sexta-feira, 13 de abril de 2018

Agridoce




                                               Nordestinos, somos seres de duas estações. O pêndulo das nossas almas cicla entre estes dois polos: verão e inverno. Vezes no gris do estio, vezes no verde da invernada.  Para nós,   tempo bom significa relâmpagos, trovões e torreame. Nossos corações, órfãos de estações,  primaveram com as chuvas e outonam com o sol abrasador. Divididos entre o alento e o desencanto, as intempéries da seca nos abatem mas não nos derrubam. A tristeza da estiagem sempre será recompensada pela alegria multiplicada da futura fertilidade invernosa. O nordestino sabe que a felicidade está guardada mais na esperança rediviva do que no paiol com seus cíclicos movimentos de cheio-vazio.
                                   Enfrentando os verões, por vezes sucessivos, nosso espírito acinzenta-se como toda a natureza, mas, nos primeiros pingos  promissores de chuva,  saltamos da terra como os sapos, levantamos voo como as tanajuras, florescemos igualzinho aos marmeleiros. O matuto, calejado e temperado  nos rigores do clima, não se exaspera fácil. Carrega consigo aquela resignação quase mineral dos rochedos. Aprendeu com os juazeiros, com a palma, com os mandacarus , as lições  do florescer e do resistir. Às vezes, pode até parecer morto, seco e desfolhado como os umbuzeiros em outubro. Mas aquilo é sempre um recuo tático, uma sofisticada estratégia bélica. Nas raízes,  guarda a essência líquida da sobrevivência e, nos primeiros borrifos de chuva, cobrirá, rapidamente, a nudez, com o verde fosforescente do   vestido de gala , próprio para a festa que se anuncia.
                                   Nordestinos, compreendemos também as aulas da economia e da parcimônia. Neste pêndulo, o exagero de hoje pode significar a escassez do dia seguinte. Apesar de tudo, o matuto depreende que somos todos passageiros de uma mesma arca e que não há côdea de pão que não possa ser dividida em múltiplos pedacinhos para o regalo de muitos. Há mais solidariedade na escassez  do campo do  que na fartura do arranha-céu.  
                                   Talvez, escanchados nesta vida pendular, terminamos por entender que a felicidade não é um adereço de superfície , como uma maquiagem. Verão e Inverno , como crepúsculo e aurora, tornam-se apenas fases do ciclo natural de nossas vidas. Na roça, aprende-se a valorizar os mais simples frutos que a existência faz brotar na nossa colheita. Por que se exasperar ? O amargor de hoje é tão somente o prenúncio do mel que provaremos amanhã. E o contraste agridoce transforma-o numa iguaria  mais leve e saborosa ! A treva faz-se apenas a esperança do albor que já começa a esticar seu pescoço na linha do horizonte. Se hoje acordamos verão, de noitinha adormeceremos inverno. A vida fica mais una na dualidade das estações.

Crato, 13/04/18   

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