sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Um Pingo de Óleo num Campo de Neve

 


     “A eleição de político ruim, ficha 

            suja ou corrupto,

nos dá oportunidade de avaliar

 não o político,

mas a democracia, o sistema 

judiciário

e principalmente

 o nível do eleitor.”  

                                                                             Claudio Müzel.

 

J. Flávio Vieira

                    Amanhã é dia de enfrentar a urna. As campanhas  quase passam desapercebidas, no meio dessa pandemia, parece que até elas estavam em confinamento. Houve economia de promessas vãs, de abraços falsos e sorrisos de manequim. Os comitês estavam entregues às teias de aranha e os candidatos se desdobraram , subindo morros, visitando casebres , espalhando santinhos ou diabinhos  e jurando , de pé junto, que representarão o povo e não a si mesmos. Quase trezentos candidatos a vereadores em Crato remoendo as antigas cantilenas de lutar pela saúde, pela segurança e pela educação. A grande maioria deixa transparecer, claramente, que , em tempos tão bicudos, estão atrás de um emprego, no caso bem remunerado, sem horário de trabalho fixo e com possibilidade de aumentar os proventos de incontáveis maneiras.

                   O ouvinte, como eu, já deve andar desalentado, meio cabreiro e com aquela sensação de já ter assistido ao mesmo filme diversas vezes e, é sempre bom lembrar: como na Paixão de Cristo, o artista morre no fim. Como, diante de uma bandeja de uvas podres, nos pomos a catar as menos rançosas, pela simples razão de não termos outras alternativas. Alguns amigos,  simplesmente , sem mais nenhum saco, pregam o voto nulo ou em branco. Preferem uma omissão aparentemente honrosa a uma ação possivelmente tenebrosa. E sempre paira no ar a pergunta: onde estão os bons, os sérios , os  puros ? O mundo não é todo enlameado. Por que não se candidatam ? Talvez porque tenham chegado à conclusão que os descarados baldearam a água para que só eles tenham a coragem de beber. Seriam um pingo de óleo num campo de neve.

                   Por tudo isso, é fácil pôr em cheque a Democracia. Se nada muda, se os escravos da Senzala hoje habitam as favelas; se a desigualdade parece uma chaga imutável; se a Educação, o único elevador de classes, é, por isso mesmo, sonegada a 70% da população; se o pobre que falece na pandemia é taxado de maricas; para que mesmo serve esta tal de Democracia ?

 

                   O grande problema , em verdade, não está no político corrupto e trambiqueiro, no candidato falso como tábua de fojo. O grande impasse brasileiro reside no seu povo que elege safados, ladrões e salafrários. E elege-os, porque imagina que só uma coisa pode conseguir deles na troca pelo voto: uma chinela, um milheiro de telhas, um emprego na prefeitura. Votam pragmaticamente, num imediatismo justificável pela necessidade, mas danoso  e imobilizante. A Educação é único trator de mudança e, por isso mesmo,  é sonegada reiteradamente à população. Nossa tragédia parece um moto-contínuo, um país que separou o paraíso para poucos, o purgatório para alguns e o inferno para o grosso da sua população. E, como nas leis celestiais, no nosso inferno, também, não tem habeas corpus e nem relaxamento de pena.

                   Amanhã será um dos dias possíveis de redenção, se a gente entender que urna não é latrina. Se a gente chamar o ladrão para dormir na nossa casa, não adianta depois fazer o BO. Se só existem candidatos ruins, escolhamos os menos piores; aqueles que ao menos transpareçam um mínimo de dignidade; que apresentem algum espírito público. Vale, sim, torcer por tempos melhores, mas , principalmente, ajudar a construí-los. Tudo está em nossas mãos, somos nós, eleitores, os timoneiros. Se o barco vier a pique, não adianta pôr a culpa no temporal, no vento, no mastro , nas velas e nem achar que um iceberg chamado Democracia foi o responsável pelo naufrágio.

Crato, 13/11/20

2 comentários:

jose nilton mariano saraiva disse...

Em diversos textos que postamos nos blogs da vida, já chamávamos a atenção ao fato de terem
transformado o exercício da atividade política num rendoso meio de vida.
Nesse aspecto (independentemente do preparo intelectual), vale refletir, por exemplo, sobre qual a diferença entre o modus operandi do Ciro Gomes (empregou todos os irmãos na política) e Jair Bolsonaro (empregou todos os filhos).
Claro que Bolsonaro é um desqualificado e perigoso e jamais poderia chegar onde chegou (mas foi o povo ignorante que o colocou lá).

jflavio disse...

Abraço, Nilton ! Tempos sombrios, mas há luz à frente !