segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Roteiro lúbrico-licencioso dos logradouros cratenses


                                              Quem , por acaso, se detenha em fazer um catálogo dos  muitos logradouros de uma cidade há, certamente, que se deparar com múltiplos métodos de batismo. Por um lado, existe aquele  batistério oficial que vai , pouco a pouco, denominando as mais diversas localidades com nomes , a mor parte da vezes, totalmente apartados da história local. Quebram a doce tradição popular e sapecam epítetos homenageando os poderes político e econômico da cidade. Assim, aqui em Crato,  a Rua da Pedra Lavrada se transformou em Pedro II; a Rua das Laranjeiras em José Carvalho; a Rua Grande em João Pessoa; a Rua do Fogo em Senador Pompeu; a Rua das Flores em Dom Quintino; o Sítio Quebra em Vila São Francisco. Por outro lado, persiste um movimento de contra reforma, de base bem popular,  buscando, desesperadamente, manter as denominações tradicionais e, mais, tentando,  de forma organizada e brejeira,   alcunhar os novos bairros que vão, inevitavelmente, surgindo, impulsionados pelo progresso e aumento da população.  O “Sertãozinho”, as “Malvinas”, a “Vila Caveirinha”, a “Vila Guilherme”,  aqui em Crato , são exemplo de novos lugarejos batizados , mais recentemente, pela doce língua do nosso povo. Em pouco, certamente, a Câmara Municipal ( que se atém basicamente em dar títulos de cidadão e nome de ruas) no afã de puxar o saco de algum poderoso , lavrará leis  empurrando, goela abaixo, novas denominações ,  divorciadas , totalmente, da história local.

                                   Talvez, como uma reação normal, a estes abusos, o povo simples  cratense, untado da mais pura irreverência,  tenha, paralelamente, criado um “Roteiro Lúbrico –Licencioso dos Logradouros Cratenses”. No fundo,  ele percebe que, se desviando para o jocoso, o lascivo, o sensual, o codinome ganha alma e energia novas e dificulta, sensivelmente, a troca , a reclassificação. Convido meus leitores  junto comigo, a fazer, agora, um Tour por esse Crato mais erótico e libidinoso. Afivelem os cintos e as braguilhas !
                                   Comecemos a nossa viagem pela “Vila dos Priquitos”, já reclassificada, pelos locais de “Vila do Bom Nome” e bota bom nome, nisso! Fica o paraíso  logo acima da Caixa D´água e, por incrível que pareça, próxima a “Vila da Bunda Lavada” , a “Vila do Cu Aberto” e a do “Peito Vazando”.  Todas estas  têm uma vizinhança mais que adequada à lascívia : “A Vila do Pau em Pé” . Para controlar possíveis e previsíveis libações, estrategicamente, nas proximidades, foi que  se localizou, com muita propriedade:   “O Carrapato”. 
                                   Atrás do Colégio Diocesano, lembram os cratenses, existe o “Rabo da Gata”. Anos atrás, uma madama da cidade, foi perguntada, em Fortaleza onde morava. Querendo mostrar sua nobiliarquia caririense informou que residia num bangalô na Rua Nélson Alencar. Como o interlocutor não lembrasse bem onde era o local, pois saíra do Crato há muitos anos, ela, de peito inflado de silicone e empáfia, explicou :
                                   --- Moro logo ali,  numa mansão, embaixo do “Rabo da Gata” !

                                   Descendo  das Guaribas, pelo  “Campo Alegre”,   existe o “Pelado” que felizmente fica muito distante do “Cipó dos Tomás” que é lá perto da Ponta da Serra .  O “Cipó dos Tomás”, graças a Deus, fica também bem longe do “Fundão”  e também distante do “Pelado” , se fronteiriços poderiam trazer graves questões legais e morais.  
                                   Por outro lado, na saída de Crato, lembram os mais velhos, se situa “O Pau do Guarda” que, estrategicamente , logo abaixo, como era de se esperar,  se limita com “O Saquinho” .  Por incrível que possa parecer, logo atrás do “Pau do Guarda” tem a Rua Ana Triste, o que fez, um dos nossos filósofos cotidianos a estranhar tal vizinhança e o sobrenome sorumbático da nossa Ana. Com todo respeito ao nosso Tristão Gonçalves, o nosso herói confederado,  o filósofo concluiu pensativo :

                                   --- Logo perto do “Pau do Guarda”? Ora ! Essa Ana só é triste porque quer...

