domingo, 9 de agosto de 2020

 

“Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.”

Adélia Prado

 

Sempre imaginei que os pais nunca deviam partir. Como os galhos da árvore se sustentariam sem o caule e as raízes? Como as flores ainda poderiam vicejar e os frutos crescerem, amadurecerem,  até saltarem do cimo para os esponsais misteriosos da terra ?  Quando meu pai partiu,  tive a profunda sensação de que , tombado o tronco, toda a árvore genealógica secaria. Só com o tempo descobri que a memória era uma seiva nutritiva e que mesmo invisível e impalpável continuava a alimentar a trajetória verdejante dos nossos galhos e das nossas folhas. Meus olhos não vêm , mas todos os meus sentidos pressentem que o velho Vieira está aqui pertinho e é ele que  marca, no relógio celeste a continuidade das nossas estações . Ele pinta   a multicolorida aquarela das nossas flores e dos nossos frutos. É ele que  debuxa de alaranjado o nosso céu, nos crepúsculos e auroras,  para que a gente tenha a certeza que a vida está sempre amanhecendo.  

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