sábado, 7 de janeiro de 2023

Poder, memória e esquecimento

 

                                                                       A luta do homem

contra o poder

 é a luta da memória

 contra o esquecimento.

                                           Milan Kundera

 

                        Quem observa de longe a Chapada do Araripe banha-se , facilmente, no verde majestoso e, tem a íntima impressão, que ali se encontra ela postada e imperial desde sempre. Nem percebemos que foram necessários milhares de anos para que se sobrepusessem camadas sedimentares, pouco a pouco, numa deposição lenta e calculada, para que a Chapada pudesse ser vista hoje por nós em sua plena grandiosidade. Assim é na vida, nada surge do nada, por geração espontânea. O topo do edifício onde você consegue contemplar toda a paisagem circundante, precisou ser construída desde os alicerces, etapa por etapa, andar por andar. O novo é tecido com fios do passado.

                        Antes, porém, que  as sucessivas camadas que precisaram ser justapostas  sejam jogadas no sótão da história, gostaria de contar um pouco   da construção paulatina das fases que precederam à suntuosidade do prédio. O Rádio no Brasil tem 100 anos, o do Crato 70. A primeira rádio cearense a Ceará Rádio Clube foi fundada por um libanês radicado em Crato, em 1934. São muitos e muitos personagens que ajudaram a construir o espigão.  O Programa de Rádio “Saúde Direito de Todos” é apresentado desde 1985, na Educadora, aos sábados, no horário de 11 às 12 h.  Está, pois, há 37 anos no ar e, há pouco, completou mais de 2000 apresentações na emissora. O programa precedeu a instalação do SUS e fez-se um importante elo na luta local pelos direitos amplos à saúde que viriam, como conquista,  com a Constituição de 1988. Foi uma iniciativa da então  APROSC – Associação dos Profissionais de Saúde de Crato -- , continuando suas atividades mesmo depois da desarticulação da entidade classista. Vários profissionais do Rádio estiveram envolvidos na produção do programa como Coracy Rocha, J. David, Jesus Almeida, Almeida Jr., Nacélio Aguiar, Roberto Barreto, Heron Aquino, Seu Zezé. Sem atores tão importantes teria sido impossível manter o programa por tantos e tantos anos. Contamos ainda com a colaboração de incontáveis profissionais de saúde de Crato, nas suas mais diversas especialidades, sempre prontos a nos ajudar na programação semanal. Durante o período dos surtos de Dengue, Cólera e, ultimamente, a pandemia da  Covid-19, acreditamos que o Saúde Direito de Todos contribuiu, sobremaneira, na luta contra as moléstias, com a preciosa arma da Informação. Fiz-me seu principal apresentador, nos últimos trinta anos. Contamos, sempre com a cooperação valiosa da direção da R.E.C. nas suas mais diversas fases: Pe Gonçalo, Geraldo Correia, Pe Joaquim Ivo, Pe Teodósio Nunes, D. Vicente Matos, D. Newton Gurgel, D. Gilberto Pastana. E, o mais relevante de tudo: os nossos ouvintes, nas suas mais variadas fases, sem eles e suas participações o Saúde direito de Todos não teria qualquer significado. A eles meu abraço de despedida e meus agradecimentos. Desde seus primórdios, o Programa foi apresentado de forma voluntária, sempre imaginei que a Informação em Saúde fazia parte indissociável da minha atividade médica e era apenas uma pequena retribuição que eu dava à cidade e ao povo cratense pelo muito que sempre me deram. Coube sempre à emissora buscar meios publicitários para cobrir os gastos da produção, o que sempre pareceu pouco penoso, principalmente por conta da efervescência do setor saúde na região, com hospitais, laboratórios, farmácias, clínicas, médicos e paramédicos, lojas de materiais hospitalares e odontológicos. Apesar de semanal,  o Saúde sempre teve uma audiência expressiva o que talvez explique, em parte, suas credibilidade e longevidade.

                                    Por outro lado, desde 1996  pus-me a escrever a crônica semanal do sábado, veiculada de manhã por Antonio Vicelmo e, nos últimos anos, reprisada, no noticiário  do meio dia, por Fábio Lemos. Os textos fizeram parte do diário de bordo da cidade, nos últimos vinte e seis anos. Alguns poéticos, outros irreverentes, outros reflexivos, muitos com caráter político , críticos às nossas eternas chagas nacionais e municipais. Os textos redundaram em dois dos meus livros ( “Matozinho vai à Guerra” e “A Delicada Trama do Labirinto”).  A bem da verdade, como laico, preciso firmar que nunca sofri qualquer pressão editorial da Rádio, nem censura. Sempre tive inteira liberdade de escolher os temas que acreditava serem mais pertinentes.

                            Há pouco soubemos da reestruturação da Rádio Educadora do Cariri, agora com nova administração na Diocese e na emissora. Sem informações mais claras e precisas sobre os novos rumos da grade de programação e com a dispensa de tradicionais apresentadores, entendemos, com o fito de evitar polêmicas outras e mal-estar, ser de bom alvitre devolver à Rádio Educadora os horários que gentilmente nos foram cedidos por tão largo período. Entendemos que os tempos são outros e as instituições precisam ajustar-se à mutabilidade incessante da vida.  Seguimos o Eclesiastes : “ Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou...” Chegados os tempos da poda e da broca, esperamos que os novos galhos renasçam ao menos com o vigor de outrora.  Agradecemos, penhoradamente, a parceria de tantos e tantos anos. Não há ressentimentos de nossa parte, paira-nos a tranquilidade do dever cumprido.  Fazemos votos de que a querida Rádio Educadora do Cariri continue sua missão de mais de seis décadas de informar, educar, evangelizar e alegrar o povo Kariri.

Crato, 07 Janeiro, 2023

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