sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O Natal de Héctor

 


O menino Hector mora em Arroio Grande,  no Rio Grande do Sul. Uma cidadezinha de pouco mais de vinte mil habitantes , fronteiriça com a Argentina. Ali nasceu, também,  o Barão de Mauá, um dos maiores industriais, armadores e banqueiros do Brasil do Período Imperial. Este finalzinho de ano,  o nosso Hector fez um pedido inusitado ao Papai Noel que parece uma clara logomarca dos tristes e sombrios tempos bolçais em que vivemos.  Um bilhetinho , escrito a lápis, em papel timbrado do seu caderno.

“Papai Noel,

Meu sonho é ganhar uma carne para

 passar com minha família.

Tenho 07 anos.

Muito Obrigado, Papai Noel.

Hector”

                        A mãe, Patrícia Braz, compartilhou o desejo do guri nas redes sociais. Ela sabe que estes são tempos em que se guarda carne em cofre de segurança. E, como dizia o nosso Padre Vieira, A carne não é fraca, , fraco é quem não come carne.   O piá  mora na casinha com os pais e mais três irmãos . Hector tomou esta rápida decisão ao ser informado que, no Natal, este ano, não teriam churrasco, uma calamidade pública em se tratando de famílias gaúchas. Com a pandemia da Covid e a epidemia bolsolóide, a família de Hector vinha passando por sérios apertos nos últimos anos. Com boletos atrasados, a mãe precisou utilizar a internet de uma comadre para colocar o bilhete de Hector em redes sociais. Para sua surpresa, choveram doações de alimentos e em dinheiro que ultrapassaram mais de oito mil reais. No final de ano, os corações parecem mais brandos e sensíveis. O Natal dos Braz promete ser um dos mais fartos dos últimos anos.

                        Irineu Evangelista, o Barão de Mauá e o nosso Hector são conterrâneos. Distâncias astronômicas os separam. Cronologicamente, dois séculos exatos se interpõem entre o nobre do império e o garotinho do bilhete. O nosso Mauá foi um pioneiros em várias áreas econômicas brasileiras: montou o primeiro estaleiro, a primeira fundição de ferro, a primeira ferrovia de Pindorama e criou o terceiro Banco do país. Tornou-se o primeiro grande industrial brasileiro. Hector, duzentos anos depois, vive o desalento de um país que diz-se do futuro, mas sempre perseguido e a cada dia mais inatingível. Junto com mais vinte milhões de habitantes,  o nosso pimpolho vive em insegurança alimentar. Sim, esse é o nome pomposo que agora inventaram para denominar aqueles que passam fome. Como dizia o nosso José Américo de Almeida: “Há uma miséria maior do que morrer de fome  no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã”.

                        Ficamos felizes e emocionados com a realização de Hector nestas festas do ciclo natalino. O menino lançou sua garrafinha com a mensagem num mar virtual  e conseguiu sensibilizar, com a pureza das suas cristalinas palavras, muitos corações mundo afora. Teve ainda a sorte de viver num estado do Sul que tem caixa de ressonância. No Norte e Nordeste, os gritos são sufocados e as lágrimas evaporam rapidamente sob o efeito do sol. E , mesmo assim, daqui um pouquinho, o induto de Natal passará e os sentimentos, novamente, se cobrirão de sua couraça magmática. Os boletos da família Braz continuarão a persegui-la sem trégua e os prazeres da carne terão que esperar, com sorte,  um outro Natal.

                        Para que Hector não precise passar a vida escrevendo outros bilhetes ao Papai Noel é preciso resolver a distância incomensurável que o separa do seu conterrâneo o Barão de Mauá. Por que duzentos anos depois, nada mudou e alguns continuam esbanjando o supérfluo e outros persistem em ter que pedir a Papai Noel pelo essencial ?

 

Crato, 17/12/2021

                          

Nenhum comentário: