quinta-feira, 23 de abril de 2009

Ascalon

Hoje é dia de São Jorge Guerreiro, amigos, um dos mais fortes santos da nossa mitologia. Reza a história, que tão facilmente se mescla com as lendas, que teria nascido na Capadócia, atualmente território da Turquia. Teria vindo ao mundo no final do segundo século depois de Cristo. Ainda menino, migraria para Palestina e aos 23 anos, já fazia parte da corte imperial romana, como tribuno militar. Poderia ter levado uma vida na maciota, não fosse sua sublevação contra o martírio dos cristãos em tempos de Diocleciano. Consta ter tornado públicas sua revolta contra a perseguição e, também, sua fé no cristianismo. Terminou torturado e degolado há exatos 1706 anos, na Ásia Menor em Nicomédia. Sua popularidade é impressionante, é patrono da Inglaterra, Portugal, Geórgia, Catalunha, Lituânia, de Moscou e extra-oficialmente da Cidade do Rio de Janeiro. As artes o imortalizaram nos pincéis de Rafael, Donatello, Martinelli.
Mas de onde teria saltado a imagem mítica que temos de São Jorge a combater implacavelmente o seu dragão ? É possível que tenha surgido da mitologia nórdica na figura de Sigurd , o caçador de dragões. O certo é que as baladas medievais cantavam as suas peripécias como filho do Lord Albert de Conventry e que sua mãe faleceu no seu nascimento tendo ele sido criado pela Dama do Bosque. Seu corpo possuía três marcas: um dragão em seu peito, uma jarreira em volta de uma das pernas e uma cruz vermelho-sangue em seu braço. Já rapazinho, viajando muitos meses por mar, chegou a uma cidade da Líbia onde encontrou um pobre eremita que lhe pôs a par do sofrimento da sua cidade. Ali existia um dragão feroz, de hálito venenoso e coberto de uma carapaça inexpugnável. Todo dia devorava uma donzela e, só assim, aplacava sua ferocidade. Agora só existia Sabra, a filha do rei que seria sacrificada no dia seguinte. O monarca prometera casamento a quem impedisse o sacrifício da princesa. Jorge enfrenta a fera e a mata com sua espada chamada Ascalon. O rei, no entanto, não queria ver sua filha casada com um cristão e o envia para Pérsia ordenando aos soldados que lá o matassem. Jorge, no entanto, se livra do perigo e leva a noiva para Inglaterra onde se casa e vive feliz para sempre. Existem várias versões da mesma história, sempre narrando os heróicos atos do nosso Jorge Guerreiro e da sua valentia frente às adversidades. O interessante é que a ligação íntima de São Jorge com a lua é eminentemente brasileira. A nossa fortíssima influência afro é responsável por isso. Na Bahia, nosso Jorge é associado sincreticamente a Oxossi, o orixá ligado diretamente ao nosso satélite natural.
As lendas mitológicas não são histórias de Trancoso ou da Carochinha. Elas têm profundas raízes fincadas no inconsciente coletivo. O dragão , certamente, representaria o poder diabólico, a idolatria destruída com as armas da fé. A donzela seria a imagem onírica da província que se viu livre da heresia.O interessante é que Papa Paulo VI rebaixou nosso São Jorge a um santo menor, de terceira categoria, com culto opcional apenas em calendários locais. A força mítica, no entanto, falou mais forte, em 2000, João Paulo II terminou reconduzindo nosso guerreiro a um patamar de primeira instância, na hierarquia católica.
A história do nosso guerreiro nos dá margem para algumas reflexões. No fundo, a história narrada oficialmente está sempre embebida de lendas e mitos. Quanto mais o realismo se untar das fontes do fantástico mais perenes se tornarão seus relatos. A ficção é sempre mais palatável e digerível que a realidade nua e crua. O que adoramos em São Jorge não é sua valentia, sua santidade , mas a figura mágica que brota do meio de todas as lendas. O segundo ponto é que as figuras míticas sobreovam todos os livros sagrados; elas não pertencem a uma religião específica, mas se imiscuem em muitas crenças: apenas mudam um pouquinho o nome, as nuances. O mito, por outro lado, é indestrutível pelas armas convencionais; se os enfrentamos ferozmente ou os apoiamos eles crescem com a mesmíssima força. Não terá sido exatemente isso que aconteceu aqui pertinho com o Padre Cícero ? Perseguido, excomungado, de nada adiantou. Tornou-se santo pelas mãos míticas do seu povo. Tentar reabilitá-lo é apenas um mero artifício burocrático. O povo é que empunha a Ascalon , é ele que destrói seus dragões e salva suas Sabras. Às vezes, no entanto, é difícil perceber de onde rescende o hálito venenoso da fera .
Crato, 23/04/09

