sexta-feira, 28 de março de 2014

Chumbo grosso




            Querer-se livre é também querer livres os outros.

                                               No finalzinho deste mês de março, há um aniversário que não tem convidados e nem merece comemoração.  Meio século do início da Ditadura Militar no Brasil ! Faço parte de uma geração profundamente marcada pelo peso daqueles tempos de chumbo. Estudantes e Sindicalistas caçados  nas cidades e nos campos, como se fossem animais selvagens. Tortura instalada, oficialmente, como instrumento de coerção e obtenção de informações. Congresso fechado, eleições suspensas. Só existia uma verdade única e indiscutível : aquela cuspida pelos coturnos dos governantes. A censura se infiltrou em todas as formas de Arte e em todos os meios de comunicação.  Dedos-duros espalharam-se por todos os recantos : escolas, universidades, trabalhos, ruas e qualquer atitude considerada suspeita era motivo para denúncia,  prisão e tortura. Mofava-se no cárcere sem sequer saber de que se era acusado.  Como se costumava dizer na época , a partir de duas pessoas juntas,  consideravam Concentração e se sobrepassasse  três : Passeata.  Este período de choro e ranger de dentes durou a eternidade de vinte e um anos. Mais de dois mil brasileiros, simplesmente, morreram ou desapareceram como por  encanto. Milhares foram detidos e torturados.
                                   As novas gerações que, felizmente, não tiveram que sobreviver entre as sombras, não têm uma idéia cristalina dos tempos libertários que ora desfrutamos. Tudo parece simples, natural, perfeitamente corriqueiro. Colhemos os frutos da árvore da liberdade , sem nem perguntar quem plantou a semente, quem combateu as pragas  e quem  regou a plantinha.  Sua seiva nutriu-se do sangue que escorria dos paus-de-arara e dos gritos sufocados nos porões dos DOI-CODI. Tive amigos mortos e muitos presos  neste período , lutavam por um mundo melhor para seus filhos e descendentes.
                                   Para nosso espanto, recentemente, alguns saudosistas destes tempos que ainda  tentamos esquecer, tentaram reviver a famosa “Marcha pela Família, com Deus e pela Liberdade” , acontecida em 19 de Março de 1964. Esta Marcha criou o clima propício para o Golpe Militar que , desfazendo completamente seu lema : destruiu famílias, ceifou a liberdade e se afastou de Deus. Quatro gatos pingados, agora, em vários pontos do país ( no Ibirapuera reuniram-se apenas seis pessoas e em Recife, sete) mostraram-se órfãos daqueles tempos de exceção. Estamos em pleno exercício de uma ampla Democracia e, isto, certamente, deixa com pruridos em alguns poucos que se beneficiaram das sombras e do chumbo. Acostumados às regiões abissais , o brilho do sol lhes cega e entontece. São pessoas que , dia a dia, se põem contra uma pretensa ditadura cubana e venezuelana, mas que sonham ,quase orgasticamente,  com o retorno do reino da chibata e do pau-de-arara para o país.
                                   O Brasil , nestes trinta anos de Redemocratização,  desenvolveu-se como nunca na sua história. Temos um país forte no cenário internacional, mantemo-nos estáveis economicamente, mesmo ante toda a crise do Capitalismo Mundial e minoramos chagas históricas como Baixo Salário, Distribuição de Renda, Desemprego, Casa Própria, Analfabetismo, Desnutrição e Mortalidade Infantis. Os desafios, claro, ainda são enormes, numa Nação sugada por quase quatro séculos de Colonialismo. O caminho, porém, difícil e tortuoso, já temos traçado e ele é todo pavimentado com os ladrilhos da Liberdade e da Democracia.

Crato, 28/03/14

Nenhum comentário: