quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Eufrazino e a Montanha Russa

Eufrazino contemplava o mundo por sobre as pilastras dos seus cinqüenta anos. A estrada estava bem mais curta para adiante do que para trás, talvez , por isso mesmo, aquela mania de ficar olhando a vida pelo retrovisor. O passado aparecia cada vez mais brilhante e promissor no seu cristalino já meio embotado pela catarata. A vida parecia-lhe aquilo mesmo : semeamos, semeamos, mas os frutos vão sempre se oferecer opimos no pomar do vizinho.
Tempo ! As verdades se refaziam a cada instante, como num caleidoscópio. De nada adiantava aquela frase puída, rota, áspera : “No meu tempo, meninos, era assim... “ Esta experiência apenas a ele dizia respeito. Era como se prescrevesse, hoje, um Capivarol para um enfarte do miocárdio; como se tentasse rodar um Blue –Ray na vitrola a manivela. Os filhos tinham vida própria, seguiam estradas por ele mesmo trilhadas, a despeito dos conselhos, das conversas. Os namoros , da praça haviam se transferido para os motéis ; o “esquentamento” agora carregava o nome de HIV; a eternidade dos casamentos media-se nos apressados ponteiros dos segundos; a virgindade transformara-se numa espécie de ararinha azul; os porres ganharam status de “viagens”: heroína já não era necessariamente o feminino de herói e craque não designava mais apenas o super-atleta. Tempo !
Eufrazino molhou-se daquela solidão única. Já não possuía xarás. Quem diabo ia impingir um nome esdrúxulo daqueles num filho, num mundo cheio de Daniéis, Andrés, Tiagos, Lucas, Matheus ? Eufrazino ? Mesmo que surgisse num descendente um Eufrazino Neto, sabia que lhe seria dificílimo carregar o peso . Ele seria certamente minimizado por um prenome mais palatável : quem sabe Ygor Eufrazino ? Assim, ao menos, o inocente teria a possibilidade de mimetizar a piada e assumir-se definitivamente como Ygor. Onde andavam aqueles costumes tão comuns na sua geração ? A fuga de namorados para forçar o casamento ? Os matrimônios feitos à força, no casa ou morre? As águas que lavavam a honra das moças que caíam em tentação, para que rios agora correm ?
Tempo! Há pouco vira a esposa entregar às quatro filhas preservativos com detalhadas explicações sobre o uso. O namorado da filha, nos fins de semana, dormia com ela, no mesmo quarto, na sua casa e isso tranqüilizava a todos: não estavam na rua expostos a violência nossa de todos os dias. A mais velha tivera um produção independente e mesmo com a insistência do namorado, negara-se a casar. O neto estava agora com os avós e era a alegria da casa. Eufrazino sabia , perfeitamente, o quanto tinha sido importante para sua formação as experiências vividas e passadas pelos pais, mas agora tinha a clara percepção que todas precisaram de upgrade. Não dava para contemplar a paisagem contemporânea com as pupilas do passado. E, como numa montanha russa, a velocidade das mudanças é estonteante. Lembra bem que há bem pouco dissera à filha mais velha:
-- Pode namorar como quiser, mas transar, só depois do casamento!
À segunda,poucos anos depois, já facilitara um pouco:
--“Filha, pode transar à vontade, mas não esqueça da camisinha, viu ?”
À terceira, dois anos depois, já precisou uma maleabilidade maior:
-- “Filha, não me preocupe que você transe, sei que sua geração é assim mesmo, quebrou todos os tabus, mas a privacidade é uma coisa importantíssima, é a nossa única fronteira! Te peço uma coisa, só, por favor, não filme a transa e bote no You Tube! “
Semana passada, diante da última filha, chegando à adolescência, Eufrazino, finalmente, tranqüilizou-se. Ufa! Basta de tanto upgrade! Vendo a menina sair, toda produzida para uma festa rave, suplicou:
--- Tudo bem , Georgina, divirta-se! Mas vou te pedir uma única coisa, filha. Sei que vai rolar o maior barato, a transa vai ser geral e sei também que agora, depois desse Big-Brother vocês vão filmar tudo e colocar no You Tube. Pois bem, filha, que seja o rala-e-rola pelo menos com um homem, viu ?

11/11/10

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