sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Alderico - 100 Anos


                      “O talento do historiador consiste em compor um                                    conjunto verdadeiro com elementos que são verdadeiros                       apenas pela metade.”
                                                                          Joseph Ernest Renan
 

                   Há exatos cem anos, nascia na aristocrática Aracati, um dos mais importantes filhos do Crato. A frase pode parecer paradoxal, mas nosso local de nascimento não o podemos escolher, no entanto o cenário e o script da nossa vida é da nossa inteira responsabilidade e escolha. Pois foram os ventos do destino que aqui trouxeram o Prof. Alderico de Paula Dasmasceno, amparado pelo pai que veio trabalhar na RVC. No Crato se fez professor, dedicando os noventa profícuos anos da sua vida ao magistério e à formação de almas e mentes. Alderico era de uma personalidade forte e marcante. Hiperativo, inteligente, visionário ensinava uma História Crítica em plenos anos 50 e 60, como fiel discípulo do Padre Antonio Gomes, numa época em que o ensino de História Geral e do Brasil não se distanciava muito  das histórias da Dona Carochinha e de Trancoso. Alderico esmiuçava as raízes econômicas e sociais dos conflitos e das datas e tinha uma verdadeira ojeriza ao “Decoreba”. Incentivava seus alunos a pensar e refletir, sabia ser essa a função básica do professor, fugindo da simples cópia de verdades prefeitas e preconcebidas. Caçava os decoradores sem perdão. Ensinou nas principais escolas públicas e particulares do Crato, na Faculdade de Filosofia e depois na URCA.
                  Figura de múltiplas habilidades, o professor Alderico foi ainda um grande adepto da atividade física, dedicando-se, no magistério, também a essa área. Tinha uma grande capacidade física e , frequentemente, desafiava os adolescentes em exercícios, vencendo-os , em geral, com grande facilidade. Possuía uma força descomunal.  Foi ainda treinador de times de futebol, inclusive da seleção do Crato. Um dos primeiros técnicos a usar terno e gravata e o guarda-chuva que utilizava, em campo,  para indicar aos jogadores os momentos de atacar ou defender. Numa época em que o Brasil se destacava pelo Futebol Arte, Alderico foi um dos primeiros técnicos no Ceará a explicitar, abertamente, a importância do condicionamento no rendimento das equipes. Demonstrou, exemplarmente, a importância do combate ao sedentarismo na sua própria longevidade.
                  Ligou-se ao histórico PTB , nos embates políticos cratenses dos anos cinquenta e sessenta do século passado. Seus parcos recursos como professor eram dirigidos prioritariamente à compra de livros. Um dia a esposa, em protesto, colocou , no almoço,  um livro em cada prato, já que era aquela a única feira que ele vinha fazendo.
                  Alderico foi o mestre de muitas e muitas gerações de cratenses. Em geral, de início, seus alunos o detestavam: pela cobrança incessante,  pelo discurso aparentemente muito disperso, pelas atitudes tantas e tantas vezes tidas como intempestivas. Era um homem de arroubos e de paixões. O tempo, no entanto, terminava por demonstrar a importância dele na formação de todos  e o ódio plasmava-se rápido em adoração.
                  Os jogadores veteranos lembram-se da sua ansiedade como técnico e da cobrança nos exercícios. Nas paradas de 7 de setembro, Alderico organizava os pelotões, exigindo disciplina e cobrando cadência e ritmo das bandas de música.
                  Ele inspirou muitas gerações  de professores de História no Cariri. Depois dele, o decoreba ficou proibitivo. A História teve que fugir definitivamente das prateleiras dos Contos de Fada.
                  Um dia, a inexorabilidade dos anos ceifou o caule da árvore frondosa. Ali estava impávida há noventa anos à beira da estrada. Seus frutos continuam dispersos pelo chão, muitos fizeram-se sementes e multiplicaram o milagre da primavera. Suas flores, estranhamente, continuam imarcescíveis, como se o tempo não tivesse passado, oferecendo-se em cores e perfume aos que passam pela estrada.
Crato, 20/09/2019

7 comentários:

Unknown disse...

ZÉ FLÁVIO, TEADUZISTE PERFEITAMENTE O HOMEM MESTRE ALDERICO! TIVE O PRIVILÉGIO EM SER SUA ALUNA E COLEGA NO COL. EST. WILSON GONÇALVES E FACULDADE DE FILOSOFIA. GRANDE ABRAÇO MEU DOUTOR AMADO!

Natercia Terto disse...

Natércia. Assim como Zé Fávio, fui aluna do professor Alderico. Ele me chamava de Tortinha por causa do meu sobrenome, irmã de Zé Terto. Guardo lembranças maravilhosas do seu modo de ministrar suas aulas e nos tirar da inércia. Quando não chegávamos ao raciocio que ele deseja, esmurava o quadro ou esfarelava o giz , como que quisesse que o conteúdo penetrasse em nossa mente. Me apaixonei por História crítica. Isso devo a ele. Obrigada grande mestre.

Natercia Terto disse...

Natércia. Assim como Zé Fávio, fui aluna do professor Alderico. Ele me chamava de Tortinha por causa do meu sobrenome. Guardo lembranças maravilhosas do seu modo de ministrar suas aulas e nos tirar da inércia. Quando não chegávamos ao raciocio que ele deseja, esmurava o quadro ou esfarelava o giz , como que quisesse que o conteúdo penetrasse em nossa mente. Me apaixonei por História crítica. Isso devo a ele. Obrigada grande mestre.

Rogério Miranda de Almeida disse...

Bela crônica, antigo colega e amigo de sempre, José Flávio Vieira. Conteúdo rico de informações e reflexões, através de um estilo fluido, correto e gostoso de ler. A vida do nosso mestre recordada, sentida e tecida poeticamente. Assim como você, eu também tive Alderico como professor, que a mim também marcou para sempre.

jflavio disse...

Abraços aos amigos Natércia e Rogério, companheiros de longa data e viajantes próximos nesta mesma nau chamada vida ! Grande Alderico !

Paula Isabel Feitosa disse...

Que linda e merecida homenagem ! Não fui aluna dele lamentável mente não tive o privilégio. Era muito criança mas, curiosa, sabia do seu jeito exênctrico de dar aulas pois, muitos comentavam e Eu achava o máximo. Como minha casa ficava próxima a que ele morava, tive o privilégio de vê-lo discutindo política com algumas pessoas, falava alto, imperativo, me lembrava o jeito de Brizola. Me disseram que na sua pasta tinha de tudo um pouco, inclusive vela pois, que uma vez, concluiu sua aula a luz de vela . Isso é realmente representativo, não só clareava o ambiente mas também, como está escrito no brasão da universidade, levou luz para a vida de muitos . Sem dúvidas é um privilégio para o Cratense, poder homenagear seu filho de coração, um homem que marcou com sua inteligência e jeito exênctrico, a educação e formação de muitos Caririenses.Bravoooo !!

jflavio disse...

Abraço, Paula ! Ele era uma figuraça !