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Nonato velho de guerra

A natureza humana é revestida de muitos mantos. A parte visível e superficial do nosso caráter é apenas a mais angelical, lá no fundo escondem-se e dissimulam-se todos os nossos demônios. O mais das vezes, as pessoas tidas como perigosas, loucas e pervertidas são simplesmente aquelas que não conseguem acorrentar suas feras interiores. Mas mesmo aquelas tidas como dóceis, meigas e perfeitamente normais, de vez em quanto, rescendem , a contra gosto, um cheirinho de enxofre. A primeira impressão que se tinha de Padre Nonato, ao se chegar a Matozinho, não era das melhores. Vigário da cidade há uns dois anos, nosso pároco era meio agoniado, vexado e algumas outras explosivo. Suas histórias já haviam preenchido todos os livros do folclore regional. Esta primeira impressão, no entanto, desvanecia-se quando se convivia mais perto com nosso Nonato. Mostrava-se um doce servo de Deus. Amigos dos pobres, abrira seu templo, preferencialmente, aos desfavorecidos deste mundo. Atendia-os com uma presteza impressionante. Como pastor, estava de plantão as vinte e quatro horas. Além de tudo, levava uma vida beneditina. Batina esfarrapada, casa paroquial humílima, parecia um cínico ateniense. Nunca se soube, também, de nenhum desvio seu que atentasse contra a moral e os bons costumes. Além , claro, de um ou outro destempero, quando flagrava o rebanho a saltar as cercas erguidas pelos livros sagrados. O único meio de transporte que utilizava, além dos pés, era uma velha lambreta que dirigia sem nenhuma perícia e que já computara inúmeras infrações: atropelamento de galinhas e porcos, desembesto em ladeiras e rampas, manobras radicais em meio de feira. Padre Nonato nunca conseguira decorar bem onde ficava o acelerador , a embreagem e o freio da velha “Vespa”.
As histórias que coletamos em Matozinho e aqui fazemos registro fazem parte da memória afetiva da vila e são contadas de boca em boca reverenciando de um lado a suposta “doideira” do nosso sacerdote, mas sempre tentando mostrar um ar de santidade por trás do aparente desequilíbrio. Em Matozinho, após sua morte, Nonato tornou-se um santo popular, obra milagres e seu túmulo apinha-se de ex-votos e oferendas. O povo percebia que , no nosso padre, a superfície apresentada não se mostrava muito diferente das profundezas mais recônditas de seu caráter.
Ainda no início das suas atividades evangelizadoras em Matozinho, Nonato recebeu, à noite, um telegrama que o preocupou. Fora endereçado por um sobrinho seu que estudava em um seminário na capital. Pedia sua presença com urgência. Nosso pastor imaginou tratar-se de problemas relacionados à saúde do menino e partiu utilizando a única forma de transporte disponível. Saiu pegando inúmeras caronas com caminhoneiros. Três dias depois, às doze da noite, foi que conseguiu chegar. Dirigiu-se, aflito, diretamente ao Seminário com fins de tomar pé da situação. Acreditou que talvez o menino estivesse interno e aventava até a possibilidade de cirurgia e morte. O vigia, no entanto, após a identificação, avisou que o seminarista estava bem e dormindo. Nonato pediu que o homem o despertasse, pois havia sido chamado com urgência. Após alguns minutos, o sobrinho, de olhos inchados, bocejante, veio ao seu encontro e tomou-lhe à bênção. . Nonato, então, o interrogou sobre o motivo do chamado :
--- Pronto, meu filho ! Vim com urgência ! O que aconteceu ?
O sobrinho, titubeante, tentou explicar:
--- Não, tio, não é nada demais, é que eu descobri que não tenho vocação para ser padre ...
Nonato, então, não suportou a besteira do sobrinho.
--- Tá ficando doido, menino ? Me manda chamar de tão longe por causa de uma besteira dessas ? Eu que tenho trinta anos de padre ainda não sei se tenho vocação, você já quer ter esta certeza no Seminário Menor ?
Havia um sacramento que Nonato cultivava por especial : o Batismo. E aí ele tinha uma verdadeira implicância com os nomes que os matozenses escolhiam para batizar os inocentes. Vivendo nuns confins daqueles, o povo começou a apresentar a progressiva mania de escolher nomes estrambóticos para os filhos arrancados geralmente da televisão, do cinema e do Show Bussiness. Parece que isso lhes imprimia um certo ar de nobreza e majestade. E aí começaram a surgir verdadeiros estapafúrdios: primeiro porque a população não entendia bem os nomes que pulavam da TV e, depois, porque os tabeliães não haviam sido reciclados em línguas estrangeiras várias: inglês, Alemão, espanhol, Russo. Nosso padre entendia que um pobre rebento que já nascia carregando o peso de um pecado cometido ainda no Gênesis, não merecia a pena de carregar consigo um nome que . algumas vezes , surgia como um verdadeiro Karma. Na hora da pia batismal, o diálogo era inevitável :
--- Qual o nome que vocês escolheram para o bichim ?
--- Yakosdgovsky, seu padre !
--- Ya, o quê ? Tá ficando doida ? E isso é lá nome para os pé rapado aqui de Matozinho ? Mundim te batizo , em nome do pai, do filho, do espírito santo ! Outro !
A história mais clássica do nosso Nonato passou-se na celebração do casamento de Gilbertina , a filha do Coronel Uglino Mangabeira, um dos homens mais temidos da cidade. O velho era mais positivo do que núcleo de átomo. Pois bem, Gilbertina engraçou-se de Filé, filho do Cel Filismino Saturnino, antigo chefe político da cidade e o namorico terminou nos pés do altar. Gilbertina , menina prendada, carregava consigo um grande defeito: era ciumenta como galinha choca.
Toda a sociedade da redondeza havia sido convidada para o grande enlace matrimonial. Dia de festa, Padre Nonato celebrava a solenidade com todo o aparato ritualístico que a ocasião exigia. Ao chegar na hora do “Sim”, Filé, com um sorriso, confirmou sua pretensão em desposar a noiva. Gilbertina, no entanto, sabe-se lá porque, lembrou-se de um suposto namoro do noivo, antes mesmo da sua administração. Na hora h , descobriu-a no meio dos convidados e, furiosa, à pergunta solene do padre, respondeu asperamente :
--- Aceito não !
Imaginem o tamanho do escândalo , do mal-estar das duas famílias. A festa cancelada, choro pra tudo quanto é lado. Agressões verbais, a partir dali, se acentuaram entre as famílias de Uglino e Filismino. Na cidade, a fábrica de boatos trabalhou a todo vapor, principalmente incentivada por aqueles que não haviam sido convidados para o rega-bofe. Passados alguns meses, no entanto, a turma do deixa-disso começou a atuar e terminaram aproximando novamente Filé e Gilbertina. Um semestre depois, resolveram novamente retornar ao altar. Convocaram Nonato que meio cabreiro aceitou novamente a peleja. Num belo domingo de maio , repetiu-se o cenário matrimonial na Igreja da Sé de Matozinho. Aparentemente tudo transcorria sem intercorrências maiores. A mocinha, motivo da dissensão anterior, desta vez havia sido cuidadosamente esquecida. Nonato, algo temeroso, preferiu perguntar inicialmente a pretensão casamentícia à Gilbertina que respondeu forte pela aceitação. Nonato respirou aliviado e virou-se candidamente para Filé, fazendo a pergunta fatal . Filé, então, neste átimo, lembrou de toda vergonha que havia passado na tentativa de casamento anterior, tendo sofrido quase uma execração pública. Na hora da resposta, desta vez, foi ele que refugou :
--- Aceito , não, seu padre !
O escândalo, desta vez, foi fenomenal. Os familiares quase que se engalfinham dentro do templo. Nonato , acalmados os ânimos, saiu fulo da vida. A fofoca novamente tomou conta da cidade e o assunto animou as rodas de praça e de bar por mais de um semestre. Mas Filé e Gilbertina tinham algo a seu favor, apesar de todas as confusões se amavam de verdade e mais uma vez, arrefecidos os ânimos, as alcoviteiras retomaram o trabalho. Pronto, estavam todos vingados, o Placar era de 1 X 1 ! Tanto fizeram que resolveram novamente voltar ao altar. O problema era um só: convencer Nonato a pagar um outro mico ! A missão coube aos dois maiores bigodes de Matozinho : Uglino e Filismino. Dirigiram-se a ele com um certo receio, mas ficaram surpresos com a receptividade. Ele disse que ia com o maior gosto desse mundo.
Remarcada a data, reconvidados todos. O templo, agora , estava apinhado também de muitos curiosos. No momento solene, Nonato demonstrava uma tranqüilidade totalmente inesperada. Fez a pergunta a Filé que confirmou a vontade de contrair núpcias com Gilbertina. Esta , por sua, vez, confirmou fortemente a intenção de se unir eternamente à Filé. Toda a igreja, familiares , convidados e curiosos respiraram aliviados. Faltava apenas a bênção final de Padre Nonato. Ele , calmamente, fitou os dois nubentes, a platéia e fechou a cerimônia :
---- Todos querem, não é ? Pois agora quem não quer é Nonato velho de guerra.
Pegou a bíblia, o cálice e foi-se embora sem dar mais uma palavra.

