sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Horinhas de Descuido

 


J. FLÁVIO VIEIRA

 

                        “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”

Guimarães Rosa

 

                               Estudo patrocinado pelas Nações Unidas,  desde 2012, este ano elegeu a Finlândia, pelo quarto ano consecutivo,  como o “País Mais Feliz do Mundo”.  O Gallup entrevista  habitantes e perguntam-lhes sobre sua percepção de felicidade, cruzando com dados estatísticos como PIB, liberdade individual, corrupção, IDH. A Finlândia goza de um padrão de vida muito elevado, serviços públicos eficientes e muitas florestas e lagos. O país também está muito bem posicionado em termos de solidariedade e na luta contra a pobreza e as desigualdades. Dos dez países tidos como mais felizes, nove são europeus. Das Américas, a Costa Rica foi o melhor colocado em 16º lugar. O Brasil ficou na 35ª colocação e o Afeganistão foi o último da escadinha, acompanhado da Índia e de muitos países africanos.

                        Importante balizar a sensação de felicidade  com o bem-estar social oferecido pela Sociedade  em que vivemos. Sonhamos todos com um Estado, pago com nossos impostos, em que toda a população tenha acesso à Saúde, Educação, Emprego e Renda,  Segurança de qualidade. Que a Justiça não use óculos e que os cidadãos não existam em infinitas categorias. Sabemos ser impossível a igualdade econômica, mas é imprescindível a igualdade de oportunidades para todos, independentemente de cor da pele, de orientação sexual, de poder aquisitivo. Coletivamente é assim que mapeamos e catalogamos os países felizes.

                        A felicidade individual, no entanto, trafega por caminhos bem menos previsíveis. Ela independe de condições financeiras, de geografia, de posses , de credo. Postos no mundo,   vemos-nos, de repente, numa montanha russa e, na maior parte das vezes, não nos é permitido, sequer decidir o trajeto. Recebemos um mapa com tudo pré-determinado: cancelas, cercas, veredas, placas de sinalização. E até uma cartilha: Feliz é quem... Nos dia de hoje (segundo atualização feita) feliz  é quem consome. A cartilha me ensina que venturoso é quem usa a roupa de grife ( que dura a moda da estação) , quem tem o carro do ano( que muda todo ano), quem tem geringonças eletrônicas ( um modelo a cada semestre), quem pode comparecer a lugares chiques que se alternam rapidamente... Quem não tiver a chave desse Shangrilá... não tem razão de viver. A felicidade individual depende, sempre,  da altura que você coloca sua perspectiva de satisfação. E, a maior parte das vezes, é a própria sociedade que escolhe o píncaro para pôr a sua ventura e, mal você alcança o cimo, ela, caprichosamente, recoloca-a em um cume mais elevado.  A vida , assim, torna-se apenas um exercício angustiante  de alpinismo em busca de um zênite impossível de ser atingido.

                                    Talvez, por isso mesmo, seja tão difícil suportar a existência sem anestesia. Baudelaire já ensinava: É a hora de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes!  Alguns até substabelecem e diante da árdua tarefa projetam a bem-aventurança para outras encarnações.   E talvez, por isso mesmo, sejam tantos os que  desistem e pulam da montanha russa, em plena velocidade, num voo de Ícaro.

                                    Schopenhauer pregava que a vida resumia-se na oscilação  entre a ânsia de conseguir e o tédio de possuir. Talvez, nesta equação, a solução esteja  em diminuir o afã desesperador da conquista, procurar as sensações simples e primitivas, escondidas, caprichosamente, nas horinhas de descuido.

 

Crato, 13/08/2021

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