sábado, 20 de agosto de 2016

Um Ninho de Mafagafes


"Não ir ao teatro é como fazer a toilette sem espelho."
 Arthur Schopenhauer

                                   O Teatro acompanhou de perto a história caririense. Cem anos após a Missão do Miranda já tínhamos por aqui a Sociedade Melpomenense de Teatro, em plena atividade. Nos  primeiros vagidos do Século XX , o pernambucano Soriano de Albuquerque fundaria o Grupo Teatral “Romeiros do Porvir” , com teatro montado na Rua Grande em Crato. Outras salas apareceriam na Rua do Fogo e na Sociedade São Vicente de Paulo, na Praça da Sé. Nos anos quarenta, Waldemar Garcia , cratense, o maior nome do Teatro cearense no Século XX, fundaria o Grupo de Teatro Amadores Cratenses  e , em Juazeiro, já funcionava um Teatro Escola, encabeçado por Menezes Barbosa. As três décadas que se seguiram  viveriam, basicamente, do teatro estudantil e de alguns  visionários e abnegados  . O advento das Mostras Cariri das Artes, já nos anos 90, parece ter feito despertar, novamente, as Artes Cênicas no Sul do Ceará.
                                   Esta pequena síntese  histórica brota  da necessidade de entusiasticamente contextualizar as artes performáticas  na nossa região, quando terminamos por assistir ao espetáculo “Poeira” do Grupo Ninho de Teatro aqui do Cariri. O Ninho com sua força gravitacional congregou atores , atrizes , diretores inspirados, que há mais de dez anos vinham, obstinadamente, trilhando o difícil e árduo caminho de fazer um teatro de qualidade, mesmo diante dos terríveis obstáculos das verbas exíguas, da ausência de Secretarias de Cultura  e do amadorismo.  Acompanho, como amante dos palcos, a evolução vertiginosa do Grupo que, dia a dia, terminou por se vivificar como um dos mais importantes de todo o estado do Ceará. Eles fazem Arte como missão e vocação e sabem , como dizia Cacilda Becker, que Teatro não é negócio, sempre dá prejuízo contábil, mas que os ganhos auferidos vão muito além de um simples Código de Barras.
                                   O Grupo Ninho é, de longe, o mais premiado do Cariri. Participou do Projeto “Palco Giratório” do SESC, estará, em breve no Rio, apresentando-se nas Paraolimpíadas, e este ano estará novamente no badalado Festival de Teatro de Guaramiranga. Seu último espetáculo, “Poeira”, para mim é antológico. Pareceu-me, na minha avaliação de puro espectador, um das melhores obras já produzidas em toda a história das Artes Cênicas cearenses.  Uma emocionante reverência à  trajetória  dos Mestres da nossa Cultura de Tradição , espetáculo milimétrica , coletiva e laboratorialmente  produzido, ao longo de três anos, sob orientação do LUME Teatro de Campinas em São Paulo. Percorrendo um caminho tão pantanoso, com risco permanente de cair no caricato, de afundar-se na religiosidade romeiresca, os integrantes do NINHO tiveram a leveza de arrancar a vida pulsante da Cultura popular, juntando Arte & Vida & Poesia, a essência final do Teatro.
                                   A persistência do NINHO , a formação acadêmica de muitos dos seus atores, a orientação de outros profissionais mais experientes  fizeram com que se elevasse a qualidade do trabalho a um patamar poucas vezes visto  por aqui. O resultado de tudo , mais que surpreendente: é emocionante. O NINHO e seus mafagafinhos : Edceu Barboza, Elizieldon Dantas, Jânio Tavares, Joaquina Carlos, Monique Cardoso, Rita Cidade, Sâmia Oliveira e Zizi Talécio acabaram por me convencer que é possível, sim, fazer Teatro da mais alta qualidade, com nível profissional, sem quase nenhuma ajuda governamental,  com a inexistência orçamentária das nossas Secretarias de Cultura e, mais, sem que ao menos nossa cidade possua uma Sala de espetáculos que mereça esse nome. Essa realidade se por uma lado é alentadora e enche nossos olhos,  por outro lado trava-nos a língua com o fel da pergunta que não pode calar : “Que Teatro fabuloso não poderíamos desenvolver, se a realidade fosse outra ?
                                   O GRUPO NINHO de Teatro , ontem, fez florescer, diante dos meus olhos, sua mais nova ninhada. Que espetáculo meninos ! Vocês , hoje, se juntam a Soriano de Albuquerque e Waldemar Garcia : fazem parte da vitoriosa trajetória teatral da nosso Cariri. Nos últimos sessenta anos,  ninguém vez teatro, por aqui, no nível que vocês apresentam hoje !  Quem ainda não viu o “Poeira” , se avexe !  Vocês estão refazendo a maquiagem sem o espelho, como dizia Schopenhauer , vão ficar arrepiados  e de cara borrada . Voltem ao NINHO, imediatamente, amigos !

