sexta-feira, 28 de julho de 2017

Placenta


J. FLÁVIO VIEIRA



                                   Não se engane não , amigo: não há qualidade neste mundo que não carregue amorcegada consigo sua dosezinha de  defeito. Para cada face visível de nossas luas,  há sempre uma outra oculta e menos brilhante. Assim,  os feios , por mais incrível que possa parecer, carregam consigo uma grande vantagem em relação àqueles que foram agraciados com a beleza. A princípio , os papangus apanham de goleada : perdem a maior parte das conquistas amorosas para os bonitões de plantão, principalmente na adolescência quando o apelo físico se mostra sempre mais pujante. Com o tempo, porém, os feiosos começam a ganhar terreno. É que o tempo é inexorável para com a beleza. À medida que saltam as rugas, que as pelancas substituem os músculos, que a força gravitacional prevalece, o impacto é terrível naqueles que um dia já ornamentaram as ruas e os bailes com sua vivacidade  bela e juvenil. Nos que sempre se afastaram dos ideais estabelecidos da beleza física, por outro lado, o contraste é mesmo perceptível. Entre o horroroso e o belo existe um abismo; entre o feio e o muito feio, uma levada :  as fronteiras são menos delimitadas.

                        É claro que com o passar do tempo, a lei de Vinicius de que a beleza é fundamental, começa a ganhar novas nuances. Vencida a adolescência, todos ficamos mais pragmáticos e passamos a avaliar outros tipos de beleza além daquela eminentemente física. Atributos outros compõem alguma coisa que poderia ser definida como charme : bom humor, bom papo, inteligência, condição financeira, equilíbrio emocional. As forças de atração entre os sexos começam a ser estabelecidas por novos critérios, dependendo dos valores e aspirações de cada um. A beleza física, no entanto, por ser a mais claramente visível , estampando-se como um outdoor , a priori, permanece como uma das forças mais importantes nesta soma vetorial. Os  feiosos , assim, precisam se desdobrar e carregar os cartuchos com outros atributos, sob pena de se verem relegados profissional e amorosamente; mesmo sabendo que o tempo joga no seu time.
                        Em Matozinho, havia duas figuras da política local tidas como horripilantes. Um deles era o prefeito Olegário Jurubeba. Baixinho, corcunda, vesgo, com a cara picotada de espinhas, puxava ainda de uma das pernas. Tinha o apelido de “Placenta”. Rezava a mitologia local que só havia uma explicação para tamanha feiúra : a mãe de Olegário era meio cega e, quando o filho nasceu, jogou no mato o menino e criou a placenta. A outra figura era o presidente da Câmara Municipal : Adelino Castriciano. Alto, desengonçado como um boneco de Olinda, tinha os olhos a meio pau e um nariz adunco como um tucano.  Diziam todos que para ser chamado de feio ele precisava ainda melhorar muito. Por razões óbvias carregava o epíteto de “Briga de Foice”.
                        Semana passada , D. Minervina, uma lavadeira pobre de Bertioga, dirigiu-se à prefeitura de Matozinho. Pretendia conseguir um emprego de gari para o filho. Conhecia os dois personagens apenas de nome. Soube que andavam cadastrando pretendentes ao cargo e partiu para lá. Tonho, o filho de Minervina, não dava um prego numa barra de sabão. Estava já com quase trinta anos e quando falavam em Trabalho ele, imediatamente, ficava todo suado, tonto  e passava mal. Pois a lavadeira chegou à prefeitura e se informou onde podia falar com  Olegário Jurubeba. Um secretário sonolento disse que ela procurasse na segunda porta , no fundo do corredor. Minervina quis, imediatamente , saber como identificar o homem,  pois podia ter outras pessoas lá e ela queria demonstrar, de início, já uma certa intimidade com o edil. O secretário da prefeitura foi bastante didático:
                        --- Abra a segunda porta e procure lá o homem mais feio que a senhora encontrar : ele é o prefeito !
                        Minervina seguiu a orientação dada. Ao se aproximar da segunda porta indicada, porém, deu de encontro com  Adelino Castriciano, o presidente da Câmara, que tinha ido resolver algumas pendências com a autoridade máxima do município. Assustada, vendo aquela figura horrorosa, parecendo mais um fiofó com cãimbra, entendeu imediatamente que era aquele a quem procurava:
                        --- Seu prefeito, eu vim de Bertioga e precisava falar um negócio com o senhor !
                        Adelino, então, explicou que não era o prefeito, que era vereador. Minervina, desapontada, deu meia volta e desistiu. Quando passou na recepção da prefeitura, o secretário admirou-se da rapidez da audiência e perguntou :
                        --- A senhora falou com o prefeito ? Achou a sala ?
                        Minervina, então, explicou a desistência:
                        --- Não, Deus me livre ! Eu desisto ! O senhor disse que eu procurasse o homem mais feio que encontrasse. Falei com um ali que parecia um caititu com convulsão e ele disse que não era o prefeito. Mais feio do que aquilo, desculpe, meu senhor, eu num tenho coragem não ! Deve ser um bicho com sustança de feiúra pra assombrar uma casa com três cozinhas e uns dez quartos !   Zulive ! Vôte !

Crato, 28 de Julho de 2017

  

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