16/04/09

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Pilatos


Cá estamos em plena Semana Santa, já sem o glamour de tempos passados. Algumas cidades brasileiras aproveitam o feriado da sexta feira para armar grandes festas perfeitamente profanas. A maior parte do povo perdeu a ritualística cristã e já não sabe bem o que significa o feriadão. Empanturra-se de vinho e aparenta um ar de santidade e transcendência. As crianças ligam imediatamente a páscoa ao coelhinho e ao chocolate. As classes mais desfavorecidas aproveitam a oportunidade para abastecer um pouco a despensa vazia e saem mendigando víveres para um jejum cada dia mais raro e distante. Os comerciantes entendem a santidade desta semana como o momento oportuno para aumentar o preço do peixe e do bacalhau e levar um pouquinho mais ao caixa da empresa. Nas igrejas os santos se cobrem de roxo talvez mais pelo absurdo total do que vêem a sua volta do que pelo peso plúmbeo e culposo da memória terrível da crucificação.
Desde os tempos de juventude que a quaresma me suscita a imagem de Pilatos. Sei que o nome Pilatos hoje remete imediatamente à academia de fisicultura. Os mais jovens lembram-se de pronto daqueles aparelhos para malhar e sair por aí bombados e impressionando a garotada com músculos mais definidos. Assim, preciso explicar : falo de Pôncio Pilatos. Bem, ele foi prefeito da Judéia entre 26 dC e 37 dC . Teria passado totalmente despercebido dos livros de história se não houvesse participado de um dos mais importantes julgamentos de toda a história. Pilatos foi o juiz do processo de Jesus e terminou acatando a opinião da maioria e ao lavar as mãos condenou-o ao suplício no Gólgota. A sua decisão manchou definitivamente a sua história e, certamente, contribuiu para um julgamento histórico implacável de todas as condutas da sua vida. Tido como violento, venal, corrupto e de uma ferocidade sem limites em todos os júris que participou, segundo os historiadores Filão e Flávio Josefo. Nos séculos seguintes surgiram inúmeras lendas envolvendo o seu nome. Desde um final desastroso em Tevere ou em Vienne na França, o suicídio em 37 dC; até sua conversão ao cristianismo, influenciado por sua esposa Prócula que é considerada santa pela Igreja Ortodoxa. Ele mesmo foi santificado pelas Igrejas etíope e copta. O “Credo”, oração surgida em torno de 200 dC, no entanto, lhe macula definitivamente a memória : “ padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado...".
Em tempos de tanta liberalidade nos rituais religiosos da Semana Santa por parte da população, me ponho a imaginar o papel singular de Pilatos em toda a história sagrada ocidental. A primeira questão a ser levantada por tantos juízes de plantão é simples. Se todo o suplício de Jesus estava pré-estabelecido, inclusive previsto por profetas, é possível que o papel de Pilatos assim, também, estivesse determinado e que ele apenas tenha sido um veículo necessário à confirmação da profecia e dos desígnios divinos. Mesmo afastando esta hipótese, nos coloquemos no papel do juiz romano. Julgava um prisioneiro político que não conhecia e , como no direito romano, seguiu a opinião dos jurados. Opor-se seria, em tempos atuais, afastar-se da decisão do corpo de jurados e tomar uma decisão unilateral, um verdadeiro absurdo jurídico na visão contemporânea. Mesmo assim , Pilatos hesitou na sentença e preferiu tirar o corpo de fora. A posteridade escolheu o caminho mais cômodo e lhe imputou a culpa pela crucificação. Em nenhum momento se volta para a grande turba que preferiu Barrabás e que ano após ano, julgamento após julgamento, continua politicamente escolhendo sempre a pior parte.
Basta olhar em volta, em meio aos tonéis de vinho consumidos, ao comércio do jejum, às festas profanas reverenciando o sagrado, para se perceber que se Cristo voltasse, se o julgamento fosse hoje, a crucificação se repetiria. Os que hoje fazem a multidão e o corpo de jurados são descendentes fiéis de Barrabás. Pilatos ao menos lavou as mãos, os juízes de hoje as tingiriam, rapidamente, de rútilo sangue inocente.