Crato, 20/08/16



quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Caçando Pokemóns

                                  
J. Flávio Vieira
                         N os últimos dias, por incrível que possa parecer, começaram a pulular, Brasil afora, professores de português. A notícia pode até parecer salutar, à primeira vista: finalmente estaríamos olhando para o umbigo e redescobrindo que   “a última flor do Lácio, inculta e bela” faz parte intrínseca da nossa individualidade. Cultivá-la, podá-la cuidadosamente, tratá-la com desvelo , no fundo, seria acariciar a nós mesmos, afinal a língua é possivelmente o que existe de mais visível e profundo na nossa identidade cultural. A notícia seria alvissareira se não tivesse , por pano de fundo, o que existe de mais abjeto no coração humano : o preconceito.
 
                                   Em São Paulo, o médico Guilherme Capel Pascua, de plantão, atenderia um paciente humilde que, confidencialmente , em linguagem simples, externou os sintomas na sua língua própria. O doutor, com sorriso sardônico, zombaria dele e , nas Redes Sociais ( o Oráculo de Delfos da atualidade) debocharia do coitado : “Não existe Paleumonia e nem Raôxis !” , diria ele, para seus amigos , caçadores de Pokemóns. A foto de Dr. Guilherme, um médico visivelmente recém-formado, ganharia o noticiário e ele terminaria demitido, junto com vários funcionários do mesmo hospital, que corroboraram a gozação, inclusive citando outras, de outros clientes, igualmente pouco alfabetizados, que teriam cometido ( na avaliação desfocada deles) sérios crimes gramaticais. 
                        Não pretendo aqui crucificar um colega, ainda imberbe, na sua atitude, ao meu ver, totalmente estapafúrdia. O consultório é um confessionário e somos todos, desde Hipócrates, sujeitos ao Segredo Médico. Nem sob tortura, sob ação judicial, podemos revelar o que nos foi confidenciado. O médico, diante do seu paciente, não é um técnico de gravata diante de um televisor; devemos ser, necessariamente, uma alma diante de outra alma. Precisamos que ser , sim, intérpretes das diversas línguas portuguesas existentes no Brasil, isso faz parte do nosso mister e da nossa formação . E mais ( pasmem Dr. Capel e seus asseclas! ) , não existe erro linguístico nas informações do cliente humilde . A língua é dinâmica e viva , não pode se ater a simples regras formais e fossilizadas da escrita culta. Tenho absoluta certeza que o Dr. Guilherme não fica corrigindo seus amigos do Facebook quando estes utilizam o típico linguajar das Redes Sociais, com palavras truncadas, sem o til e o cedilha e plena de neologismos. Além de tudo,  colocaram o paciente humilde precisando se expressar com termos técnicos , distantes dele. Dr. Capel passaria numa prova de economês , filosofês ou cibernetiquês ?  
                        O mais preocupante para mim, no entanto, é que a visão do Dr. Guilherme não é apenas dele, mas de toda uma geração de novos profissionais , sempre se sentindo superiores aos seus pacientes e certos que foi por simples mérito próprio que chegaram ao conhecimento e à formação acadêmica. Os que não conseguiram estudar e aprender a língua formal,  não o fizeram porque, na sua visão, são preguiçosos ou burros.  O enteado do paciente , triste, informaria à imprensa que seu padrasto não teve condições de continuar os estudos porque ele , o enteado,  teve tuberculose aos dois anos e, na época, ou o mecânico estudava ou pagava seus remédios. A visão de Dr. Guilherme e de seus comparsas, certamente, era a de que ele deveria ter deixado o enteado morrer e, meritocraticamente, ir aprender gramática.
                        Na última quarta-feira, a atual presidenta do STF , Carmen Lúcia, ao ser saudada como tal , recusou o título informando que queria ser tratada como presidente, uma vez que era “amante da língua portuguesa”.  Não soube se o gramático paulista  Dr. Guilherme Capel criticou a ministra. Ao paciente humilde do médico não se pode cobrar conhecimento da língua erudita, mas era de se esperar que a uma pessoa que ocupa um dos mais altos cargos da justiça do país tivesse conhecimento de causa. As duas formas são perfeitamente corretas segundo Bechara e outros mestres da língua portuguesa. Até Machado de Assis utilizou o “presidenta” nas “Memórias Póstumas”. Como sempre, havia mais de uma simples correção gramatical na fala da ministra. Existia uma deselegância desnecessária , era como se dissesse : “Presidenta, não ! Não me compare com aquela gentalha!”
                        A escolha do “Presidenta” pela atual presidenta eleita do Brasil, tem um fortíssima razão linguística. Ela pretende realçar a força feminina do seu cargo. É mesmo bom que a ministra mantenha o seu “presidente” antes do seu nome. A Suprema Corte do país tem dado mostras claras de que nossos problemas vão bem além das interpretações de regras gramaticais. Mesmo que os gramáticos vesgos Lúcia e Capel estivessem certos linguisticamente,  Patativa do Assaré já tinha matado a charada: “é melhor escrever errado  a coisa certa do que escrever certo a coisa errada”.


Crato, 12/08/16

sexta-feira, 12 de agosto de 2016


LIVRO DE GRAÇA NA PRAÇA
BELO HORIZONTE
PRAÇA DE SANTA TEREZA
11 DE SETEMBRO DE 2016
IMPERDÍVEL !