sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

DE ALUÁ A GENGIBIRRA

O juiz Leandro Gebrônio  Pausínio  Neto  assumiu  a Comarca de Matozinho. Foi  como um  redemoinho  que caísse em palhiço  num quintal de beneficiamento de arroz. Brabo, sanguíneo, zoadento, com ele não tinha queré-qué-qué. Instigou e instrumentou a preguiçosa polícia local  a fazer campana e cair de pau em suspeitos : “Batam primeiro e perguntem depois!”. Perseguiu os paus de cana, os desocupados, proibiu festas e até criou uma espécie de lei marcial, com recolhimento noturno, mandando recolher à cadeia todo cidadão que fosse pego nas ruas depois das 23:00 H. Relacionava-se com poucas pessoas e ditava sentença como um Deus escrevendo nas tábuas de Moisés no Monte Horebe.  Mas se existia uma coisa que Gebrônio não tolerava e se mordia todo era com a simples aproximação de homossexuais que ele , profundamente religioso, tinha como uma aberração da natureza e vivia a vaticinar pelos cantos das salas :
                                   -- “Baitolagem é uma doença grave e não tem cura, temos que tanger esses frangos para longe daqui ! Se não cuidar vira epidemia ! Peia neles ! Ou viado com a safadeza ou procura outras granjas pra cacarejar !”
                                    Matozinho, sob o taco de Leandro, sentiu-se como em estado de sítio. A cidade perdeu o brilho, as ruas esvaziaram, as noites matozenses pareciam um teatro de sombras, com vultos esgueirando-se pelas esquinas e janelas,  feito almas penadas. Amantes esquivos, fofoqueiras diplomadas, papudinhos profissionais, larápios de carteirinha, rápido,  aprenderam a navegar nos novos e nevoentos horizontes gebrônicos.
                                   Aos poucos, os matutos de Matozinho começaram a descobrir que o preço da aparente paz trazida pelo tacape de Gebrônio tinha um valor muito alto. Entenderam, também, do alto de sua experiência, que por trás  dos moralismos desenfreados existe sempre algum segredo escuso, velado  e mal explicado. As pessoas que fecham as janelas para que a luz não entre no quarto carregam consigo sempre algum temor que às claras algum grande malfeito termine por ser revelado. E , num instante,  sacaram  que Leandro cobrava intransigentemente a aplicação dos ditames legais, mas , no dia a dia, pegava veredas e desvios juridícos com enorme facilidade, desde que alguém pagasse o pedágio. Era venal e vendia sentenças, sem nenhum pejo,  com a mesma desenvoltura que  Janjão da Botica negociava o sal amargo. Depois, algumas evidências que se foram acumulando acabaram por fechar o firo sobre a homofobia explícita de Gebrônio. Casado, com família estabelecida de mulher e três filhos, não perdia oportunidade para contar vantagens, espalhando para amigos mais próximos uma aura de Don Juan, de pegador, de limpa-trilho. Em uma festinha de  Natal, no Fórum, porém,  tomou um pouco mais de zinebra do que costumava  e, saltou de dentro do garanhão tantas vezes incensado, uma égua fogosa, arrisca  e faceira. “Quinca Despejo”, o Oficial de Justiça, entre dentes, foi o primeiro a cantar a pedra:
-- Vôte ! Esse aluá parece que é gimgibirra !
                                   Insinuações começaram a escorrer pelos cantos das ruas, sempre insinuadas e escapadas em sussurros. Todos temiam a arrogância e os frequentes rapapés do seu juiz. As peças do quebra-cabeças, no entanto, aos poucos,  se foram encaixando. Gebrônio contratou uma récua de rapazinhos para trabalhar na Secretaria do Fórum. Um deles, Eufrazino Cerqueira , era tido como o adolescente mais bem apessoado de Matozinho. Num átimo,  foi promovido a Assessor Especial da Comarca e passou a trabalhar , diretamente, na sala do juizado, junto com Leandro,  examinando com ele  processos que varavam a madrugada. Comentava-se na vila, maliciosamente,  que Eufrazino fora promovido e agora era quem cuidava da Vara do Gebrônio.
