sexta-feira, 27 de maio de 2011

Hello !


Defronte do Copacabana Palace, no Rio, no domingo dia vinte e dois de maio, uma multidão olhava para a janela da suíte presidencial, quase a quebrar o pescoço, esperando pelo aparecimento, por um mínimo instante que fosse, do seu ídolo. A turba formava-se por muitas gerações : bisavôs, avôs, filhos, netos. Uma senhora, passando pelo calçadão, arrastando seu poodle estranhou aquela atitude. “Um bando de gente desse, olhando para cima, como bestas, esperando o quê? Outro besta aparecer lá em cima?” Um rapazinho de uns vinte e poucos anos, fita-a seriamente e diz:

--- Minha , senhora! O que é isso? Respeite a religião dos outros! Se a senhora soubesse que Jesus estava hospedado aqui, não estaria ajoelhada neste calçamento? Pois ali em cima se encontra meu deus! Respeite a minha religião!

Pertinho, um outro rapazinho conversa com amigos e informa que não vai dar mais para esperar. Tem que ir para o Engenhão, render alguns amigos que estão na fila e precisam almoçar. E diz: “Estamos acampados lá desde quarta-feira, queremos ficar pertinho de Paul!”. À noite, no estádio, uma fila quilométrica aguardava a abertura dos portões. Pessoas de todas as idades estavam prontas a suportar mais de nove horas em pé, deslumbradas e anestesiadas com possibilidade de, após a maratona, estarem pertos, num show inesquecível, de São Paul McCartney de Liverpool. Avós, filhos, netos, das mais variadas regiões do país – umas quatro gerações --- ali estavam firmes e fortes. Alguns já tendo feito igual peregrinação nos shows anteriores de São Paulo, Porto Alegre e Buenos Aires. À nossa frente, uma senhora testemunha dos dourados anos sessenta, nos disse ter comprado ingressos para vir ao show daquele domingo e da segunda-feira. Passadas as longas seis horas aguardando o ídolo, uma platéia aparentemente estafada simplesmente ressuscitou quando Sir Paul apareceu no palco, com sua banda competentíssima e, sem muitas pirotecnias, sustentou um inesquecível Show de três horas. É que todos, totalmente reconfortados, assistiam à sua frente um show não de Paul mas do “The Beatles”.

Em pleno Império do Efêmero , pus-me a pensar: o que dá a uma obra tintas de eternidade? Ali estavam quatro gerações comigo, não de apreciadores da Banda, mas de Beatlomaníacos! Como aquilo era possível, se a primeira e mais primal atitude dos jovens é jogar no lixo tudo o que a geração anterior apreciou? Em plena era do Forró de Plástico, do Breganejo, do Axé Insosso, onde o sucesso dura no máximo alguns dias e as bandas nascem e morrem numa velocidade estonteante, como explicar a perenidade e a blindagem dos Beatles?

Queóps construiu sua pirâmide dois milênios e meio antes de Cristo.O faraó ergueu sua tumba gigantesca esperando ali ficar aguardando a ressurreição, ou seja moveu-o a busca da imortalidade. No fundo, toda obra de arte é uma nova pirâmide feita pelo artista, na quase sempre inglória tentativa de com ela driblar a morte e o esquecimento.A possibilidade quase que única de sobrevivermos de alguma maneira ao desaparecimento físico inexorável. A música que se faz hoje, quase sempre, na sua volatilidade, nada tem de ritualística e nem pode pretender ser arrolada como Arte. São casas de adobe, sem alicerce, para o pouso temporário e incerto de alguns. Feitas para o entretenimento daquele instante, daquele momento específico, rui como por encanto à primeira neblina. Sequer os bordões permanecem: “minha eguinha pocotó”, “minha mulher não deixa não”, “Ah, eu tô maluco!”

As tintas da eternidade são perseguidas por todos os artistas e, no fundo, é o moto-contínuo do seu fazer artístico. Mas não basta querer a permanência simplesmente. Nem mesmo a qualidade inequívoca da obra reconhecida hoje lhe dá, a certeza da permanência. Alexandre Dumas foi o mais reconhecido escritor da sua geração, assim como Anatole France e, nem por isso, a vivacidade das suas obras resistiram totalmente ao impacto do tempo. Balzac e Baudelaire, bem menos incensados enquanto viveram, criaram uma vitalidade impressionante com o passar dos anos. Além da qualidade temporal imprescindível da obra de arte, essa necessita de alguns outros atributos para as banharem de eternidade. Faz-se mister genialidade. O grande artista é sempre um visionário e consegue imprimir um profundo ar de atemporalidade naquilo que faz. Tantas e tantas vezes passa totalmente despercebido por seus contemporâneos, simplesmente porque pinta na tela do hoje utilizando as tintas do futuro.

Se a impermanência é o atributo mais palpável do reino animal, rescendeu um ar de eternidade , de divino quando Paul subiu ao palco do Engenhão no domingo. Como se todos estivessem diante da pirâmide e de lá saísse um Queóps redivivo dizendo Hello! e nunca, nunca mais, Good Bye!

