sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Poleiro de Pato




J. Flávio Vieira

                                               Existe coisa , neste mundo, mais suja que folha corrida de político ? Só poleiro de pato ou cara de guri comendo chocolate. Imaginem, vocês, isso numa cidade como Matozinho , perdida no meio das brenhas, onde a única tênue ligação com o resto do planeta se fazia pelo fio telégrafo ? Ali político casava e batizava, totalmente imune ao Tribunal de Contas e à Responsabilidade Fiscal. Ajudava na blindagem uma razão óbvia: a Prefeitura era a grande empregadora da Vila : substituía o comércio pífio e as indústrias inexistentes. Matozinho , como na Divina Comédia, tinha seu céu( os correligionários do prefeito), seu purgatório ( os indecisos)   e  o inferno ( a oposição). Havia uma só arma de grosso calibre que furava a impenetrável blindagem política : a corrosiva língua do povaréu. Aquela sempre se consumara como a defesa única dos oprimidos e espoliados: a fofoca, a intriga, o disse-me-disse, o penicado eterno de oratórios. A maior parte das vezes, claro, as histórias eram verídicas , os escândalos reais, apenas acrescidos de um pouco de Fermento Royal nas praças e nas rodinhas de esquina. Em caso, no entanto, do jornalismo não ajudar, a ficção sacava-se  prontamente como recurso necessário e imprescindível e a cada conto se ia, claro, acrescentando um ponto, até que toda a trama estivesse urdida.  As fofocas eram sempre sussurradas  nos becos e bancos: Andaram me contando... Dizem as más línguas... Vendo o peixe pelo preço que comprei... Esta história tem que ficar aqui, é segredo , se disserem que eu disse eu nego mais que Pedro na Santa Ceia...Quem lá tinha coragem de enfrentar de peito a máquina forrageira da prefeitura ?
                                   As regras , no entanto, mudaram naquele dia em Matozinho, devido , se acha, a alguns fatores depois devidamente arrolados. Jojó Fubuia assistira no Rádio Cliper velho do Bar de Godô ao destempero  de um tal de Joaquim Barbosa que saíra , como um soldado de volante , na captura  dos cangaceiros do Mensalão. O homem cuspia fogo pelas narinas como dragão e aquilo impressionou Jojó que sempre teve nariz meio virado para direiteza demais, honestidade excessiva. O certo é que,  depois de umas meropéias, saiu ataiando frango do bar e investiu-se, imediatamente, de virulência judicial , de  super-poderes barbosianos. Na calçada,  já debulhou, com alarido,  todo o feijão com casca do prefeito Sinderval Bandeira:
                                   --- Sinderval, ladrão de galinha ! Devolve o dinheiro do povo que tu anda tomando emprestado, seu miserável ! Pensa que o cofre da prefeitura é teu bolso, é ? Vai pastorar tua mulher , pra ver se diminui teus chifres, seu infeliz ! Tu é como galo, desgraçado, tem chifre até nos pés !
                                   Enquanto, perigosamente, sem nenhum cuidado,  atirava no ventilador o que o povo de Matozinho comentava por debaixo dos panos, Jojó foi cambaleando em procura da Praça da Matriz. Sinderval, àquelas horas, já estava usufruindo aquele sono mais profundo do que o dos justos: o sono dos impunes. Num dos bancos da praça, no entanto, estava esparramado , com alguns amigos, o velho Pedro Cangati, um dos mais antigos chefes políticos da vila, agora na oposição, após a ascensão de Sinderval. O passado de Cangati não tinha sido menos devassado pelo povo que o do atual prefeito. Diziam-no larápio convicto, respondera processo por estupro de uma adolescente que emprenhara dele e, comentava-se , com cuidados mais que redobrados :  depois de velho começara a vazar corrente e deu para andar com rapazinhos  a quem presenteava  com tênis e bicicletas.
                                   O certo é que Jojó, no meio da sua imprecação contra Sinderval, topou num indigesto vis-à-vis com o ex-prefeito Cangati, aboletado no seu banco. Pedro preparou-se para a reação pronta e imediata, caqueando o vazio, em busca da jardineira de doze polegadas. Fubuia fitou-o com aqueles olhos de bêbado --melosos a meio pau-- ,  e, não perdeu a pose. Arrancou, embasado nos argumentos do Domínio do Fato e da Presunção de Inocência, os únicos elogiosos possíveis de se fazer a um político no Brasil:
                                   --- Sinderval, seu safado ! Você devia era se espelhar no exemplo do grande  Pedro Cangati ! Ele pelo menos é um ladrão honesto, um baiotola macho, um estuprador donzelo !

Crato, 13/12/13

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