A força do Direito deve superar o direito da força.
Rui Barbosa
Uma das notícias mais quentes nas Redes Sociais e conversas de pé de ouvido, nestes dias, em Crato, diz respeito a uma denúncia de Assédio Sexual sofrido por uma servidora municipal. A repercussão tomou conta desta grande praça virtual que a Internet construiu e, entre nós, salta mais ainda aos olhos por conta da chaga do feminícidio que nos aflige. A pauta, de tão frequente, nem aquece mais as páginas dos noticiários. Pesquisa recente feita pela Agência Brasil , em grandes cidades brasileiras, revela que mais de 75% das mulheres já sofreram desse abuso em ruas, praças, parques , praias, transporte público e trabalho. Ano passado a CGU recebeu em média duas denúncias por dia de Assédio Sexual na Esfera Federal. Entre 2020 e 2023 a Justiça do Trabalho protocolou quase 23.000 casos para julgamento.
Neste caso específico é preciso louvar a coragem da vítima em denunciar, buscar os meios legais para livrar-se de suas aflições, mesmo sabendo da exposição a que, inevitavelmente, vai se submeter. E imaginar também as dificuldades em arrolar provas, numa área em que as coisas são sutis, ocultas e que, em geral, não existem testemunhas. No fim, a denunciante não está apenas tentando resolver uma agressão a que diz ter sido submetida, mas ajudando a minorar um crime frequente, velado e subestimado e incentivando outras vítimas a tomarem a mesma decisão, enfrentando julgamentos por parte da sociedade, geralmente entranhados de um machismo ancestral , difícil de se combater.
Do lado da sociedade, o apoio aos vitimados é fundamental, no sentido de desarmar esta arapuca e fazer com que os agredidos se tornem acolhidos e não ridicularizados. Por outro lado, claro, a grande praça virtual em que se tornaram as Redes Sociais, transformou-se num meio essencial para impulsionar as denúncias, mas, também, um monstro de difícil controle. Reputações criam-se e destroem-se com a mesma velocidade e justificadas com aquela mesma superficialidade das conversas de botequim. Em 1994, em São Paulo, lembrem aí, a Escola de Base foi destruída por uma falsa denúncia de abuso sexual feita pela imprensa e, na época, as Redes Sociais ainda engatinhavam. Imaginem, hoje, com o impulsionamento robotizado e criminoso de Fakenews, o risco a que todos estamos submetidos.
Feita a denúncia , um direito de qualquer cidadão em se resguardar e buscar reparação, o processo se estabelece tanto a nível administrativo como civil. Órgãos de defesa da mulher abrem seu guarda-chuvas e o julgamento deve seguir o mais célere possível nas duas esferas. O grande conflito é o do pré-julgamento a que o acusado é submetido, A Internet se torna, rapidamente, um Fórum midiático . A presunção de inocência, direito sagrado de qualquer cidadão acusado de crime vai pro beleléu. No primeiro momento, ele já é considerado culpado, mesmo no caso específico com um acusado sem quaisquer antecedentes na sua conduta. Ele será levado à guilhotina social, independentemente de provas ou de parecer final do judiciário. Se , por acaso, transitado em julgado, muitos meses ou anos depois, for considerado inocente, como recuperar a sua vida profissional, pessoal, social que foi estraçalhada durante o processo ? Quem lhe devolverá a honra, o emprego, as relações sociais levadas ao esgoto ?
No caso específico do Crato, existe ainda o agravante político. A vítima é servidora municipal e o grande tsunami que se formou não engole apenas o pretenso agressor, mas invade os gabinetes do Palácio Alexandre Arraes, molhando o tapete e os birôs de pessoas que não têm responsabilidade direta na questão. Por outro lado, num país tão polarizado, a oposição lança farpas para todo lado, aumentando o fogo já instalado. Lembrar que políticos, geralmente, não têm qualquer compromisso com a verdade. Apenas na verdade que lhes interessa. Pensam apenas nos seus interesses pessoais e estratégicos. O indignado de agora, se se tratasse de alguém a ele ligado politicamente, teria um discurso totalmente diverso, pedindo até a canonização junto à Santa Sé do acusado de assédio.
No meio disso tudo , ferida nessa guerra de narrativas e interesses , está a denunciante e também o denunciado. Que a vida lhes seja devolvida. Que a justiça dê a última palavra e , havendo culpado, ele responda por seus atos. Mas que, também, lhe seja dado o amplo direito constitucional de defesa e que não seja levado ao cadafalso físico e moral, antes que o poder judiciário dê a sua palavra final. Isso é o que se espera de uma Democracia tão agredida, vilipendiada nos últimos tempos, mas que permanece viva e em vigília.
Crato, 05/09/25
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