sexta-feira, 23 de junho de 2023

Balão


 

A fogueira esfriou? A lenha fez-se brasas e ,depois, cinzas ?  O tempo, o maior de todos os bombeiros, nos traz as duras lições da finitude das eras e dos  personagens que passam de protagonistas, a figurantes e, por fim, mero espectros, sombras de um Teatro Chinês.  O São João nos lega a perspectiva do moto contínuo da vida. As fogueiras frias  já não ardem no asfalto.  A música de fundo macaqueia o ritmo do forró, mas fala de uma realidade urbana, sem a brejeirice e a ruralidade de outrora. As quadrilhas mudaram de figurino, assemelham-se mais a um baile de fantasia. As comidas servidas à mesa ganharam o sobrenome de Gourmet, afastaram-se do sabor telúrico nordestino, agora cheiram a essências vindas não em caravelas mas em aviões de carreira. As bombas são diferentes, os fogos de artifícios usam outros artifícios nas noites já clareadas pelas luzes de néon.

                        Não é que as fogueiras tenham arrefecido. Suas chamas lamberam e engoliram tempos passados. Cadê vovô ? Cadê papai, mamãe? Tia Luzanira não volta mais da cozinha ? Cadê os amigos de infância, testemunhos do milagre da vida? E Zínia, meu par na primeira quadrilha ? Já não estão no terreiro, por baixo da bandeirolas multicoloridas:  as labaredas  da existência engoliram esses personagens. Alguns nem estão dormindo profundamente como cantou Bandeira , mas estão viajando, longamente,  por outros páramos. Nem adianta enfiar a lâmina da faca novinha na bananeira, em busca de uma letra indicativa de um rumo, de uma direção. As bananeiras hoje são todas analfabetas. As bacias com água já não refletem os rostos que procuramos, na luz das chamas. Perderam o brilho, estão opacas e nem conseguem refletir porque já não refletem. Na mesa, o pé-de-moleque, o bolo de milho, o mugunzá, o milho cozido, a batata doce assada já não carregam o tempero melífluo da infância. São uma iguaria apenas,  sem um elo que as remeta à felicidade. Os personagens estranhos  que transitam no terreiro parece que acabam de descer de uma nave espacial. É que a quadrilha da vida , no seu Peri-Contra-Peri, nos fez com que nos afastássemos do nosso par e a Grande Roda  é imensa e interminável e , muitas vezes, não completa o vis-a-vis de pares. Traques, bombas pipocam pertinho, mas já não têm a vivacidade e o fragor dos tempos passados, viraram bufa de velha... Os fogos varam os céus e abrem-se em lágrimas coloridas no firmamento, mas já não nos encantam,  talvez porque se confundam com as outras lágrimas que vão nos umedecendo os olhos. Como foi possível que, como as chamas da fogueira, no outro dia, o calor e o brilho  do lume acordassem agora como cinzas no chão batido da latada ?

                        De repente, um balão sobe aos céus, carrega no seu bojo, a vela resplandecente que lhe aquece a alma e o permite voar. Os ventos de junho impulsionam seu adejo algo errático  rumo à amplidão. Em pouco será tomado pela sensação cósmica de senhor dos páramos celestes. Então, a mesma chama que aqueceu sua vida e lhe deu asas, o lamberá em chamas. Por um breve instante cintilará como uma estrela no firmamento, depois disso será apenas uma mera lembrança dos pouco privilegiados que assistiram ao seu voo de luz e de cinzas.

Crato, 23 de Junho de 2023  

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