quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

BBB em Matozinho


Ciço de Quinô , dono da “Amplificadora Titela de Siriema” , em Matozinho, voltou da capital com a novidade. Tinha ido resolver algumas pendências e comprar alto-falantes novos para uma ampliação da rede da “Titela” e tinha assistido, por lá, a alguns programas de televisão , em busca de novas tendências no mercado de comunicações. Pois bem, chegou ansioso para lançar a novidade, temendo que algum forasteiro se antecipasse. Na volta, ainda na sopa de Duzentos, veio toda viagem matutando, pensando em como adaptar a sensação do momento, nas ainda precárias condições de mídia de Matozinho. E nem espalhou muito a conversa, com medo da concorrência. Podia dar bode! Pois bem, caro leitor, como os fatos aqui narrados aconteceram em tempo pretérito, Ciço, com certeza, não se sentirá prejudicado que aqui os contemos. Pois vamos lá ! O certo é que, na Capital, ele assistira ao BBB e ficara impressionado. Um magote de homem e mulher trancafiado numa casa, fazendo a maior putaria e o povo todo brechando? Onde já se viu isso, meu senhor ? E logo ele, que fora viciado em espiar as meninas tomando banho no Açude do Calango! Até que um pai mais vigilante acabara por tirar-lhe aquela mania feia , sob força de cipó de mufumbo no lombo ! E a gora tudo era permitido? Aquilo só podia dar dinheiro e audiência !
Chegado na Vila, encetou os preparativos para empreitada. Primeiro resolveu trocar o nome do Programa. Quem diabos lá sabia o que era bigue broda ? Depois de muito pensar, trocou por BBM : “Boa Brecha em Matozinho”. A outra grande questão disse respeito à escolha da casa. Ainda andou sondando pelas ruas principais da cidade, mas quando explicava a que se devia endereçar, todo mundo roía a corda. Aquela esculhambação terminaria por trazer problemas com o Padre Arcelino e a beataria da cidade: o pároco era mais ortodoxo que embalagem de sabonete Life Boy. Queimados os imóveis mais centrais, De Quinô viu-se diante da única possibilidade de manter de pé o negócio --- sem nenhum trocadilho--- na Rua do Caneco Amassado: a zona de baixo meretrício de Matozinho. Procurou uma Boate já em decadência -- a um dia famosa “ Paraíso do Prazer” ---e negociou com a cafetina local : D. Teodulina. Conversa vai, conversa vem e terminou-se acertando um aluguel em conta, por um mês. A partir daí, Ciço começou a procurar o financiamento imprescindível para o empreendimento, coisa complicada numa cidade pequena como aquela. O certo é que alguns comerciantes locais contribuíram sorrateiramente e o prefeito Sinderval Bandeira que tinha uma gambiarra nas redondezas, soltou verba, por baixo do pano, contando com a cumplicidade e o silêncio do boquirroto e midiático Ciço. Procedeu-se, então , às últimas providências: pintura da casa com cal, aposição de vários canos de PVC ao redor das inúmeras dependências para facilitar o brechamento oficial e pago por quem assim o interessasse. O preço da espiada variava dependendo da localização do cano : os da sala e do corredor eram mais baratos, os dos quartos bem mais caros e os dos banheiros, vip´s , eram caríssimos comparando-se com o PIB da Vila. “De Quinô” instalou ainda uma extensão da Amplificadora defronte à casa, com o fito de divulgar os acontecimentos indoor aos quatro cantos da vila. A partir daí começou a divulgação do evento e as regras. Seriam escolhidos três homens e três mulheres que ficariam enclausurados na Casa por um mês, teriam comida e bebida farta. A cada semana os brechadores votariam escolhendo a saída de um e , na última semana, apenas um seria escolhido para sair da casa entre os dois restantes. O vencedor tinha vultoso prêmio garantido : Dois meses de cana e tira-gosto grátis no Bar de Godô, dois meses de PF´s grátis no Café de D. Rirri , um ano de trânsito free na “Paraíso do Prazer” e ainda uma imagem do “ Menino de Jesus de Praga”.
