sexta-feira, 13 de março de 2020

Abraço ou a braço ?



                Nestes dias, as redes sociais do país se viram tomadas por uma polêmica inusitada.  Foi um abraço a causa de toda a celeuma que pareceu mais revoltante para um segmento da população que o beijo de Judas. O professor e médico Dráuzio Varela , num programa de televisão, mostrou as precárias condições por que passam transexuais, ali pagando pena em presídios masculinos. No fim da reportagem, emocionado com a solidão de uma trans chamada Suzy, Dráuzio deu-lhe um abraço carinhoso, aquele mesmo que lhe vinha sendo negado , por muitos e muitos anos, por familiares e amigos. Os empedernidos combatentes dos direitos humanos postaram-se, rapidamente, em confronto com o Dr. Dráuzio, divulgando o crime hediondo que tinha levado a Suzy à prisão: estupro seguido de morte. Sempre é bom lembrar que o Dr. Dráuzio há mais de trinta anos presta assistência médica em presídios de São Paulo, ato este do mais puro voluntariado.
                                   Recuso-me a comentar o ódio de cachorro hidrofóbico que tomou conta de uma parcela da população. Não há possibilidade de se discutir racionalmente com hienas e aves de rapina. Entendo, perfeitamente, que a família da vítima venha a se sentir, de alguma maneira, desapontada pela solidariedade prestada ao algoz de um ente querido seu. Qualquer um de nós, colocado no mesmo divã, dificilmente teria uma atitude diversa. Acontece que a Suzy ali está presa há vários anos, pagando pelo crime cometido. Diferentemente de tantos e tantos criminosos de colarinho branco totalmente imunes à lei e blindados covenientemente pela justiça e por muitos políticos de plantão. A justiça, por sua vez, existe não como um instrumento de vingança , mas  como um veículo de autuação  a um ilícito cometido, com  o cerceamento de liberdade e  carrega consigo a responsabilidade do estado e a possibilidade  reformadora implícita.
                                   Por outro lado, sempre é bom lembrar ( e o Dr. Dráuzio frisou isso em  nota) que, como médico, não lhe cabe fazer julgamento de atitudes ou comportamentos. Cabe-nos a responsabilidade de tratar igualmente Jesus ou Hitler, com o mesmo cuidado , a mesma destreza e o mesmo carinho.  Na mesa de cirurgia, o meu bisturi deve ter a mesma perícia e delicadeza operando o assaltado ou o assaltante. O julgamento devo deixar a Deus e aos tribunais. Quem não tiver esse discernimento, não deve procurar exercer Medicina, pois, por mais estudo e empenho e perícia que possa ter, jamais poderá dizer-se médico. Poderá ter toda a Ciência do mundo , mas lhe faltará a Arte.
                                   Mas os cães raivosos não se conformam. Eles mesmos que defendem , abertamente, torturadores, crimes ambientais, massacre de indígenas e gays, queima de arquivos de milicianos, extermínio puro e simples de inimigos políticos, morte da ditadura e outras pautas pré-medievais, revoltam-se e destilam veneno ante um ato carinhoso de um repórter. Depois, curvam-se diante dos altares e dos pastores, na certeza de que são detentores de todas as poltronas do paraíso.
                                   Hoje,  que os outros abraços terminam sendo proibidos pelo Covid-19,  é sempre bom refletir que há mais cristianismo no ato do ateu Dráuzio Varela do que no ranço tradicionalista e cheio de mofo dos que apontam com dedos sujos, engatilham coldres e pregam o “Armai-nos uns aos outros”.  

Crato, 13/03/20

9 comentários:

Valéria Morais disse...

A mais pura verdade...realmente o atual Messias veio nos trazer uma grande revelação...veio com a importante missão de revelar a sociedade hipócrita que nos rodeia em pleno século XXI...será que enquanto houver gente vai haver hipocrisia? Acho que prefiro acreditar que o jóio está sendo separado do trigo, e cada um escolha o que prefere ser...

Valéria Morais disse...

A mais pura verdade...

Davi Ferreba disse...

Excelente texto. Parabéns, doutor. É importante frisar que o sistema carcerário brasileiro ainda é muito frágil em suas ações de reestruração do ser humano, haja vista a falta de políticas públicas para tal. Espero que isso um dia possa mudar. Todos têm direito de serem reinseridos na sociedade depois de pagarem pelos seus ilícitos. Precisamos, na verdade, de menos ódio e mais amor.

Prof. Davi Ferreba

Ana Maria Teles disse...

Como sempre o escritor se superou! Mais uma vez, faço questão de aplsudi-lo!

Unknown disse...

Pura verdade! Não sei se um dia verei um mundo mais humano e mais justo. A sua arte é uma das maiores bençãos na nossas vidas e o que mais amo é exatamente esse olhar sobre o ser humano no total e não classificando por certos esteriótipos que a sociedade impõe... Tenho verdadeiro asco de alguns profissionais meramente financiadas e não médicos...sou testemunhas de algumas decepções nessa área. Deus nos ajude e que o mundo se humanize mais e dêem flores no lugar de fazer armas com os " dedos sujos". Mais santo o homem que abraça do que muitos que dobram os joelhos e nunca baixam a cabeça...

Unknown disse...

* financista!

barbara disse...

Muito bem! você falou a mais pura verdade ante essa onda de hipocrisia que grassa o país.

jflavio disse...

Abraço a Bárbara, Valéria,Ana Maria, Davi e ao Unknown pelas observações. Obrigado pelo retorno !

Ana Maria Teles disse...

Sempre curto os textos do dr José Flávio!