segunda-feira, 15 de abril de 2019

Semeador de horizontes, descortinador de futuros


Nesse último dia onze de abril, comemora-se o centenário do professor José do Vale Arraes Feitosa. As gerações mais novas, ávidas e prenhes de presente,  talvez nem venham a se sensibilizar com as cinzas de um passado, mesmo que dourado e glorioso. O professor Zé do Vale foi um ícone da educação caririense entre os anos 1950-1970. Nascido nas vastidões áridas dos Inhamuns , veio bater nos pés de serra do Crato, empanturrando-se dos ensinamentos do Seminário São José. Aqui casou por duas vezes, teve  filhos, investiu-se das nobres funções  de educador e administrador escolar, formando inúmeras gerações de jovens no Colégio Diocesano,  Estadual Wilson Gonçalves e no Colégio Agrícola, hoje IFCE e , por fim, na “extrema curva do caminho extremo”, escolheu esta cidade como sua derradeira morada. Neste sábado, familiares, colegas, ex-alunos, amigos reúnem-se para comemorar, com vasta e diversificada programação,   os cem anos de um dos mais importantes educadores que já perlustraram o sul cearense.
                                      O mestre carregava consigo qualidades  humanas e científicas difíceis de se reunir em um só vivente. De origem humilde, conseguia enxergar as dificuldades quase que intransponíveis que se antepõem diante dos alunos mais pobres. Percebia que careciam de tolerância extrema, de cuidados especiais e paciência redobrada para conseguirem se desvencilhar da areia movediça social em que tinham, secularmente, sido  atirados. Desdobrava-se , por sua vez, em transpor os próprios obstáculos da Escola Pública, cuja incúria e crônica falta recursos não existiam por mero acaso, mas como bem definiu Darcy Ribeiro, eram sempre um tenebroso e multi secular projeto governamental. Zé do Vale conseguia ter autoridade, sem autoritarismo nenhum, era doce e carinhoso em todas suas ações, talvez, por isso mesmo, fosse sempre profundamente admirado e querido por todos seus alunos. Sempre é bom lembrar que o ápice da sua atividade educacional transcorreu em plena Ditadura Militar de 1964, quando estudantes e líderes políticos de oposição eram caçados literalmente no país e trucidados em praça pública ou nos porões do DOPS. O professor manteve-se impávido nas suas funções, fugindo do autoritarismo então imposto de goela abaixo, ciente de que a dialética, o conflito de díspares pensamentos e ideias perfazem , sempre, a essência da liberdade e da Democracia.
                            No dia de hoje, assim, não se celebra apenas o centenário de um Educador pleno e completo, um semeador de horizontes , um descortinador de futuros. Concelebramos a existência de toda uma geração de educadores: Vieirinha, Luiz de Borba Maranhão, Padres Ágio e  Davi Moreira, Sílmia Sobreira, Maria dos Remédios,  Alderico e Agnelo Damasceno, Adalgisa Gomes, Prof. Felix, Ivone Pequeno e muitos e muitos outros. Todos eles sabiam-se transformadores de realidades, catapultadores de    habilidades, formadores e moldadores de caráteres,  muito mais que meros explanadores de matérias e disciplinas. Toda essa geração de profissionais entendia a capacidade única e redentora da escola pública de qualidade e sabiam-na com instrumento único de dirimir seculares desigualdades sociais; de fazer com que a escravidão fosse definitivamente apagada das nossas relações humanas, bem além da Lei Áurea; de construir uma sociedade banhada em ideais de fraternidade , um Brasil  de cidadãos e não de párias e de bramas. Hoje, reverenciamos esse sonho, num momento crítico de nossa história , quando vozes tenebrosas afiam lâminas, engatilham coldres,  preparando-se para novas temporadas de caças. Quando celebramos Zé do Vale e toda essa plêiade de educadores caririenses , enaltecemos suas memórias, mas principalmente festejamos a vida, a esperança, uma luz que mesmo hoje bruxuleante tem o poder de incandescer em feitio de estrela candente  e de sol abrasador .

Crato, 12/04/19    

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