O passo último foi a escolha dos convidados ao confinamento. Escreveram-se muitos desocupados e muitas quengas juramentadas, de maneira que deu um certo trabalho a escolha. Terminaram escolhidos : Jojó Fubuia, o pau-d´água da Vila, que se animou com a possibilidade de cana grátis; Judite Batata em Areia, uma das mais folotes mulheres dama de Matozinho; “Tião Terra de Cemitério” , um tarado contumaz de Bertioga; Juju Tira-Tira , tradicional dançarina do “Riso da Noite”; Zazá Assovio de Soim , um sujeitinho afeminado e que trabalhava na Rua do Caneco Amassado, como uma espécie de office-boy de rapariga; e, finalmente, Zuleika 44, a mais tradicional mulher-homem da redondeza, uma verdadeira máquina de triturar casamentos.
No dia da inauguração da Casa, foi feriado em Matozinho , com direito a discurso do Prefeito e presidente da Câmara. A Banda Cabaçal tocou como se fosse Festa da Padroeira Santa Genoveva. Confinados os participantes, Ciço manteve a platéia acesa durante os primeiros dias , com a “Titela de Siriema” berrando no meio da rua sem parar. A venda de ingressos angariou total sucesso. Passada a primeira semana, no entanto, em meio à clausura e à brecharia generalizada, começaram a aparecer os primeiros problemas. Jojó Fubuia sofreu uma surra homérica, quando tentou assediar Zuleika44, abrindo-se grande controvérsia se teria conseguido um intento até então inédito na Vila, apesar da pisa. Tião Terra de Cemitério apaixonou-se desesperadamente por Zazá Assovio de Soim que resistiu às investidas do garanhão com unhas e dentes, sabe-se lá como. Zazá protagonizou o mais grave crime cometido na Casa, quando, à noite, sob a sombra bruxuleante da lamparina diz-se que se aproveitou de Judite Batata em Areia , que ,de pileque , aparentemente desmaiara e , ciente que embriagadas essas coisas não têm dono, apropriou-se das terras devolutas de Judite. Zazá terminou expulso após a denúncia posterior de Batata em Areia que entrou com um processo de estupro e desfloramento contra Assovio de Soim. Tendo sido esse o primeiro caso jurídico de estupro e meximento de quenga já registrado no Fórum de Matozinho. Juju Tira-Tira comportou-se como pode, embora haja denúncias que madrugadinha, tinha umas escapadelas para a Amplificadora de Ciço, onde aparentemente amplificava também alguns atributos anatômicos do nosso midiático guru. Terminou eleita vencedora do primeiro BBM da vila pelos brechadores , possivelmente por conta da sua capacidade inédita de mostrar-se que , inclusive, já estava bem visível no seu sobrenome.
Ciço de Quinô encheu as burras de dinheiro , anda mais serelepe que caçote em dia de chuva. Já anunciou, com estardalhaço, o BBM 2. O velho Sinfrônio Arnaud já anunciou, publicamente, que não participará e o fez com justificativa bastante cabível:
--- Meus filhos, vou nada ! Eu num tenho virilha pra fuxico , não ! E quem tem cu tem medo !

