segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Finados...


No final não restará muito. Na melhor das hipóteses, algumas lágrimas doridas , um bouquet flores – arrancadas, violentamente, como um tributo da morte à morte -- , o brilho efêmero de uma vela, a névoa esparsa de alguma saudade. Passados os anos, nem mesmo isso: caminharemos , todos, fatidicamente, para aquele esquecimento total , do qual não restará sequer o nome, conforme vaticinou Manuel Bandeira. Simples como a água que escorre do sopé da serra : quando todas testemunhas da geração obedecerem ao chamado inexorável do tempo, onde ficará registrada a imensa complexidade daquilo que um dia fomos ? Eventualmente, como uma garrafa com a mensagem lançada às ondas, poderemos vir à tona, na posteridade, mas aí já não será o homem com todas seus nuances que ressuscitará, mas o mito com tintas próprias, puxadas ora para o colorido impressionista , ora para o pastel.Escrevemos , sempre, na superfície da água, nossa passagem pelo mundo.Mal rabiscamos o adjetivo, já se tem esmaecido o substantivo que , anteriormente, teimamos em esculpir na história do planeta. Sábios, poetas, místicos, deuses, reis e plebeus esperam que o apagador do tempo limpe o quadro negro onde, um dia ,foram traçadas suas histórias.
Ademais, o que mais fazemos na existência é sepultar nossos mortos.Com a adolescência enterramos, definitivamente, os dourados olhos da infância. Na velhice inumamos os bons dias da juventude, aqueles em que , no dizer do nosso Pe Antonio Tomaz: “As esperanças vão conosco à frente/ E vão ficando atrás os desenganos”. A vida toda, vamos abrindo covas e sepultando sonhos, desejos, planos, amores, sentimentos, aspirações. Aos poucos, também, vamos levando ao campo santo entes queridos, amigos, familiares.. A cada sepultamento , se vão esfacelando os delicados fios que nos unem à vida.Morremos um pouco a cada velório a que assistimos. Se se reparar bem, perceberemos que viver é tão-sòmente acompanhar, pacientemente, o nosso próprio funeral.A única diferença marcante é que, um belo dia, não retornaremos das exéquias e as palavras serão substituídas pelo silêncio, bálsamo de todos os males.
As velas, assim, não conseguirão iluminar a treva definitiva que antecede ao dia do caos. As flores não necessitam morrer e murchar junto conosco, já que sua morte não nos restituirá a vida.As lágrimas aliviarão um pouco a angústia dos que ficaram, mas não têm o poder de mudar o imutável e carregarão consigo a mesma fugacidade que banha e umedece todos os elementos vitais. As preces dos crentes apenas irão transferir o impacto da perda para a fronteira onde a esperança teima em substituir todas as evidências racionais. Esta é a tragicomédia da vida: nada transmutará o curso insondável das coisas. O esquecimento total será a verdade última e definitiva.


J. Flávio Vieira

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