sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Lilliput





                                              
O mundo de Madalena era minúsculo. As fronteiras percorriam-se facilmente sem  atropelos. O centro do universo brotava no pequeno sítio onde vivia e estendia-se , quando muito, À pequenina vila onde, religiosamente, ia aos domingos fazer a feira. A cidade enchia-lhe o coração de um certo travo, como se alcançasse a mordida final da polpa do caju. Tudo ali lhe parecia desproporcional e barulhento:  o nanico arruado cintilava-lhe aos olhos como a metrópole , a capital do seu mundo prenhe  dos hipnotizantes avanços tecnológicos : a luz elétrica, o calçamento tosco ( para ela ladrilhado com pedrinhas de brilhante), a praça, a igrejinha. Todo domingo chocava-se o mundo minimalista de  Madalena com a aparente grandiosidade  da Vila, dir-se-ia Gulliver saindo de Liliput e adentrando os portais de Brobdingnag.
                                    Como não se emprenhar  da pequenez do planeta, visto através do translúcido filtro do sítio ? Para o pinto  os horizontes  não terminam na casca do ovo ? Ali, a lua cheia beijava-lhe o terreiro em reverência quase que religiosa. As estrelas refletidas na lâmina do açude podiam ser bebidas com a concha das mãos e o sol , onipresente, morava no quarto da frente, envolto no seu cobertor de fogo e de luz. Até o outro mundo percebia-se convidativo ,ali defronte,  num cemiteriozinho improvisado, perto da casa, com suas cruzes tronchas e suas flores murchas. Talvez, por isso mesmo, a vila saltava-lhe aos olhos como um estorvo, uma outra longínqua galáxia.
                                   Madalena ouvia, vez por outra, falar de terras estranhas e distantes. Recife, Rio, São Paulo...Na sua escala, no entanto, não deviam ser locais tão remotos. O Oiapoque terminava no pequizeiro defronte da casinha de taipa e o Chuí iniciava-se longo adiante , no fim do quintal.  Os feirantes , vorazes engolidores de estrada, falavam das terríveis e penosas viagens a muitas lonjuras. Madalena, no entanto, assegurava-os, alimentando o riso de muitos, que atrás de sua casa tinha uma veredazinha que era pertinho de todo canto deste mundão de meu Deus. Na feira, o povo mangava daquela pretensão, daquele portal particular da roceira e apelidaram a vereda de : “Caminho de  Madalena”. Queriam que algum fazedor de mandado se apressasse?  Sapecavam:
                                   --- Vá pelo Caminho de Madalena, viu  ?
                                   Se alguma pessoa chegava atrasado num trato, a pergunta fazia-se inevitável :
                                   --- Por que não veio pelo caminho de Madalena ?
                                   Diferentemente de Liliput, no entanto, aos olhos de Madalena era o mundo que se revelava microscópico e não as pessoas. Os homens e as mulheres desnudavam-se enormes  e coloridas talvez como um contraste natural ao opaco-cinza do restante da aquarela. Os sonhos, também, tantas e tantas vezes, trespassavam    as fronteiras daquele mundinho, a contragosto da sonhadora, e deslindavam-se para além  dos limites extremos do pequizeiro e do quintal  fazendo-se palco mais que suficiente para o enredo de uma vida.  E aos poucos se ia aprendendo que nas muitas viagens,  físicas e sentimentais,  empreendidas na existência, nesta contínua corrida de obstáculos ,  pode-se buscar, sempre,  um atalho menos penoso, uma via mais expressa: um Caminho de Madalena.

Crato, 22/11/13

2 comentários:

Unknown disse...

Sua crônica me faz admirá-lo TANTO, pois muitas vezes me reconheço em suas SÁBIAS palavras. OBRIGADA pelo blog e pela existência do EXCELENTE escrivinhador que há em você.

jflavio disse...

Abraço Yanayana e obrigado pelas palavras carinhosas