quinta-feira, 26 de abril de 2012

Valei-me, Meu São Luiz !


Matozinho sempre foi antenada com as novidades mundo afora. Nos primórdios da sua história, elas chegavam através dos tropeiros e caixeiros-viajantes. Eles eram esperados na cidade ansiosamente e traziam consigo não só suas quinquilharias, mas também  a moda e  costumes da capital. Nesta época a Vila ligava-se ao mundo por trilhas varadas apenas por animais de carga. Com o tempo, foram melhorando os meios de transporte e os caminhoneiros receberam a missão que um dia  tinha pertencido aos tropeiros. Os Caixeiros  investiram-se de ares de nobreza e passaram a ser chamados de viajantes e depois Representantes Comerciais. Com a melhoria do transporte e, mais tarde, a chegada da TV, as novidades do consumo aportaram em Matorzinho quase que de forma imediata, sem nenhum delay. Um outro fator importantíssimo na modernização dos costumes da Vila : o retorno de matozenses que fugindo da seca haviam emigrado para o Sudeste. Passada a fase de euforia, quando o concreto armado caía por fim nas suas cabeças, voltavam para sua cidade natal, geralmente contando vantagem, cagando goma, com a língua trôpega: cravejada de chiados, de  “uais” e de “carambas”.
                                   Nesses dias,  aportou em Matorzinho, vindo de “Sum Paulo”, um desses filhos pródigos :  Sonisvaldo Coité. Trabalhara no  Sudeste numa infinidade de empregos, até ter se especializado , finalmente, como garçon. Migrou daí para uma Pizzaria, onde terminou por se firmar como Pizzarollo, um dos mais consagrados da capital paulista, segundo sua própria avaliação.  Fizera um acordo com a firma e recebeu uma graninha boa, proporcional aos mais de dez anos que trabalhou por lá na beira do forno. Vaval , este era o apelido carinhoso que nosso pizzarollo já não reconhecia, trazia consigo já a determinação de se estabelecer no comércio da sua cidade natal : vou botar a primeira Pizzaria de toda Grande Matorzinho , vaticinou ainda no ônibus, nosso Coité. Mal  desembarcou ,com sua indumentária esdrúxula : botas, gorro do Corinthians, casacão de frio e um tênis paraguaio espalhafatoso; Vaval encetou os preparativos para sua empreitada. Sobe rua, desce rua, terminou escolhendo o ponto que lhe parecia perfeito.  
                                   João do Bozó havia sido proprietário de uma Bodega próximo à praça da Vila que findou evoluindo naturalmente para um mercadinho e, agora, ostentava o vistoso nome de : “Supermercado Santa Genoveva”. Há alguns meses, Bozó providenciara um “puxado” lateral no prédio, pensando numa ampliação futura das instalações. A idéia empacara e  o espaço estava até então inutilizado. Vaval negociou então o aluguel e encetou os preparativos para a instalação daquela que seria a pioneira em massas  em toda região. Antes da reforma, já abriu o letreiro no frontispício, em letras gigantes : “Sonny´s Trattoria” e, para que o povo não ficasse pensando que ali se vendiam  tratores,  logo abaixo explicava : “Pizzas”.  Como era de se esperar,  o povo acorreu célere em busca da novidade de Coité e o empreendimento  se mostrou um sucesso.  Até porque nosso empresário entendeu rapidamente que precisava adaptar a novidade aos costumes locais. Os sabores tiveram que ser acrescentados dos quitutes matozenses e aí surgiram as pizzas de macunzá, de panelada,de manzape,  de sarapatel e de sarrabulho. Às tubaínas , também, foi preciso acrescer algumas bebidas tradicionais como Gingibirra , Aluá e garapa de cana. Tirante estas necessárias adaptações, nada foi mais preciso corrigir para que a “Trattoria” se transformasse num dos empreendimentos de maior sucesso naquele cafundó do Judas. Vaval , inclusive, estava sonhando em levar filiais para Bertioga e Serrinha do Nicodemos. E quem sabe, no futuro, vender franquias da “Sonny´s” para todo país. Tudo ia tão bem!  Mas, como diz o velho Giba: “ pobre só tem as coisas até Deus descobrir, aí toma tudo de volta”.
                                   Algumas questões certamente contribuíram para a tragédia que um dia desabou sobre a “Trattoria”. Primeiro,  a proximidade com o Supermercado de Bozó. Era lá que Vaval se abastecia e por ali não existia prazo de validade de produtos: enquanto o tapuru não comesse toda a carne e o gorgulho esfarelasse todo feijão, negociava-se. Mas o ponto crítico de tudo, certamente, foi a introdução no cardápio, da famosa Pizza de Buchada de Bode. O lançamento do novo produto foi feito com alarde e , no domingo, a “Trattoria”, de repente, viu-se apinhada de gente, pronta a degustar a novidade, apresentada naquele dia com preço promocional. A metade da vila obedeceu aos chamados de Vaval e degustou a nova iguaria ,de difícil conservação, sofregamente, acrescida de maionese caseira ( uma outra novidade perigosa trazida pelo pizzarollo). O certo é que a maionese serviu de estopim e fez explodir a bomba de bactérias da buchada de Vaval.
                                   Em poucas minutos, viram-se todos acometidos de uma caganeira universal e fenomenal. Faltou moita ao redor de duas léguas da pizzaria. Folhas e sabugos eram disputados à tapa. O velho Antonio Sitó que usava calças presas em suspensórios, só nesse dia, gastou mais de cinco : baixando e levantando os elásticos. Negrinho ,mal saía da moita,  já pegava novamente a fila. D. Filismina, uma velhinha esguia, fina que só assovio de sagüi , simplesmente desapareceu. De tanto ir ao mato encontraram apenas o molhado no chão e o filho dela, ajoelhado ante a poça , chorava inconsolado : Mãe dissolveu! Mãe dissolveu !   A família de Juca Caçote estava com o velho de vela na mão, empanzinado há mais de quinze dias. Quando souberam da catástrofe, correram na pizzaria e trouxeram um pedacinho da pizza de buchada e fizeram Caçote , in extremis, engolir. De repente, ouviu-se um murmurejo na barriga do velho e ele começou a se contorcer como se estivesse com  dores de parto. O  barulho tomou forças de trovão e , subitamente, ele gritou :
                                   ---“Valei-me, meu São Luiz !” 
                                   Ouviu-se um tiro seco,  como de um canhão no  quartel. Foi um destroço: esgotou-se a fossa, o homem desentupiu e sarou.

                                   Passados os dias, as coisas foram voltando ao normal, em Matozinho. Tirante D. Filismina, não houve baixas. Apenas o  velho Sinfrônio Arnaud preocupava. Há mais de quinze dias permanecia em casa, cabisbaixo e capiongo. Fora acometido da fininha em grandes proporções, mas aparentemente já recobrara as forças. A família preocupou-se com o velho. Vaval e Bozó, então, resolveram fazer-lhe uma visita. Encontraram-no recluso e tristonho , num canto do quarto escuro. Só com muito esforço conseguiram arrancar dele uma explicação. O velho foi enfático, estava bem, não mais sentira nada, mas estava com uma pulga detrás da orelha.
                                   --- O que está acontecendo, Coronel, o Senhor tá doente ainda?
                                   --- Não, seu Vaval, estive quase com  passagem na mão, mas já sarei.
                                   --- Mas por que anda tão triste, tão jururu ? –pergunta Bozó.
                                   --- Meu filho,  é que passei mais de três dias cagando sem o cu saber. Aí peguei aqui a matutar:  com um fiofó ignorante desses, que nem dá notícia do que tá saindo, se pode lá confiar num diabos desses, rapaz !
                                   --- Confiar como, coronel ? Quis saber Vaval.
                                   --- Se inventar de entrar alguma coisa, um fiofó analfabeto desses, será que o miserável vai  dar-se conta ?

26/04/12

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os Pavôs e seus Filhetos


Zé Ramalho, em uma música famosa, criou uma denominação no mínimo curiosa: “Avohai”. Segundo ele um misto de pai e avô. A canção brotou de uma “viagem” do artista, numa das ruas de Olinda, aí pelos anos 70. Há certamente um quê de visionário neste delírio psicodélico do Zé. A partir daí , como por encanto, multiplicaram-se os Avohai´s. É que a revolução sexual, desencadeada mundialmente nos libertários e fulgurantes anos 60 , só aportou em terras brasileiras nas décadas subseqüentes. Aí começaram a se multiplicar os filhos desta liberdade, nascidos de pais adolescentes, em meio aos dourados sonhos juvenis e que acabaram por ser criados e educados pelos avós. Claro que , de alguma maneira , o aparecimento imprevisto destes bebês sobrecarregou toda uma geração que já imaginava ter cumprido o seu dever com os próprios rebentos, mas por outro lado encantaram e deram vida estes guris a pessoas que muitas vezes se consideravam inúteis e incapazes . De repente viram suas vidas florescerem com a chegada buliçosa dos netos.

