sexta-feira, 7 de abril de 2017

Um Botão de Manacá




                                              
Um botão de manacá  pende por sobre uma pequena rocha no campo . Ele está grávido como uma promessa, pulsante na sua potência reprimida.  Resigna-se, por um lado,  sentindo-se apenas a perspectiva da florzinha vindoura. Está naquela encruzilhada dúbia e pétrea que a manieta entre a semente e o fruto. As borboletas livres e multicoloridas , adejam entre as rosas e, distantes do impasse existencial do botãozinho, já sonham com as pétalas que eclodirão daqui a um pouquinho ; do perfume que inundará a paisagem; do orvalho que pairará por entre as flores, atraindo os raios solares para o milagre refratário do arco-íris. O botão, as borboletas, os colibris  apenas aguardam o desenlace irremissível e  mágico do milagre. Como os sapos que hibernando sobre a areia esperam o clique da chuva no interruptor do sono e da vigília.
                            Imantados do ciclo natural da vida, do moto-contínuo dos solstícios e equinócios,  percebem, sem ânsia e sem atropelos,  que o botãozinho logo mais eclodirá inundando o mundo com seu aroma e seu colorido. Dias depois, o pólen  será espargido ao mundo pelas borboletas, difundindo o sêmen criador;  logo depois, a florzinha  murchará, as pétalas ressequidas cairão uma por uma na terra , adubando o solo e realimentando o manacá nas futuras frutificações. Há uma mão invisível lançando o bumerangue da vida, entre auroras e crepúsculos, primaveras e verões, entre o grão e o pomo,  o gênesis e o apocalipse.  
                            A rocha, próxima ao broto pendente, a princípio, pode empanturrar-se  de empáfia, arvorando-se ares de eternidade. Afinal está ali fixa , estática e praticamente com a superfície imutável há séculos e séculos. Vestiu-se apenas de algum limo no transcorrer de muitos anos. O botão do manacá , fatalissimamente, na sua mutabilidade, se trajará de cores, se borrifará de perfumes inebriantes para um baile único , fugidio e efêmero.  A rocha, na sua louca presunção, nem sequer percebe que o desaparecimento do botãozinho, após a festa , é apenas momentâneo e que ele voltará , logo depois, multiplicado, trajando muitos outros vestidos e adereços para o sempiterno bailado da existência. É que a vida monta-se na mutabilidade,  no corcel arrisco do efêmero. Viver é continuamente trocar roupas e figurino para o ininterrupto bailado da vida.
                            O Cariri, nesta semana, se viu chocado e entristecido quando uma das flores mais almiscaradas do seu manacá feneceu e caiu por terra. D. Newton havia preenchido de cor e aroma nossa paisagem urbana por muitos e muitos anos. Chegamos a imaginar que , como a rocha do nosso jardim, seria imarcescível.  Esquecemos, por um momento, que a vida carrega consigo , como irmã siamesa, a mutabilidade que se nutre do transitivo e do fugaz. Abatemo-nos ante  a flor despetalada, mas é preciso entender que a árvore continua firme e intacta e que o pólen acabou de ser distribuído copiosamente pelos campos opimos.  Seu exemplo, sua lembrança, seu testemunho humano continuarão brotando nos nossos pés de serra, encantando-nos com suas cores e com sua fragrância.


Crato, 07/04/17

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