sexta-feira, 1 de março de 2024

Entre o céu e a caldeirinha

 


J. Flávio Vieira

 

                               Notícia recente, publicada no site Miséria, dá conta de que a Prefeitura de Crato pretende gastar três milhões e meio de reais na reconstrução do monumento de Nossa Senhora de Fátima do Barro Branco . O projeto foi enviado pelo executivo municipal à Câmara de vereadores e aprovado no último dia 19 de março, com recursos que eram destinados anteriormente à pavimentação de ruas e construção e ampliação de prédios públicos. A estátua foi inaugurada há apenas 10 anos e,  na época,  construída por um terço do valor proposto atualmente para a reforma. Segundo o executivo municipal será necessária a reconstrução de uma nova estátua. Lembrando que a do Padre Cícero tem 53 anos , o Cristo Redentor tem 102 anos , a estátua da Liberdade 137  e a pirâmide de Queops já conta quatro mil e quinhentos anos e, ao que se saiba, até agora não precisaram ser reconstruídos. Não foram, provavelmente, fabricadas com papel machê.

                   A estátua , em verdade, mirava, desde seu início, o Turismo Religioso que alavancou a cidade de Juazeiro do Norte e que nunca fez parte da vocação natural de Crato.  Esteticamente assimétrica, de material visivelmente perecível, parecia uma réplica ampliada do monumento teratológico de Bárbara de Alencar. Como era previsível , deteriorou-se com o passar dos anos e, nem com milagre, aguentou a ação da primeira década de vida.

                   Sei da força da mãe de Cristo junto à população católica. Basta observar as procissões periódicas que arrastam multidões de fiéis pelas ruas enviesadas das cidades. Mas, a meu ver, por isso mesmo, a reforma deveria ser empreendida pelos incontáveis devotos da nossa santa. Sempre é bom lembrar que desde 1891, quando da Proclamação da  República, asseverou-se a liberdade religiosa, mas também proibiu-se  a interferência religiosa em questões públicas. A Constituição de 1988 nos Art. 5º ( incisos VI, VII e VIII) e no Art. 19, 143 e 226 garante a Laicidade do Estado. Está assegurada a liberdade de crença num país tão plural como o nosso, mas outrossim  legalmente afiançada a garantia da proteção e liberdade religiosas , evitando a inferência de grupos religiosos em questões políticas.

                   Com todo respeito aos fiéis  incontáveis de N. S. de Fátima,  a restauração do monumento religioso fere frontalmente ao entendimento legal. Será feita com verba pública advinda de impostos pagos por  ateus, evangélicos, budistas, mulçumanos, kardecistas e por incontáveis religiosos de matriz afro. Se a destinação, reflitam comigo, fosse para a erguimento de uma Estátua de Oxum ou Iemanjá, de Pai Seta Branca,  de Allan Kardec, Maomé  ou Buda , seria aceito por todos, com igual consentimento ? A Câmara aprovaria serelepe, como faz com tanta facilidade em ano eleitoral ?

                   Ademais, a verba para tanto foi retirada de obras de infraestrutura públicas essenciais. O Museu Histórico do Crato está fechado e aos pandarecos. O Museu de Arte Vicente Leite está  de portas também cerradas há mais de quinze anos, tem uma verba para reforma, que se arrasta eternamente,  de pouco mais de um milhão de reais. São obras prioritárias que se tornaram uma vergonha histórica para  uma vila que  se denomina “Cidade Da Cultura”. Lembrar que os Museus dizem respeito à vocação natural da Cidade de Frei Carlos e , reabertos um dia, oferecerão  seu acervo a todas as pessoas independentemente de credo ou  crença.  

                   A Carta Magna parece ser apenas um bibelô para enfeitar os tribunais. A Laicidade do Estado uma mera excrescência.  Cabe a cada grupo de fiéis bancar seus altares e suas imagens de adoração, a Constituição lhes garante essa liberdade sagrada. Verbas públicas devem beneficiar a população como um todo e não grupos específicos e privilegiados. Com a palavra o Ministério Público.

Crato, 20/02/2024

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