Nos dias atuais, esta geração, que poderíamos chamar de “filhetos” ( uma mistura de filhos e netos), já cresceu o suficiente para ter a certeza absoluta de que o mundo lhe pertence, no que não está em absoluto errada.. O problema talvez diga respeito à porqueira de mundo que herdaram. A violência campeia por todo o país; as drogas anteriormente utilizadas com uma certa aura ritualística hoje se banalizaram e atapetam os noticiários de tragédias; o suicídio entre adolescentes aumentou para proporções inimagináveis; o aproveitamento escolar parece uma lástima. Talvez hoje se devesse mudar a denominação de “Avohai” para “Pavô” , tamanho o medo que vem assolando os pais e avós com o destino de seus descendentes. Os meninos nos parecem hoje totalmente perdidos : estudam pouco; suas festinhas começam depois da meia noite; quase não lêem um livro qualquer que seja; têm iniciação sexual geralmente com os primeiros namorados; parecem-nos extremamente irresponsáveis e inseguros; quase na sua maioria fazem-se muito pouco espiritualizados e a droga lhes é uma palavra bastante corriqueira e pouco tenebrosa. Além de tudo muitas vezes mostram poucas perspectivas de crescimento intelectual e profissional. Até mesmo o sonho de independência das gerações anteriores, eles não mais os têm: se pudessem jamais sairiam de casa. No casamento já não juram até que a morte os separe, mas até que a primeira briga os aparte. Separados retornam para “casa paterna , seu primeiro e virginal abrigo” , geralmente com os filhos a tiracolo.

O primeiro ímpeto dos “Pavôs” leva à conclusão mais óbvia: as velhas gerações foram mais bem educadas e seus guris aparentavam bem mais resolução e desenvoltura e bem menos vícios acachapantes. Diz-se, também, à boca miúda : estudávamos mais e tínhamos mais gana de mudar o planeta. Esta postura, no final das contas, não traz embutida nenhuma novidade, ela se repete em moto-contínuo de geração a geração. Os novos hábitos vêem-se com reserva, os novos costumes interpretam-se de forma bastante crítica. Com a mesma intensidade que os adolescentes confrontam as antigas verdades, os mais velhos torcem o nariz para as novas formas de pensar e ver o mundo. Mas afinal as deformidades tão facilmente apontadas nos “filhetos” têm ou não fundamento ?

Vamos por partes. Em primeiro lugar eles herdaram um mundo construído pelas gerações que lhes antecederam e tiveram que rapidamente se adaptar à triste herança que lhes legamos. A violência generalizada os tornou inseguros bem além da insegurança normal da idade e os prende mais fortemente ao ninho dos pais. Lêem e estudam menos na visão tradicional destes dois verbos, pois hoje têm uma infinidade de meios de obterem o conhecimento fora das páginas dos livros : a TV, o computador, a Internet, o telefone, o vide-cassete. Com o bombardeio incessante dos meios de comunicação ligam-se mais à imagem do que à palavra. O mundo que lhes legamos, por outro lado, lhes tolhe as perspectivas de um crescimento interior : a todo momento a geração dos “Avohai´s” lhes prega a verdade material : a felicidade está no consumo, é mais importante calçar um tênis Nike do que degustar Sêneca. A religiosidade dos novos foi em muito tolhida pelos “Pavôs”, cientes de que uma das formas de liberdade era a da escolha de credo e de que ninguém tinha o direito de impingir isto às crianças. A liberdade sexual também herdaram do grito libertário dos hippies dos anos 60 , o “Fica” faz-se apenas uma remasterização do antigo “sarro” ou “Casquinha”. O embevecimento no uso de drogas alucinógenas veio, certamente, da mesma fonte dos hippies e beats. Foram, também os “Avohai´s” que lhes deram aulas sobre a dissolubilidade do casamento que acaba sendo uma busca de felicidade comum( mesmo que efêmera) e não uma condenação às galés perpétuas. Talvez muitos deles não lutem por um crescimento profissional por vias mais retas porque a todo instante têm exemplo de que para chegar no éden do consumo existem veredas mais curtas: os pistolões, as maracutaias , a corrupção, a sonegação, o baba-ovismo. Estas aulas todas lhes ministraram as gerações anteriores, através da concreta arma do exemplo.