Crato, 10/04/09

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Fofocas

Pois é, amigos, vivendo e aprendendo ! Hoje é sábado, dia de futricas e fofocas, especialíssimo para se comentar um assunto desses. Pesquisa na Inglaterra, envolvendo um universo de 5000 entrevistados , chegou a conclusões totalmente imprevisíveis. Os homens são bem mais fofoqueiros que as mulheres, passam em média 78 minutos do horário de trabalho conversando miolo de pote com os colegas, enquanto as mulheres gastam apenas 52. E mais, amigos, 31% dos homens preferem fofocar com a companheira a fazer sexo. É isso mesmo ! E vejam que a pesquisa vem de um dos centros mundiais mais cultivadores da fofoca : a Grã-Betanha. Lá a arqueologia da vida alheia é um verdadeiro esporte nacional. Os tablóides de fofoca – surgidos em meados do Século XIX-- , vendem milhões de exemplares por mês e, inclusive, abalaram as vendas dos jornalões, fato também visível nos EUA. As pessoas , cada vez mais, têm se detido nas histórias de superfície, ligadas a excentricidades e escândalos, e se afastado do jornalismo mais sério e analítico. Cada vez mais se cultua Nélson Rubens, cada vez menos Roberto Pompeu de Tolledo.
E não se enganem não, amigos, o poder da fofoca é imenso. Durante toda a história, articulada como boatos, foi veículo de muitos crimes, muitas guerras, muitas mortes. O III Reich já afirmara que a informação e a contra-informação eram armas bélicas iguaizinhas aos canhões e às metralhadoras. Armamento utilizado por muitas ditaduras, por muitos grupos políticos articulados na mídia, a fofoca derrubou governos, destruiu impérios, incendiou palácios e dissolveu relacionamentos com um poder de fogo sempre muito subestimado. E, claro, foi utilizado sutilmente, também, pelas classes menos favorecidas. Em português, etimologicamente, o nome fofoca parece ser originário do banto, uma das línguas africanas que a nós somaram a sua rica cultura.
E em tempos de se quebrarem todas as barreiras da informação: com Internet, Celular, TV a cabo, mais que nunca a fofoca tem aumentado seu poder de contaminação. Se de boca em boca já se alastrava como uma praga incontrolável e agora montada no Orkut, no You Tube, no Twitter , nos blogs e nos e-mails ? Existe já toda uma indústria da fofoca envolvendo revistas especializadas, tablóides, programas televisivos,cadernos dos jornalões, sites , jornalistas e paparazzi. A dona de casa, hoje ,está mais a par das proezas da Paris Hilton do que a da vizinha que mora em frente. O buraco da fechadura ampliou-se como jamais se imaginaria acontecesse.
