quinta-feira, 13 de junho de 2024

Bumerangue

Efeito Bumerangue: a verdade sobre você que esqueceram de contar

 

 

 

 

J. Flávio Vieira

 

“Eu achava que a política era a segunda profissão mais antiga.

Hoje vejo que ela se parece muito com a primeira”

Ronald Reagan

 

                               Neste último quartel de século, imaginou-se que havíamos, definitivamente, ultrapassado, na política, a época do Coronelismo Clássico, principalmente no que tange à  violência  nos períodos eleitorais. Na memória dos mais antigos,  ainda aparecem flashes dos embates da pistolagem, do banditismo, dos crimes encomendados que prosperaram em muitas cidades caririenses e circunvizinhas  como: Santana do Cariri, Exu,  Missão Velha e Lavras. Salvo pequenas escaramuças entre cabos eleitorais e apaniguados partidários de lado a lado, este período tenebroso já parecia coisa do passado. Os tempos atuais de intensa polarização, no entanto, nos últimos meses,  parecem nos ter remetido, como numa máquina do tempo, a uma reprise daqueles filmes de faroeste.

                   De início, houve a morte de um ex-policial, suplente de vereador de partido de oposição ao governo municipal, aqui em Crato.  Um assassinato bárbaro, com uso de armas privativas militares  e incontáveis tiros, com todas as características de execução à moda de facções criminosas que pululam pelo país. Chacina executada por profissionais e, como sempre, de difícil solução. Em período pré-eleitoral, rápido, alguns opositores do atual prefeito, puseram-se a fazer perigosas ilações, imputando o delito, como de natureza política,  e apontando o palácio municipal como mandante do fuzilamento. Todas essas insinuações públicas , vezes veladas , outras frequentemente abertas e desbragadas, sem quaisquer provas que as sustentem, são de uma irresponsabilidade insana. Quem as emite, no calor da revolta da população, tem a clara certeza do dano que pode causar e das consequências imprevisíveis desse ato. Como cidadãos devemos entender que nada justifica, em pleno Século XXI, uma vendeta como a acontecida no Barro Branco. Independentemente do ódio destilado, da fúria, da raiva, nossas diferenças devem ser resolvidas nos tribunais, foi-se o tempo do olho por olho e dente por dente. O crime contra nosso ex-policial é injustificável e precisa ser elucidado. Por outro lado, não se justifica tentar resolver uma delinquência tão grave, utilizando uma outra:  um crime de injúria e difamação. Apropriar-se de uma tragédia como aríete político. Voltamos, novamente, aos campos do Coronelismo do início do Século XX. Se há provas que sejam levadas à polícia investigativa, um grande benefício se estará fazendo à humanidade.

                   Não bastasse isso, nestes dias, um outro sinal do retrocesso político em nossa cidade. Num grupo de Rede Social, um candidato a vereador de oposição agrediu, perversamente, a genitora do atual prefeito, uma senhora de mais de oitenta anos, trabalhadora, íntegra, humilde, batalhadora e que não exerce qualquer cargo público. As palavras com que se referiu a ela  fariam corar as meretrizes de um bordel. Termos de baixo calão, reles, desses que não se deve falar nem nas mesas dos bares. Como se justificar uma infâmia desse porte? Todos os que tiveram ou têm  mãe podem dar uma resposta. Na Democracia a oposição é essencial, traz o outro prato da balança e busca o equilíbrio do fiel. As críticas fundamentadas são benvindas e elogiáveis. Devem, no entanto, se ater à esfera administrativa, à vida pública dos administradores. Esta faceta é a que nos interessa e sobre ela qualquer funcionário público nos deve explicações detalhadas sobre suas ações. A vida privada é sagrada e interessa apenas ao seu proprietário. Imaginem a torpeza de se agredir uma mulher, idosa, trabalhadora, dedicada, virtuosa e que não exerce qualquer cargo público ? Quantos crimes cometidos ? Blasfêmia, difamação,  feminícidio moral, agressão a idosos ...Como chegamos nesse nível de degradação ?