Antes de criticá-los e tecer previsões sombrias sobre seu destino é imprescindível lembrar que eles apenas estão inseridos num outro mundo cheio de avanços fenomenais e deformidades terríveis e esta ordem de coisas eles a herdaram . Talvez, apenas, se encontrem atônitos e embasbacados sem saber bem o que farão com tamanha batata quente nas mãos. Tomara que , com a força transformadora da juventude, consigam corrigir os rumos da humanidade e fazer deste planeta um lugar mais justo, mais solidário e mais respirável. Se não conseguirem este intento, ao menos terão o direito de pôr a culpa na próxima geração, exatamente como têm feito os seus “Pavôs” .

Março / 03


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Gêtsemani


Não, não transparecia cansaço nem fastio, embora a cena se repetisse há tantos e tantos anos. Apenas uma leve asa de indignação ruflava ao seu derredor. Como um moderno Prometeu acorrentado, fazia-se eterno pasto à águia do cristianismo. Parece até que ganhara a maldição da imortalidade. Ressuscitavam-no todo ano, em meio às velas, ao vinho e ao roxo da Semana Santa. No seu curto e sub-reptício reinado, fazia-se, rapidamente, senhor de uma quinta , ganhava roupas esfarrapadas, mas modernas, metia-se a cavaleiro. Metamorfoseava-se de uma personalidade qualquer escolhida entre os sempre novos e fartos Judas da humanidade e partia, no Domingo da Ressurreição, para o seu calvário particular.Até um testamento lhe seria providenciado, ele que não deixara sobre a terra nenhum legado que fosse além da pura e cristalina infâmia. Até os 30 dinheiros, levara ao santuário antes do pêndulo do corpo e do final balanço da corda.

Suas memórias, se escritas, seriam um farto material para o estudo do inconsciente coletivo. Havia, com certeza, algo de sanguinário, de sádico e tribal naquela malhação.A simples encenação daquela selvageria, no fundo, contradizia-se frontalmente com as lições de amor, de solidariedade e compreensão que terminaram por permear todo o Novo Testamento. A primeira pedra que ninguém ousara lançar sobre Madalena , agora fariseus multiplicados aos montes atiravam nele com sanha animalesca, sem nenhum remorso, sem nenhum pejo.

Neste ano, ali estava novamente no cadafalso, aguardando o desenlace tão previsível. Enquanto observava a faísca zigzagueante do estopim, teve , por fim uma clara visão do mundo que um dia abandonara pensando em se livrar dos seus demônios e fantasmas. Na verdade a turba não malhava ao Judas, mas tentava destruir as imperfeições pessoais que via nele refletidas. É como se diante do espelho, o quebrassem, por temerem a imagem horrorosa mas verdadeira que se revelaria na superfície cristalina. Nada mudara em tantos anos! Bastava fitar a multidão para ver claramente presente e cristalizado em todos os corações o veneno um dia inoculado no Gêtsemani: a indecisão de Pilatos, a tríplice negação de Pedro, a parcialidade de julgamento de Caifás, a eterna opção dos eleitores por Barrabás. Parecia claro para ele agora que não foram os filhos do Pai que povoaram o mundo, mas sim a raça de Judas. Sim, seus filhos tinham prosperado como nunca sobre a face da terra . Estavam muitos ali familiarmente reunidos, com suas fraquezas, suas indecisões e seus vícios bem à mostra : lábios preparados para o beijo fatídico, mãos entreabertas esperando, sofregamente, os trinta dinheiros...

J. Flávio Vieira

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Mercado da Ética


Causou estardalhaço reportagem recente do Jornal Nacional sobre um grande esquema mafioso nas licitações públicas. Com câmeras escondidas, foram reveladas as vísceras de alguns desses esquemas , onde, com envolvimento de empresas e gestores, são armadas imensas farsas licitatórias, com desvio de polpudas frações do orçamento para os bolsos de empresários do ramo e inúmeros membros da gestão pública. A chaga exposta nos espanta , mas a rigor nada daquilo era do inteiro desconhecimento da população medianamente informada. Existe quase que um pacto tácito entre eleitores e governo : --Não tem jeito, se diz, é assim que a coisa funciona! Desde a mais remota prefeiturazinha desse Brasilzão imenso, até a mais desenvolvida metrópole, o mesmo filmezinho a que assistimos no JN é exibido todo santo dia. A Licitação é um mero artifício utilizado por quase todos com o fito de dar aparente legalidade ao crime mais hediondo : aquele que arranca merenda escolar da boca das crianças, ambulâncias de enfermos e remédios indispensáveis aos idosos. Tudo isso pode acontecer, amigos, sem nenhum problema, só não pode sair no Jornal Nacional que aí a revolta é geral.