Junto dessa fofoca institucionalizada existe ainda a fofoqueira tradicional, de ponta de esquina, mas ela perdeu um pouco o glamour dos velhos tempos. E as fofocas de rodinha de praça, de mesa de bar, de barraca de praia subsistem ainda a duras penas. O fofoqueiro típico é aquele que critica nos outros os desejos que ele próprio não consegue deixar explodir. Ver e comentar os desvios alheios de alguma maneira nos tira a culpa e nos torna santos e mais puros. No fundo, há visíveis rastros de uma inveja mal disfarçada em cada ato criticado. E quem sabe, algumas vezes, a fofoca seja a maneira que se encontra de se apimentar um pouco essa vida, se colocar um pouco de tempero em existências insulsas e inodoras. Talvez , por isso mesmo, quanto menor a vila, maior o seu potencial de fofoquismo. É que não existindo outras formas de lazer mais interessantes a vida alheia substitui o jornal, a TV, o Rádio, o teatro , o cinema.
Mas comentemos um pouco a pesquisa inglesa que apresentou resultados aparentemente tão absurdos. Quem diabos nesse mundo imaginaria que os homens ganhariam das mulheres num esporte em que a língua veloz e afiada é essencial ao bom desempenho ? Certamente isso só pode acontecer mesmo na Inglaterra um país todo às avessas, onde a direção do carro fica à direita, a mão e contramão são invertidas e ao invés das medidas de metro e quilo, se usa as de pés e onça. Um povo fleugmático, meio distante ,que para namorar com as esposas pede com licença e ao terminar diz : muito obrigado ! Onde já se viu uma “ingrizia” dessas? No Brasil, perdoem-me as mulheres, nós perdemos de goleada. Mulher aqui é pior do que maracanã em roça de milho. E algumas línguas que conheço deveriam certamente só circular por aí, livremente, com porte de arma fornecido pela polícia federal. Convenhamos que os homens, uma vez ou outra, fazem alguns comentários leves e despretensiosos, mas fofocar mesmo, amigos, definitivamente, por aqui, não é coisa do nosso gênero. Desde a Bíblia que esta verdade é presente. A ordem para o primeiro despejo da história, a expulsão dos jardins do Éden, aconteceu por conta de um fofoquismo desenfreado entre Eva e a serpente. A esposa de Ló virou pedra de sal porque não conteve a curiosidade e virou-se para observar a destruição de Sodoma e Gomorra, contrariando a ordem de Deus. Certamente, depois iria bater com a língua entre os dentes por aí contando com detalhes o que havia acontecido. Até a gravidez angelical de Maria motivou um fofoquismo desenfreado. Talvez por isso mesmo, em Matheus, tenha Cristo logo alertado : “De toda declaração sem proveito que os homens fizerem prestarão contas no Dia do Juízo; pois é pelas tuas palavras que serás declarado justo e é pelas tuas palavras que serás condenado.” Não quero nem imaginar o tamanho das penas e das filas na porta do inferno no dia do julgamento derradeiro.
Bem , amigos, e vou terminando por aqui antes que vocês concluam que isto, mais que uma crônica, é uma grande fofoca. É que a crônica é, certamente, o gênero literário mais propenso às futricas. E, já que toquei fogo no circo, é melhor ir escapando de fininho. Mexi na caixa de marimbondos e vou acabar na mira de um sem número de fofoqueiras e dos seus ferrões pontudos, que isto aqui num é a Inglaterra não, meu senhor !

Crato, 03/04/09