19/01/12

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Plástica


O centro do Crato está de cara nova, amigos. Submete-se a uma Cirurgia Plástica. O procedimento ainda está em andamento. O início, como em qualquer ato operatório, é sempre aquele desconforto danado : trânsito caótico, logradouros bloqueados, ruas parcialmente fechadas. Tiradas as primeiras gazes e os primeiros esparadrapos, no entanto, o paciente parece risonho e satisfeito. E vejam que ainda faltam alguns Liftings e algumas Lipos.

As praças Siqueira Campos e São Vicente revestiram-se daquele ar provinciano de outrora e trouxeram, novamente, os cratenses para as rodinhas e o doce esporte de arremesso de conversa à distância. Sem a praça, amigos, não existe a fofoca, o noticiário oral e constante da vila, o malandro, o aposentado, o estudante, o menino travesso, o desocupado, o bêbado. E sem esses personagens e as notícias fabricadas pelas línguas no dia a dia, uma cidade não se pode assim considerar, perde a vitalidade : está mais para cartório e para arquivo público.

A meu ver, a mais importante plástica foi feita na Rua João Pessoa, a nossa querida Rua do Commércio. A avenida tinha sido simplesmente tomada de assalto pelos comerciantes. Apossaram-se dos estacionamentos, desfiguraram o casario , plantaram placas enormes e horríveis, invadindo o espaço público e dificultando o tráfego das pessoas. Não bastasse isso , como grileiros, solaparam as calçadas com artigos, carrinhos de carrego , cadeiras e mesas. A reforma , inteligentemente, ampliou as calçadas , plantou banquinhos nas laterais, canteiros e reintegrou a posse dos estacionamentos ao povo, com a criação da Faixa Azul. Não descuidou , ainda, da acessibilidade e refez o calçamento de maneira artística e pragmaticamente duradoura. No final, por incrível que possa parecer, serão as lojas comerciais as primeiras beneficiadas, com um fluxo mais constante e menos desimpedido de fregueses.

Alegra-me quando vejo o Estado cumprir sua função reguladora, pensando primeiramente no bem-estar dos cidadãos. Procedemos de maneira contrária ao crime cometido contra a cidade, anos atrás, no alargamento da Miguel Limaverde, quando se destruiu a rua mais bonita do Crato com o fito único e absurdo de facilitar o trânsito dos carros . Como se o mais importante fossem os veículos e não os cidadãos com sua história.

A praça é o coração de uma cidade e as ruas, amigos, são suas veias e artérias: por elas correm o vívido sangue da vila. Se se reparar bem, as praças e as ruas estão imantadas de vida e poesia. Como dizia João do Rio: “Há suor humano na argamassa dos calçamentos”. O Crato não adquiriu apenas com um novo visual: está com veias e coração novos.

12/01/12

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Arrastão

Pois é, amigos, já tínhamos várias expressões para caracterizar as coisas, quando andam fora do prumo : “mais desmantelado que vôo de Anum”, que “queda de helicóptero” , que “rastro de carroça”. A partir dessa semana, acrescentamos mais uma ao nosso dicionário : “mais troncho que Greve de Polícia Militar” ! Já sabíamos de alguns outros desmantelos em movimentos paredistas , como Greve de Coveiros e de Médicos; mas o que aconteceu na última terça-feira foi bem além da nossa imaginação. De repente, talvez impelidos pelas fofocas disseminadas pelos próprios grevistas, estabeleceu-se o pânico: as cidades esvaziaram, o comércio fechou , o povo trancou-se em casa como se esperasse a chegada de um tufão. Junto à boataria generalizada , os espertalhões aproveitaram para pequenos furtos e para alguns crimes mais cabeludos. Até o Governador, insone, na madrugada, assinou rapidamente o aumento dos Policiais, aqueles mesmos que meses atrás tinham sido orientados a sapecar o cassetete na cabeça dos professores que lutavam também por melhores condições de trabalho. A data de três de janeiro será lembrada como o dia em que o Ceará parou.

