sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Desordem sem Regresso


Alguns dias atrás, assistimos aflitos,  ao incêndio que consumiu em chamas o Museu Nacional, uma instituição de mais de duzentos anos e o baú que acolhia os documentos mais importantes da memória brasileira. Em meio ao burburinho e às faíscas, procurando lacrar a porta depois de perpetrado o furto, começamos a compreender a enormidade da perda e enxergar possíveis culpados na tragédia que nos batia à porta. Governistas lançavam seus dardos envenenados no governo anterior, derrubado num golpe político-judiciário, sem nem reconhecer que com isso levaram ao poder a maior excrescência política desde que por aqui aportaram as caravelas lusitanas. A oposição entregou o troféu abacaxi nas mãos do atual desgoverno, já assoberbado de medalhas mil: maior entreguista, maior demolidor de conquistas sociais e trabalhistas e líder inconteste das malas de dinheiro espúrio.  Em quem deve cair a carapuça ?
                                   O grande Darcy Ribeiro dizia que  a má qualidade da educação no Brasil não é mero acaso, mas um projeto planejado, azeitado e executado meticulosamente geração após geração. Que interesse teriam nossos pútridos governantes em educar a população, acordá-la da sua letargia se isso, imediatamente, faria com que não mais elegessem seus opressores ? E o pior é que este projeto é autossustentável e se retroalimenta.  Péssimas condições da escola pública, baixo salário dos professores isso é um programa milimetricamente calculado com fins de eleger as mesmas classes dominantes e manter a população mais desfavorecida  do país na obscuridade. “Pobre só precisa aprender a consertar fogão !” -- afirmou , recentemente, um  dos candidatos a presidente.  Com a Cultura não é diferente. Ela, como a Educação, tem essa capacidade libertária, essa possibilidade de cortar amarras e quebrar grilhões. Povo educado, povo culto é totalmente avesso a cangas, vacinado contra qualquer tipo de cabrestos.
                                   O incêndio criminoso do Museu Nacional não é uma mera fatalidade, um corriqueiro acidente. Ele faz parte do projeto elitista de destruir o país, de incinerar a memória de genocídios como o indígena, o da escravidão, o de Canudos. Passado incinerado, as mesmas hecatombes de outrora podem se repetir agora sem remorsos. Um outro objetivo  é fazer apagar tudo aquilo que possa se consubstanciar como identidade nacional. Fica , assim, mais fácil entregar ao capitalismo mundial nossa indústria, nosso petróleo, empresas estratégicas como a EMBRAER , a EMBRATEL,  a Base de Alcântara.
                                    E o problema não se restringe ao  que foi o Museu Nacional. As muitas entidades culturais brasileiras estão sendo jogadas na mesma sucata. Teatros fecham, salas de cinema se reduzem aos shoppings, que são imunes à pobreza. Basta ver aqui em Crato a situação do nosso Museu Vicente Leite fechado há vários anos, sem nenhuma perspectiva de reativação, com um valiosíssimo acervo que incluiu quase que a pujança das artes plásticas caririenses do Século XX, em risco iminente e continuado de degradação. Nosso  teatro municipal , que nunca mereceu esse nome, está fechado desde a gestão anterior, sem nenhuma previsão  de reabertura. O Centro Cultural do Araripe , na REFESA, encontra-se paralisado há anos, sem programação estabelecida, vivendo de esparsos e raros eventos. Duas salas de cinema prometidas com alarde, com verba federal liberada, nunca chegaram sequer a ter suas paredes levantadas  em toda a “fenomenal” administração anterior e nem nessa que herdou , aparentemente, a mesma apatia e letargia.
                                   O Brasil, em marcha ré,  está prestes a voltar a ser uma Pindorama, só que agora já sem o pau brasil, o ouro, os diamantes, a cana de açúcar. Um mero aglomerado de  povos díspares, sem identidade nacional, aculturado, sem nenhum sentido de nação. No pendão nacional a frase positivista deve ser substituída por : “Desordem sem Regresso”. Nosso futuro é uma arma quente.

Crato, 21/09/2018  

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