A coisa é tida como tão normal e necessária , ouvintes, que até a gerente de uma empresa definiu perfeitamente a questão : “É a Ética do Mercado, amigos, é assim que funciona!” E perguntou em que moeda o pretenso gestor gostaria de receber a sua parte no bolo : Dólar, Euro, Iene ? Inclusive, mesmo depois das filmagens terem chegado à Mídia, para o conhecimento de uma população que se fingia indignada em nada saber, a gerente repetiu a sua frase , sem nenhum pudor : “É a Ética do Mercado, é assim que funciona !” A média seria um desvio de 15 a 20% para o bolso dos espertalhões.

Não tenho nenhuma dúvida de que a gerente não carrega consigo nenhum sentimento de culpa. Nem ela , nem todos os demais envolvidos , Brasil afora. Quem estuda um pouco de Ética sabe que um dos maiores problemas a se enfrentar é a sua relatividade. A Ética particular, privada, específica de um pequeno grupo é um verdadeiro pântano. Adentrou nessa seara dali não se sai imaculado. Eichmann , no seu julgamento , em nenhum instante se achou culpado pela morte premeditada de milhões de judeus nos campos de concentração: estava seguindo ordens, dizia, e se fosse possível retornar no tempo, reafirmava : eu repetiria novamente todas as medidas genocidas! Os islâmicos que se imolaram jogando os aviões nas Torres Gêmeas, levando junto quase 3000 civis, até o último momento se sentiram heróis de uma causa e assim são reverenciados. A política partidária tem também uma ética própria onde mentir, burlar, montar Caixa 2, prometer e não cumprir, fraudar são práticas perfeitamente aceitáveis e permitidas; diz-se sempre que só existe um crime hediondo em se tratando dessa área : Perder Eleição! Não é muito diferente a atitude de algumas religiões no que tange à proibição aos avanços científicos que poderiam levar ao alívio do sofrimento em milhões de pessoas no que tange à fertilização in vitro, às Células Tronco e até mesmo às transfusões de sangue. Todos partem de uma Ética particular e relativa, seja religiosa, política, geográfica ou cultural. E aí firma-se o impasse inevitável : se todos temos nossa Ética pessoal, de grupo, e exigimos , com unhas e dentes, que ela seja aceita, não podemos, claro, criticar a Ética particular alheia.

Como enfrentar o labirinto ? Fugindo do relativismo! Precisamos procurar valores éticos universais, distantes da gelatina das pequenas questões de grupos, de etnias , de culturas , de religiões. E a Filosofia já nos abriu algumas trincheiras balizadoras. Vamos lembrar dois gigantes nessa área. Primeiro o Utilitarista Stuart Mill (1806-1873) que já explicitava : “O mais Ético caminho é aquele que leva o maior Bem ao maior número de pessoas”. Pois bem, apliquemos nas fraudes licitatórias e veremos que não há nenhuma ética em beneficiar um pequeno grupo de farsantes em detrimento da maior parte da população. O outro, Emmanuel Kant (1724-1804) , afirmava categoricamente : “Devemos agir como se os nossos atos pessoais possam valer como princípios de uma Legislação Universal”. É fácil perceber que tornar as peripécias dos mafiosos da licitação numa verdade mundial seria a implantação definitiva do caos. E falamos apenas de Ética , amigos, junto disso corre ainda a Lei que deve punir rigorosamente os infratores e balizar todas as nossas relações humanas.

O diabo é que a maior parte dos males da modernidade está ancorada nesta cegueira parcial que é a relatividade da visão Ética. A sobrevivência do planeta , hoje, depende muito mais da Ética do que da Ciência. É preciso enxergar além do nosso quintal : as receitas que utilizamos para nosso pomar não servem, necessariamente, para a floresta, a catinga e a savana que se estendem por milhares de quilômetros à nossa frente.

05/04/12