No Crato, a coisa não foi brincadeira, amigos! Ninguém quis ficar de portas escancaradas. Até o Restaurante Guanabara, de Nenen , mais aberto que coração de mãe , e que há mais de vinte anos nem portas tem , deu um jeito de fechar : parece que botaram barricadas na entrada. Dr. Dedé cria um passarinho chamado “Abre-e-Fecha “, pois desde esse dia, me contou ele, depois do pânico, o bichinho, estressado, só Fecha, não abre mais de jeito nenhum, com medo dos bandidos. A Escola Aprendizes do Samba, do Alto da Penha, depois do sujigamento da terça-feira resolveu, este ano, não mais sair com um Carro Abre-Alas, trocou por um Carro Alegórico Fecha-Alas. Até os pequis maduros, na feira, no dia do pega-prá-capar, não abriam nem com golpes de marreta. E ,segundo as lavadeiras do Coqueiro, nunca na vida tinham visto tanta cueca e calcinha borradas. Foi um dia de juízo ou da falta de. Vejam essa : Nas Casas Populares, a única bodega que não fechou foi a de Pedro Belarmino. O velho fincou pé e disse que não abria nem para o “trem carregado de pólvora e com um doido em cima da carga fumando charuto”. No outro dia, quando as coisas se acalmaram, os vizinhos foram conversar com ele, impressionados com tamanha fortaleza. O velho , então, explicou tudo: tim-tim por tim-tim . Era homem de muita fé e tinha ali, na bodega, guardadinho, um protetor que lhe dava forças para ele nada temer. Acossado pela curiosidade dos vizinhos resolveu mostrar , devotamente, a sua proteção. Dirigiu-se para a porta aberta do estabelecimento e informou com convicção inabalável : --- Meu protetor está aqui atrás : Santo Inácio de Loyola ! Fechou a porta para apresentá-lo aos curiosos vizinhos. Lá, no entanto, só estava o pequeno altarzinho por ele construído, nada do Santo ! Num é que até ele tinha fugido , também, na terça-feira, com medo dos bandidos !

A história mais curiosa , no entanto, ocorreu com um professor da rede pública do Seminário : Florêncio Tupinambá. Estava dando aula, na tarde do dia fatídico, quando estourou a conversa do risco iminente de arrastão. Foram todos liberados e saíram em desabalada carreira para casa. Florêncio, no entanto, tinha uma gambiarra, ali pras bandas das “Cacimbas” e resolveu, pela proximidade, ir para lá. Terminou dormindo com a amante : um pouco por medo, um pouco pelo sabor do fruto proibido. De manhãzinha, ouviu no noticiário de Vicelmo a notícia de que a greve tinha acabado. E agora? Como voltaria para casa? Que explicações dar à mulher que era um misto de Diana Bobitt e Sherlock Holmes ? Criou, então, uma versão fantasiosa e dirigiu-se para casa. Em lá chegando, encontrou a residência cheia de amigos e vizinhos, a mulher e os filhos chorando, todos pensaram no pior. Tupinambá fez cara de vítima e disse que tinha sido assaltado e depois seqüestrado, quando vinha no dia anterior para casa. Em meio à apreensão da família, a versão foi engolida pela mulher sem engulhos. Acalmados os ânimos, Florêncio tomou o café farto que a esposa preparou e resolveu tomar um banho, sob pretexto de que passara a noite preso no matagal e estava um lixo. Na realidade, tentava apagar algum derradeiro vestígio que por acaso tivesse sobrado das presepadas da noite anterior. No quarto escuro, tirou os sapatos e jogou sobre a cama as meias, a calça, a camisa e a cueca. Dirigiu-se pelado ao banheiro. Quando saiu do banho , encontrou a mulher de mão de pilão em punho e , aos gritos, cobriu-o de porrada. Apanhou mais que galinha prá largar o choco. Só já no hospital , em meio à enxurrada de gazes e esparadrapos, descobriu como o plano fabuloso tinha ido de água abaixo. No afã de voltar para casa, pela manhã, ao invés de por a cueca, vestira a calcinha da namorada como peça íntima. Terminou a calcinha cheia de babados e bicos sendo flagrada pela jaracuçu da esposa, em cima da cama, enquanto tomava banho.

No dia seguinte, quando a comissão de professores da sua escola o foi visitar ( ainda penalizada pelo seqüestro) , o encontrou ainda de cara inchada e olhos de guaxinim. Perguntaram os colegas como tinha sido a greve, Florêncio disse que não tinha sorte com movimento paredista: era aquela a segunda vez que apanhava. Quando os colegas quiseram saber quem tinha sido o responsável, dessa vez, por aquela surra homérica, ele desconfiado, apontou para a mulher que preparava, com cara de poucos amigos, o almoço, na cozinha e acusou baixinho, com medo que ela ouvisse :

--- O governador, amigos, o outro governador ali !


05/01/12