terça-feira, 3 de junho de 2008

Enquanto isto em Matozinho...


O delegado Cilestrino Safanão vinha exercendo suas funções policiais em Matozinho havia já uns três ou quatro anos. Mais durão que coco babaçu , o homem ficara conhecido pela intransigência. Com o aparecimento quase que meteórico de juizes na região, ele se acostumara a investigar, prender, julgar e muitas vezes aplicar a sentença retirada o mais das vezes do Código de Hamurabi . Com ele não tinha arrodeios, cerca-lourenços, ia rapidamente ao âmago da questão e a velha palmatória que um dia a professora Genecilda Garrido utilizara como importante instrumento pedagógico na sua escola, era agora usada diariamente para arrancar à fórceps confissões dos detentos. Não havia crime que não fosse elucidado pelo caminho direto do réu confesso. A vila, desde que nosso delegado tomou posse, se transformara . Dormia-se de porta aberta. Ladrão , tirante os oficiais da prefeitura, sumiu de Matozinho. Os bêbados adquiriram uma harmonia e solidariedade difíceis de se ver em qualquer outro lugar deste mundão de meu Deus.

Um belo dia, Safanão comunicou que tiraria férias, coisa que nunca fizera desde que aportara por ali : andava meio cansado e queria passar um diazinhos na praia. Chamou então o cabo Oliveirão e lhe passou prontamente o bastão. O cabo transpareceu alguma preocupação com o novo cargo temporário; mas a vaidade falou mais alto, empinou os peitos e começou imediatamente a falar grosso e a dar esporros nos subordinados. Passou, na sua gestão, a aplicar o método Cilestrino de investigação. Batia primeiro e perguntava depois. Andava na cidade com ar imperial, em qualquer rodinha de praça esperava serem emitidas as várias opiniões para ele , majestosamente dar a palavra final. Tudo ia bem até que depois da primeira semana aconteceu o tsunami.

De repente a notícia tomou conta da cidade. Num átimo vários membros de duas importantes famílias políticas de Matozinho, os Candeia e os Mangabeira, inimigos figadais, invadiram a delegacia , de arma em punho, numa balbúrdia jamais vista. Eram facas, trinchetes, espingardas, garrunchas, num morre-mata terrível. Só após quase meia hora é que o delegado ad hoc Oliveirãoi conseguiu entender a sinuca de bico que teria que resolver. Zuzinha , filho do Cel Serapião Candeia , havia “bulido” com Dagimar, a filha única do Cel Uglino Mangabeira, seu ferrenho adversário político. A bomba relógio, pois , estava ali na frente do cabo , prestes a explodir. Ninguém na cidade sequer sabia que os dois jovens andavam namorando às escondidas , repetindo um Romeu & Julieta de capoeira. Matozinho ainda vivia num tempo em que virgindade de moça era tão intocável quanto o Santo Sudário. Ali na frente, pois, em meio aos impropérios de lado a lado estavam divididos, num casa-num-casa infernal os Montecchios e Capuletos matozenses. A qualquer momento a chacina poderia ter início, assim, um Oliveirão trêmulo e pálido tentou por alguma ordem na casa e falou aos gritos :

--- Calma ! Calma ! um de cada vez! Me diga aí Cel Uglino, afinal qual é sua queixa ?

--- Queixa que nada, peguei este salafrário que tá aqui na minha frente, mexendo com minha filha e pensei em capar o homem imediatamente, só não fiz porque não sei se a sem vergonha de minha filha tá prenhe deste desgraçado e não quero que meu neto nasça sem pai, mas este safado vai ter que casar é agora mesmo, seu delegado !

A turba que superlotava a delegacia se agitou e quase ia às vias de fato, num arranca-rabo terrível :

--- Casa ! Num Casa! Casa! Num Casa !

Um Oliveirão mais trêmulo que Toyota em Ponto Morto, teve que gritar novamente a plenos pulmões, antes que se iniciasse a terceira guerra mundial.

--- Calma ! Calma Pessoal ! Deixem eu continuar as diligências ! Cel Serapião Garrido, dê a sua versão dos fatos.

O velho Serapião, com cara de poucos amigos, lascou:

--- Oi aqui, seu delegado, se meu filho tiver devendo vai ter que pagar, agora o que soube é que tem muito cabra aqui em Matozinho escovando o fato desta D. Daguimar e meu filho não vai pagar sozinho não !

A coisa então esquentou de vez , em meio ao novo Casa-Num Casa, a peixeira caiu no centro e pelo menos cinco cabras saíram de bucho rasgado para o atendimento na Botica de Janjão. Só com um tiro pra cima desferido por um Oliveirão mais perdido que cachorro que cai de caminhão de mudança em noite de São João, conseguiu acalmar um pouco os ânimos. A turba então imprensou o delegado contra a parede querendo uma decisão final .

--- Casa ! Num Casa ! Casa! Num Casa ! Como é seu delegado, qual a decisão final ? Casa ou Num Casa ?

Oliveirão entendeu, claramente, que qualquer decisão que tomasse terminaria em tragédia, seria trucidado por um ou outro lado. Antes do cheque-mate, no entanto, respirou fundo e atacou:

---- Olhe, meu povo, calma ! Eu vou dizer uma coisa a vocês , nós vamos ter que esperar Cilistrino, pois ele me deixou aqui no lugar dele, mas com funções bem claras : na área de roubo, resolva só até surrupiamento de galinha. Na área de violência você só tem ordem para resolver até tapa em pé de ouvido e pisão em dedo mindinho e na área sexual, seu Oliveira, você só tem competência para resolver até punheta, joviu ?

J. Flávio Vieira

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