aglomerador do homem primitivo, máxime nas eras glaciais. Diante das chamas , nas cavernas, eles fizeram os primeiros pactos e acordos, uniram forças em busca da sobrevivência em mundo tão hostil e aprenderam a dura arte de viver em comunidade. O fogo estava presente em quase todas cerimônias religiosas e foi com ele que, muitos anos depois , se sacrificaram os primeiros prisioneiros políticos, ditos hereges e bruxos, na vã tentativa de “ purificar” esse mundo. Não bastasse tudo isso, os primeiros esculápios utilizaram as brasas como medicamento, uma cruenta maneira de cauterizar enfermidades e a arte da guerra foi quase uma extensão da descoberta do fogo e da pólvora. O fogo e o homem são assim irmãos siameses e toda a lúdica viagem da humanidade neste planeta possivelmente não teria encetado, não tivéssemos conseguido acender a primeira fogueira.
Talvez seja por isso que somos tomados de uma aura de nostalgia ao se aproximar o período junino. O São João e São Pedro são uma espécie de ritual pagão de adoração do fogo. As adivinhas, as promessas, os casamentos e o compadrio remontam, por certo, aos nossos tempos primitivos em que o Deus fogo presidia todas as unções. Familiares e amigos se reúnem, novamente, em torno da fogueira sagrada, comem e bebem em meio ao pipocar dos fogos e o fugaz vôo dos balões. Com o passar dos anos, as festas vão ficando mais tristes e mais vazias porque muitos, como dizia Manuel Bandeira, já não comparecem : “estão todos dormindo profundamente”.
Descobrimos, então, que a nossa vida é igualzinha a uma festa junina: o estardalhaço no ribombar dos fogos da juventude; os sonhos etéreos e fugazes que ascendem e brilham , como balões, até serem tragados pela chama do quotidiano; a quadrilha incansável das relações humanas , e a fogueira da existência, tão difícil de pegar fogo, mas uma vez ateado, queima num átimo, sem que ao menos pressintamos. Mal adentramos o salão , apenas com o gostinho do aluá e do pé-de-moleque na boca, acabam a festa de repente. E o que será feito do Arraial ? Restarão apenas mornas cinzas de passado que serão arrastadas indelevelmente pelo vento do esquecimento.

23/06/09

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