quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Alpinismos

De onde terá vindo, afinal, esta necessidade de observar o mundo dos píncaros? Sem quaisquer instrumentos disponíveis para ampliar a observação do mundo, além do olho nu, nossos antepassados escalaram montanhas e montes, talvez pela curiosidade de contemplar horizontes até então inescrutáveis. Do alto, quem sabe, seria possível perscrutar o universo em toda sua extensão! Por outro lado, a montanha sempre foi uma fábrica de mitos. O Olimpo era a residência dos deuses helênicos; as pirâmides egípcias, incas, maias e aztecas erguiam-se em busca dos céus; no Monte Arará, a Arca de Noé desembarcou a bicharada para reinício da obra da criação. Escalar o monte trazia não só a possibilidade de ampliar os limites físicos, mas trazia atrelada, uma força transcendental, uma aproximação com o sagrado . Do topo o homem mistura-se a deus, bebe nas fontes do divino.
A partir do Século XVIII, já em plena égide do iluminismo, o montanhismo começou a untar-se menos do ritualístico. Os homens abandonaram, aparentemente, seu caráter mais primitivamente sagrado e uma certa laicidade lhe deu características de esporte. Pouco a pouco, se tomou como desafio pisar em picos jamais alcançados anteriormente pelo pé humano. O Mont Blanc nos Alpes alcançado, em 1786, talvez demarque o ponto chave desta ânsia desbravadora , batizada de Alpinismo, que já se fazia presente desde os finais do Século XV. Em 1953, por fim, o Ocidente tocou o Everest, o teto da terra. Transformado em esporte, o montanhismo, no entanto, não perdeu de todo suas mitológicas nuances originais. Existe alguma coisa de radical , além da mera dosagem de adrenalina ,pulsando nas veias dos alpinistas.
Quando escalamos a montanha mais alta, no fundo, simulamos o nosso alpinismo vital. O pico parece inatingível. Pomo-nos a subir, lentamente, pedra por pedra, fincando grampos e pítons de segurança nas fendas disponíveis. Abaixo, a todo momento, o abismo ávido nos espreita. Existem muitos outros companheiros de escalada, mas cada um segue seu caminho único e pessoal. A cada momento, num vacilo : uma queda seca para o nada. O gelo, o cansaço, a fome corroem a esperança. E o paredão lá permanece: desafiador, zombeteiro, impávido. À medida que subimos a temperatura se torna mais insuportável e o ar mais rarefeito. Se a morna sorte nos bafeja a face, um dia, em meio a todas as intempéries, chagamos no topo. Observamos o mundo ao derredor com um ar cansado e vitorioso. Algumas fotos guardarão a memória deste momento único. E nem nos perguntaremos o que ali fomos buscar, qual prêmio almejávamos. Chegamos: é hora de voltar! E o caminho de volta é tão terrível como o de ida, com os mesmos riscos e precipícios. Se , por acaso, conseguirmos chegar no acampamento original, outras escaladas nos esperam, outros picos já nos chamam. Até o dia em que a sapatilha escorregará à beira do abismo e será a nossa vez de ensaiar o vôo de Ícaro. No final, perceberemos que o sentido do alpinismo encontra-se escondido não na alegria efêmera do pico, mas no suor derramado penosamente durante a travessia.

04/02/10

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