sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Esconde-Esconde

 


 

J. FLÁVIO VIEIRA

 

                               Era o ano de 2069. Matozinho já virara uma cidade  modernosa. Tinha mais de vinte ruas, uma agência bancária e até a igreja de N. S. dos Desafogados ganhara uma segunda torre que vigiava a vila, do alto,  como um periscópio. A novidade explodiu, justamente, quando começaram os trabalhos para estender os trilhos e dormentes da Estrada de Ferro que chegaria até Matozinho. Os matozenses, gabolas, até já cantavam vantagem quando viram a imponente estação  ferroviária da RFFSA começar a se erguer na entrada da cidade. Mas aí aconteceu o fenômeno. Ao derrubar uma barreira próxima ao açude do Sabugo, deram com uma descoberta arqueológica comparável à Descoberta da Tumba de Tutancâmon. Como não existiam mais testemunhas vivos que desvendassem os meandros da descoberta, foram ter com a única possibilidade de aclarar o mistério. Representantes da companhia ferroviária e o prefeito  Umercindo Piau procuraram o velho Xilderico Penteado,  já centenário, mas com uma cabeça melhor do que de alguns meninos que ainda mijavam nos coeiros como ele.

                        Xilderico assuntou, assuntou, olhando para o cimo da Serra da Jurumenha como quem procura disco voador. Passados alguns minutos, cobrou sentido e explicou com uma voz semitonante própria das mais de dez décadas que o perseguiam:

                        --- Pelo que me alembro, acho que o que vocês acharam é resultado do Primeiro Campeonato Matozense de Esconde-Esconde, acontecido no finzinho de 2021. Eu , rapazote, participei, me atrepei numa Timbaúba lá pras bandas de Bertioga, mas me encontraram  uns três dias depois, pois tive que descer pra procurar alguma coisa pra comer. O vencedor foi Chico de Tudinha que se escondeu dentro de uma cacimba e só saiu quinze dias depois, sobrevivendo com umas bananas que tinha levado e bebendo água no porão, feito caçote.  No segundo campeonato, em 2022, ele se escafedeu, escondeu-se tão bem escondido que ninguém nunca mais encontrou. O que foi mesmo que vocês acharam, na barreira que caiu perto do açude do Sabugo?

                        O pessoal da RFFSA, então, mostrou as fotos. Tinham encontrado numa espécie de túnel, uma caveira de pé, em posição de sentido, como se estivesse em Parada de 7 de Setembro, e no pescoço dependurada uma fita, tendo na ponta uma Medalha dourada e lá escrito:

                        --- Campeão de Esconde-Esconde. II Campeonato Municipal Presidente Bolsonaro– Matozinho /2022 !

                        Xilderico, então, com olhos brilhantes, examinando as fotografias, concluiu. Finalmente desvendado o mistério  do desparecimento de Chico , que já durava mais de quarenta anos ! Ele era um craque no esporte que abraçara, tanto que conseguiu ficar escondido por tanto tempo, sem ninguém  dá notícia do homem, nem Tudinha !

                        O prefeito  Umercindo Piau agradeceu a ajuda valiosa do velho Xilderico na elucidação do caso. Mas tinha uma curiosidade. Quem diabo era esse tal de Presidente Bolsonaro que dava nome ao campeonato e o porquê de tamanha honraria ?

                        Xilderico, puxou pela memória e esclareceu:

                        --- Era um presidente do Brasil meio tantã, gabola, zoadento, caga-goma e metido a cavalo-do-cão. Batizaram o Campeonato de Esconde-Esconde com o nome dele, porque, depois que ele perdeu uma eleição, levou uma surra danada e saiu com o rabo entre as pernas e ganindo : Cãin, Cãin, Cãin...   desapareceu, entrou num buraco e ninguém nunca mais viu o cara. Ficou mais escondido que mulher de pistoleiro que vira quenga de pastor.  

Crato, 11/11/22

 

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