                   E a Campanha Eleitoral sequer deslanchou !  É importante que os partidos, rápido, retomem as regras do jogo. O caminho da violência tem mão dupla. Quem lançar o bumerangue em pouco o terá de volta  lhe raspando a cabeça. Os eleitores já não esperam dos seus candidatos propostas e projetos que lhe modifiquem os rumos de suas vidas, mas que tragam ao menos alguma decência, alguma dignidade, algum decoro, alguma compostura ao nosso convívio. De larápios, espertalhões e caluniadores já estamos cheios. E, até prova em contrário, mentir, detratar e, principalmente, agredir a mãe dos outros não soma votos em urna. Frequentemente só pontos na cabeça.  

Crato, 13/06/24

                     

                      

Festa

 

 Hermeto Pascoal | Musica Brasilis

                               Garibaldo chegou na Praça Siqueira Campos e já pegou a conversa de Ataulfo pelo meio.  No centro de uma roda atenta de curiosos, Gari descrevia, com detalhes,  uma grande festa que participara. Esmiuçava detalhes e, com uma gabolice difícil de conter, exaltava a importância dos produtores. Era uma arena imensa com cinco palcos bem distribuídos, em feitio de Rock in  Rio. Todos eles juntando uma plateia gigantesca e animada. No palco principal as atrações da noite eram, simplesmente de encher os olhos: Caetano, Gil, Betânia, Roberto Carlos,  Chico Buarque e Alceu Valença. Num dos palcos dedicados ao brega: Adilson Ramos, Odair José,  Amado Batista, Bartô Galeno. Havia , ainda,  o palco do Rock, com a presença confirmada de Sepultura, Titãs,  Barão Vermelho, Lobão e Lulu Santos e, diante dele, um público de metaleiros vestido a caráter. Num dos cantos mais afastados da grande arena, a música instrumental era o prato principal com a convocação já acertada de Hermeto Paschoal, Nonato Luiz, Zé Calixto, Waldonis, Renato Borguetti, Yamandu, Cleivan Paiva, Arismar do Espírito Santo, Spok. Do outro lado do parque, programaram, inclusive, um palco de música  Gospel para que os crentes pudessem também curtir sua festança particular. Todos  as noites  eram abertas com shows de artistas locais que apresentavam seus trabalhos, como uma entrada chique das outras apresentações que se seguiriam como prato principal. E o mais legal de tudo, segundo Ataulfo, o famoso Tatá, é que toda a festança era aberta a todos os públicos gratuitamente, com recursos levantados junto a patrocínios na iniciativa privada.

                   Garibaldo, que adentrou o trem já com a máquina andando,  quis saber onde estava localizado aquele paraíso. Festival de Inverno de Garanhuns ?  Festival Mimo de Olinda? Festival de Inverno de Salvador ? 

                   --- Onde é essa beleza, Tatá ? Onde ?

                   Ataulfo , cortado na sua descrição minuciosa, explicou que aquilo não era nada mais, nada menos do que aqui, na Expocrato 2024. Garibaldo, desorientado, saltou das tamancas:

                   -- Oxe! Tá doido Tatá ?! Na Expocrato ?  E a Cidade da Cultura lá ia chamar umas arrumações dessas ? Tu virou a bola, foi ?  Onde diabo tu tá comprando essa maconha estragada, homem de Deus ? Aqui as sumidades são Ludmila, Pablo, Natan, Diego Facó, Iguinho e Lulinha... E de graça ? Ah, Ah, Ah !  Só esse ano, viu, por causa das eleições...

                   Tatá, então, pediu paciência à rodinha de praça para poder concluir a conversa que ficara pelo meio.

                   --- Calma, Calma, Gari ! Ô homem avexado ! Deixe eu terminar a história ! Pois bem,  lá eu estava no miolo do show, no palco principal e , quando Gilberto Gil começou a cantar, com Caetano,  “Andar com Fé”, senti um solavanco danado no meu ombro. Pensei até que era alguma briga! Na terceira balançada mais forte, caí da rede,  acordei e dei com Marilúcia, minha mulher,  me chamando, pedindo pra eu parar de cantar,  que aquilo era um pesadelo. E não teve meia conversa:

                   -- Acorda, Tatá ! Toma um banho e corre para vender teus picuaios por aí, homem de Deus ! Vê se apura algum dinheirinho pra gente comprar os ingressos pro show de Zé Vaqueiro  lá na Exposição ! Cultura é tudo, meu filho, tudo !

 

Crato, 31/05/24