                                   No entanto, o que deixou , definitivamente, nosso juiz marcado na história da Vila de Matozinho, foi uma expressão que acabou caindo no gosto popular e que perdura ainda hoje, já apartada, pelo tempo, das suas origens. Leandro julgou um processo de estupro em que o acusado, um certo Juju Ferrabraz , um varapau de mais de dois metros, lenhador braçal de ofício, teria cometido não só o ato, mas fora apresentado, por todos, como de dotes jumentinos   avantajadíssimos. Apesar do estrupício causado , o juiz  entendeu que não havia provas suficientes para condenar o rapaz  e arquivou o processo. Consta da história, que corria de língua a língua, que , a partir daí, com ideias meio suicidas, passou o homem da beca a assediar Juju. Ferrabraz, de início, fez finca-pé e disse que não era naquela roça que ele costumava plantar mandioca, mas depois , entendeu, que se aceitasse, ficaria, de alguma maneira, livre para outras investidas , sob o beneplácito da justiça, agora também já beneficiada. Terminou por aceitar o encontro amoroso e confirmou com Eufrasino que ,  também além de amante eventual o papel de corretor de pintos para o juiz. O certo é que, num domingo,  Gebrônio partiu para o local deserto, previamente combinado, nas encostas da Serra da Jurumenha. Em lá chegando, estacionou o Simca preto. Juju ali se encontrava. Conduziu o meritíssimo até a borda da serra, próximo a uma barreira inescalável. Gebrônio baixou a honrável beca e ficou meio curvado para frente, esperando o desejado ataque pela retaguarda. Nisso, com o rabo do olho, cubou o ataque que lhe esperava saindo das braguilhas de Juju. Espantou-se com aquela jiboia longa, vultosa, grossa e latejante que parecia saltar das virilhas de um jumento de lote. Temendo a possibilidade do conteúdo ser maior que o continente, fez menção de desistir, começou a ciscar, com as calças prendendo-lhe as pernas, como se pretendesse subir a alta barreira onde estava encostado e escapar da investida tão desejada. Juju, não teve conversa mole, nem aceitou seu estrebuchar, agarrou-o pela cintura, sentando-lhe pua, enquanto soltava a expressão que acabou clássica em Matozinho :
                                   --- Num trasteje, não, doutor ! Num trasteje, não !
                                   A história correu de boca a boca, na velocidade da saliva, que algumas vezes, na física de Matozinho, sobrepujava à da luz. Gebrônio continuou, mesmo assim, sua saga moralista, suas perseguições e sua busca incessante pela pureza dos costumes da vila. Ninguém tinha a desfaçatez de deixar escapar a expressão ou dados sobre o rendez-vous Gebrônio-Juju na sua frente. Um dia, no entanto, Né de Firmino, matuto do pé rachado,  tinha combinado com o becado para julgar a seu favor uma questão de terra, em troca de dois contos de réis. No dia aprazado do julgamento, chegando ao Fórum, procurou Gebrônio que estava em outra audiência. Impaciente, na maior inocência desse mundo, abriu a porta, interrompendo a seção anterior à sua, indo diretamente ao assunto:
                                   --- Doutor juiz, eu já tô aqui esperando o senhor. Recebi a intimação que a impeleita é hoje. Trouxe aqui os dois contos que o senhor combinou comigo pra poder julgar a questão a meu favor !
                                   Vendo, de repente, revelada a falcatrua na frente de todo mundo, sentindo-se desrespeitado, Gebrônio soltou os cachorros:
                                   --- Cabra safado! Nojento ! Você tá querendo é me desrespeitar,  é, seu infeliz ? Chamem os guardas ! Vou mandar prender você por desacato à autoridade !
                                   Né de Firmino, no entanto, enfrentou a fera e não perdeu a pose e lascou, publicamente, a expressão que se tornou, a partir daí, imortal  em Matozinho :
                                   --- Num trasteje, não, doutor ! Num trasteje, não !


Crato, 26/01/2018

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