Crato, 17/08/15
                                    

  

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Fogo-fátuo

Elpídio , depois de tanto desprezo, resolveu abandonar de vez a Expocrato. É que nos últimos anos foi se sentindo, pouco a pouco, relegado a um terceiro plano. Percebeu-se, por fim, como uma mosca dentro do Centro Cirúrgico.  Certo que nunca fora chegado à Pecuária e aos mistérios da Agricultura, encantava-se, no entanto, com aquela muvuca de sempre: a possibilidade de encontrar velhos amigos, a música , o filhóis , o paraíso que ali carrega  o nome enganoso de Inferninho, a paquera . Sem falar no Whisky que o transformava, facilmente, numa mistura de Leonardo de Caprio e Bill Gates.  De repente, teve a sensação de que chegara em Marte. Música ruim, cerveja quente e cara , estacionamento a preço de Avenida Paulista. Os próprios companheiros dos velhos tempos começaram a rarear, tangidos, possivelmente, pelos mesmos fantasmas que agora o atormentavam. As pretensas e prováveis paqueras já não tinham idade para aguentar Wesley Safadão  gritando no ouvido , ou sertanejos se derramando em lágrimas . E as  novas gerações estavam numa outra dimensão, não se interessariam , nunca, por um goiabão da sua marca, sexy ( mas aquele tipo de Sexy à Genário)  com cheiro de Brilhantina Glostora e perfume da Avon.  Não tinha mais o que fazer na Expocrato.
                                   Este ano, no entanto, uma novidade balançou suas estruturas. Soube da vinda do “Rei – Roberto Carlos”.  Voltaram, como por encanto, as longas costeletas à Elvis, a calça Boca-de-Sino, o medalhão no pescoço e o cabelo  black-power. Roberto escrevera a trilha sonora da sua juventude, cada música o transportava, imediatamente, para uma sensação única : o cheiro de jasmim  da menina de pastinha, a lombra do primeiro baseado, o gosto do beijo roubado no portão...  Além de tudo, com certeza, toda aquela geração estaria reunida no show do “Rei”.
                                   Elpídio quebrou, então, a jura que fizera dois anos atrás: “Nunca mais pisarei  na porcaria dessa Exposição!” . Comprou, ainda relutante, o Ingresso Ouro e se preparou, ansiosamente,  para  os “Detalhes tão pequenos”. E foram muitas e muitas “Emoções”... Música a música foi como se projetassem , caleidoscopicamente, fragmentos da sua vida. A plateia , educada e atenta, compunha-se de  incontáveis companheiros dos velhos tempos. Todos ávidos em apreender, junto a cada canção, estilhaços felizes da existência que se foram partindo ao longo do caminho. Elpídio percebeu em todos a mesma dupla sensação: a hipnose com  o brilho baço de momentos e sentimentos afogados  em meio às cinzas e a angústia disfarçada de não mais ser possível refazer o cristal que se esfacelou. Era como se todos estivessem ofuscados com o brilho de uma chama , sem perceber que era um  mero  fogo fátuo.
                                   Elpídio , então,  voltou o corpo para a outra extremidade da estrada. Parecia escura e tenebrosa, mas era sua única possibilidade de seguir em frente. Poderia permanecer postado em meio ao caminho apenas contemplando , saudoso, o fogo fátuo: mero esboço da ardente fogueira  de outrora. Despiu-se, calmamente, jogou longe os chinelos e partiu nu , na vereda desconhecida ,  aproveitando a fosca luz que vinha de trás,  pra não sei onde, pra até quando, pra quem sabe um dia...   


Crato, 06/08/15