sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Pornomedicina


Alunos da Escola de Medicina da Universidade de Santo Amaro no interior de  São Paulo (UNISA) , em fins de março e início de abril deste ano, invadiram uma quadra onde estava acontecendo um jogo de Voleibol feminino. Entraram com um desfile inusitado: despidos e promovendo uma masturbação coletiva. Os vídeos do punhetaço só vazaram pelas redes sociais esta semana, causando uma avalanche de comentários vezes irreverentes, a maior parte deles atordoados numa onda de críticas e protestos. O caso da UNISA, infelizmente, não é uma exceção. Recentemente episódios iguais de obscenidade coletiva aconteceram com alunos da Santa Casa de SP e da São Camilo. Em Nova Iguaçu os alunos de Medicina, em jogos estudantis, confrontaram as outras torcidas com um grito de guerra profundamente discriminatório: “Ei ! Eu sou playboy, não tenho culpa se seu pai é Motoboy”.    E nós , pasmos, temos uma só interrogação: o que diabos ainda pode acontecer, nestes tempos de esfacelamento de todas as barreiras da intimidade ?

                        Claro que muitos observadores podem apontar para  as incongruências típicas da idade dos envolvidos, adolescentes aí transpondo a segunda década de vida. Muitos lembrarão, imediatamente, para os reflexos destes tempos em que a exposição maciça da vida íntima passou a ser perfeitamente normal e até necessária. Modelos fazem vazar intencionalmente fotos e vídeos pornôs; a troca de “nudes” entre namorados e paqueras virou uma regra (passou a substituir as cartas de amor de antigamente). Os jornais e folhetins se alimentam dessas notícias diárias: “Fulana com biquíni curtíssimo na praia”, “ A cantora sicrana, com decote cavadíssimo, mostrou demais”. Hotéis, motéis, casas de aluguel pelo AIR-BNB, banheiros públicos, Provadores de roupas em lojas chiques, frequentemente, são denunciados por uso de câmeras e filmagens escondidas.  Há um agravante , no ato perpetrado pelos alunos da UNISA da Santa Casa e da São Camilo. São todos estudantes do curso de Medicina. Todos em formação para exercer uma atividade que exige humanismo, respeito, empatia e sigilo absoluto sobre todas as  etapas do tratamento , qualidades essas totalmente díspares da atual escala de valores, num mundo já sem fronteiras de qualquer espécie. Daqui mais alguns semestres farão um juramento impossível de cumprir:  RESPEITAR a autonomia e a dignidade do seu paciente; GUARDAR o máximo respeito pela vida humana; NÃO PERMITIR que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interponham entre o seu dever e seu paciente; RESPEITAR os segredos que lhe  forem confiados, mesmo após a morte do paciente ; NÃO USAR os seus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça. E , como se vê, o mais difícil de todos: GUARDAR respeito e gratidão aos seus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido.

                        Notícias recentes dão conta de que a UNISA expulsou sete alunos e investiga outros. A PM está investigando os atos obscenos. Estas medidas todas estão sujeitas a reviravoltas jurídicas e é provável que os alunos terminem seus cursos antes de um julgamento definitivo. Ficam no entanto perguntas no ar: se o principal remédio manipulado pelo médico é a confiança, como farão para tratar eficazmente seus pacientes?  Se não têm apreço os futuros médicos nem por seus pares, que desvelo terão para os pobres que lhe procurem ? Se não conseguem respeitar nem a própria intimidade, que farão com a dos que lhe forem confiados ?

                        Os alunos da UNISA não se despiram sozinhos, deixaram nua também a Arte Médica: já fica impossível diferenciar  o homem do jaleco branco do ator pornô. Não é a nudez que é pornográfica mas o vilipêndio de uma Arte meticulosamente cuidada, com sacros cuidados de sacerdotisa,  por mais de vinte e seis séculos.

Crato, 19/09/23

                                   

 

 

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