sexta-feira, 31 de março de 2023

De pérolas e outras joias


O setor cultural brasileiro foi perseguido, no último governo, como os cristãos  no Coliseu. De repente, a Lei Rouanet, de incentivo à Cultura, viu-se demonizada pela ultradireita brasileira, como se tratasse de um instrumento de corrupção fácil, pior que o orçamento secreto. Os artistas viram-se acusados de malandros, desonestos, maconheiros, desocupados, parasitas das verbas públicas. A razão de tamanha cruzada é fácil de compreender. Os artistas fazem parte da classe pensante do país, aquela que consegue ver adiante da notícia veiculada pela TV, é antifascista por origem, insubmissa e inacorrentável. Num mundo extremamente contábil, ávido do lucro imediato, a Arte surge como um estorvo, uma inutilidade. Para que diabos serve um poema, uma música, uma tela, um filme ? Não dá para vender suas ações, fazer escambo com eles na próxima esquina ou na casa de câmbio! Ao status quo nem interessa a outra realidade do deus Mercado: Em 2018, a Cultura no Brasil movimentou 2,64% do PIB, com um crescimento de mais de 70% na última década. Em 2020 o setor cultural empregava, segundo o IBGE, mais de 5,5 milhões de pessoas, quase 6% da população brasileira. O medo do setor cultural é maior que seu potencial econômico. Ele consegue ver o rei nu e, pior, com suas joias das arábias reluzindo ao sol!

                          Agora, que a roda do tempo deu cavalo de pau, paira uma pergunta. Em quanto o estado deve incentivar a Cultura? Se pouco,  pode fazer o segmento morrer por inanição, se muito falam do risco de viciar os artistas e deixá-los preguiçosos e pouco criativos. Interessante é que não existe essa aflição quando se trata da Indústria, do Comércio e do Agronegócio. Aí , quanto mais, melhor! A sociedade cobre-se de pruridos quando se incentivam os mestres da cultura popular, com um mísero salário mínimo. Gritam de lá: Vai viciar o cidadão!  Se der dinheiro para o Reisado, o Coco, o Maneiro Pau, vocês acabam com os brincantes! Já para os cantores de Forró Isopor e os Breganejos: quanto mais, melhor! É como se as manifestações populares de tradição, como ostras, necessitassem da areia do sofrimento e da fome para produzir suas pérolas. Já para produzir esterco cultural, que sai como uma diarreia, a verba funciona como  uma espécie de laxante.

                        Leis de Incentivo à Cultura são uma necessidade não apenas identitária, mas também econômica. O retorno do investimento vem não só pela  educação sensitiva e de pertencimento do povo, mas também regressa com impostos, com emprego, com turismo. É possível lapidar joias aqui, não precisa virem fantasiadas como presentes das arábias.

Crato, 28/03/23    

 

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