sexta-feira, 16 de setembro de 2022

O Rei Dom Qua-quá Primeiro

 


L
udovico Sestrino da Conceição tinha um pequeno empório  de bugigangas e  atavios em Matozinho. Recentemente  enveredou pelo ramo de importados chineses , com uma Loja de 1,99, a famosa “Lá se faz, aqui se paga !”. Passara por alguns amancebos , mas agora vivia como colibri, beijando uma flor aqui e ali,  e sem pouso certo.  Com um nome pomposo, com tantas possibilidades de apelidos, era conhecido, estranhamente,  como Quá-Quá. As razões do epíteto estavam guardadas nos baús do povo de Matozinho. Ludovico ficara conhecido como gabola e vivia, nas rodinhas de praça, exagerando sobre sua performance sexual, dizia-se imbrochável, incansável e múltiplo, uma verdadeira metralhadora de orgasmos. Os amigos, claro, desconfiavam de tamanha garanhice, todos já passados na plaina dos sessenta, sabiam que Ludovico , instintivamente um ás do marketing, descobrira que a versão é mais importante do que o fato. Ao menos não era essa a história que, a boca miúda, debulhavam suas ex. A última, inclusive, afirmara categoricamente que Sestrino se assemelhava mais a um prato de mingau de Aveia Quaker. Num qui-qui-qui lascado, quando a história chegou na praça, começaram a chamá-lo de Quá-Quá, uma menção à famosa iguaria tão apreciada pela turma do cipó mole. Ludovico aceitou de bom grado o apelido, até porque não conseguia saber bem de onde ele viera.

                               A fortaleza declarada aos quatro ventos por Quá-Quá, aos poucos,  começou a ver caírem seus muros de contenção. De repente, sem mais nem menos, o atleta sexual passou a apresentar uns desmaios esquisitos e imprevisíveis. Deu uma pilôra um dia em plena missa, na hora da comunhão; de outra vez na praça, quando verbalizava suas lorotas; uma outra vez na procissão. Resolveu ir fazer uma consulta na capital e retornou com um diagnóstico estrambótico. O doutor , segundo ele, disse que seu coração estava saltando de marcha, fora do ritmo e desafinando. Falaram na necessidade de colocar um marca-passo que ele explicou aos amigos  era um tipo de novo motor de arranque, uma troca das velas que estavam entupidas. Quá-Quá ficou de voltar no mês seguinte, mas foi enrolando. As pitingulas começaram a ficar mais frequentes e , para cobrar sentido, foi demorando cada vez mais.  Até que semana passada, como se já vinha prevendo, depois de umas doses no Bar do Giba, Ludovico deu um gemido e caiu de fiofó lacrado. Correram com ele, desfalecido, para a Botica de Janjão que tentou de todas as maneiras trazer o homem de volta: botou fumo de Arapiraca para ele cheirar; colocou Ludovico debaixo de uma bacia grande de bateu por mais de quinze minutos; deu chá de jalapa  e... nada ! Depois de todas essas manobras milagrosas de reanimação, sem o efeito esperado, Janjão concluiu: infelizmente Quá-Quá tinha batido as botas, ensebaria o capim logo mais.

                               O anúncio  espalhou-se rapidamente como acontece com toda notícia ruim.  Quá-Quá já não estava aqui entre nós !  Podia ser até imbrochável, mas não era imorrível, coisíssima nenhuma !  Amigos e familiares mais próximos providenciaram o caixão e o velório começou ainda pela manhã na casa do falecido. Dividiam-se as turmas entre  as mulheres que se espremiam em choros e gemidos convulsivos mesclados com as incelenças de praxe:

“ ô mamãe eu vou pro céu,

Dois anjinhos vão me levando, ô mamãe,

De tudo vou me esquecendo, ó mamãe!

Só de Deus vou me lembrando...

 

Do outro lado da salinha, os homens que conversavam animadamente, contando lorotas, lembrando das peripécias e mentiras do falecido que era um cabra bom e , como todo defunto, não tinha defeito. Degustavam uns litros de cana e tomavam, de vez em quando, um copo de caldo de carne servido pelos organizadores do evento.  Como sempre acontecia em Matozinho, os enterros aconteciam sempre no mesmo dia, pois o cemitério era distante, fora construído numa epidemia de febre amarela, muitos anos atrás e, temendo contaminação, instalaram o campo santo a  mais de uma légua da vila. No início da tarde os dois coveiros, Zé Inácio e Seu Pio, se juntaram aos outros pinguços, na sala, e ajudaram a derrubar mais cinco litros de pinga que ninguém é de ferro!

                               Uma três horas da tarde , por fim, saiu o cortejo em procura do Cemitério de N. Sra. da Caridade. Em cada rampa ficavam pelo menos dois bêbados acocorados, sem condições de prosseguir. Em cada curva, um outro pedia penico. Ainda bem que o estoque era grande e variado.  Chegaram já de tardezinha na beira da cova que Pio e Inácio tinha cavado antes de irem para as comemorações finais na casa de Quá-Quá. Os dois  já o esperavam para o trabalho derradeiro. Depositado o caixão na beira da cova, Jojó Fubuia, então, antes que procedessem à decida do féretro, pediu a palavra e, com voz pausada e pastosa, como se estivesse comendo geléia,  falou:

                               --- Meus amigos ! Perdemos hoje o cabra mais  imbrochável de Matozinho! Um amigo, um irmão ! Tinha essa cara feia de quem se prepara pra fazer cobrança, mas era legal e divertido. Só num gostava de pagar as contas, mas quem é que gosta ? Vai com Deus! Que a cama que tu vai se deitar agora seja tão mole como tua virilha : Mingau de Aveia Quaker !

                               Nesse momento, sabe-se lá como, a tampa do caixão se abriu e pulou de dentro um Ludovico ariado, sem saber o que estava acontecendo. Foi uma debandada geral. Ficaram ali apenas os coveiros pelo profissionalismo necessário. Quá-Quá, olhando ao redor, compreendeu a situação e avisou a Inácio e Pio: foi só um desmaio, eu estou vivo! Não morri não, eu juro ! Nisso um Pio cambaleante o empurrou para dentro da cova:

                               -- Que conversa é essa, seu Quá-Quá! Tu tá mortinho da Silva ! Quer saber mais do que Janjão da Botica, é ?

                               Desesperado , Ludovico tentava escalar as paredes da cova, enquanto Zé Inácio jogava, com a pá , terra por cima dele e foi logo avisando:

                               --- Marr menino ! Se aquiete aí ! Num quer se enterrar não, é ? Num tô dizendo ! Um pé rapado desse ! Tu só que ser a Rainha Elizabeth ?!

 

Crato, 16 /09/2022

                                

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