27/05/11


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Amor na prateleira


Eita geraçãozinha sofrida esta dos anos 60! Não foi brincadeira não, meus amigos! Maio de 68, o movimento Hippye , Woodstock, enfrentamento da ditadura militar. Vá lá que conseguimos usufruir de alguns frutos semeados: a liberdade ainda que tardia depois de Figueiredo e uma rebarbazinha de liberdade depois da pílula. A maior parte da colheita, no entanto, caiu no paiol dos nossos filhos e netos. Assim se faz a vida: plantamos a semente no nosso quintal e a melancia brota no do vizinho. Cá me ponho a matutar com meu zíper, por que diabos não alcançamos as delícias do “fica”; o namoro no motel e não na praça; o final de semana no hotel com a paquera; o desbancamento definitivo da virgindade; a noite que acaba ao amanhecer e não às 21 horas; a iniciação com a namorada e não com a rameira.Claro que, por outro lado, não tínhamos alguns acidentes de percurso como a AIDS, mas , definitivamente, entre prós e contras, perdemos de goleada. Percebo que conversar com os amigos no Orkut, não é a mesma coisa que tê-los junto, numa mesa de bar. Entendo também que, em busca do fruto proibido, os namoros antigos carregavam consigo uma carga de sensualidade incrível: a do desejo impossível de ser saciado. Há grandes possibilidades de que o doce de leite não provado venha a tornar-se eternamente delicioso, mas não substituí, a meu ver, o prazer único de degustá-lo, mesmo com o risco de , com o passar dos dias, transformar-se num doce qualquer , comum e trivial, mesmo tendo saído das mãos de Isabel Virgínia.

Preocupa-me, por outro lado, a transformação gradual do amor num mero bem de consumo. O namoro e o casamento cobriram-se de um forte tom utilitarista.Não muito diferente do que se criticava nas gerações passadas: casamentos escolhidos pelos pais , sem nenhum vínculo amoroso entre o casal. Mudamos? Hoje, procedem-se, novamente, a todos os preparativos da viagem, calculando os mínimos detalhes. Muitas vezes se utiliza mais a contabilidade que o coração. São tantos os critérios a serem preenchidos pelos pretendentes que a cidades se vão inundando de legiões de solitários: com seus rituais, seus temores e suas idiossincrasias.Todos querem segurança e estabilidade, numa viagem onde a beleza e eternidade estão escondidas justamente no instável e no fugaz.As agências de casamentos oferecem parceiros com os ingredientes de uma receita de bolo e escolhem-se companheiros como se cata presentes para um chá de cozinha. Nem se percebe que o encontro de duas pessoas é sempre a fusão de dois abismos perfeitamente insondáveis.

Semana passada li uma notícia que mais que nunca condensa os tempos atuais. Abriram, no Japão -- pasmem vocês-- uma agência para desfazer casamentos. Funciona de maneira muito simples. Um dos parceiros quer finalizar o relacionamento de modo rápido? Contrata a agência e esta manda um funcionário(a) seduzir o marido ou a esposa. Filma-se e documenta-se toda a tramóia e, aí, entrega-se o dossiê ao interessado que,em rito sumário, procede à separação. Segundo a agência , conseguem índices favoráveis em até 90% das contratações.A competência dissolutiva dos funcionários da empresa é testada a todo momento, se não conseguirem desencadear os escândalos necessários acabam demitidos rapidamente. Ou seja , amigos, já temos, no mercado, fábricas de construir e destruir relacionamentos. O amor e o desamor estão estampados na prateleira à espera de qualquer cliente. O dinheiro, como já previra Nélson Rodrigues, compra tudo, até mesmo amor sincero.

Neste ponto, o mundo ficou mais chato. Desapareceram o mistério, a surpresa, a arte do encontro e do desencontro. A sexualidade engoliu a sensualidade. O olhar, o beijo, a palavra, o toque tornaram-se obsoletos. As pessoas , embora mais livres e menos preconceituosas, vão se tornando mais individualistas. A tolerância , artigo de premente necessidade neste mundo de guerras e conflitos, deveria fluir naturalmente do relacionamento cotidiano entre os indivíduos. Mas os homens estão ocupados demais preenchendo fichas e planilhas e não conseguem perceber os outros passageiros que, na mesma nave, empreendem a fantástica viagem que chamamos vida.

J. Flávio Vieira

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Tradições & Traduções


“O fim da arte inferior é agradar,

o fim da arte média é elevar,

o fim da arte superior é libertar”

Fernando Pessoa


O Centro Cultural Banco do Nordeste, no seu aniversário de cinco anos, tem muitas razões para comemorar o apagar das velinhas e o talho do bolo. O Centro trouxe a força gravitacional necessária para atrair as mais diversas formas de arte e a caixa amplificadora para dar ressonância às mais diversas expressões artísticas de que o Cariri é reconhecidamente um celeiro. O Centro Cultural somou suas forças ao trabalho já encetado há muitos anos pelo SESC e hoje é possível dizer que a os rumos da Cultura aqui na nossa região dividem-se em aC e dC ( antes e depois do Centro).

No último dia 29 de Abril, subiu ao palco, num memorável show de aniversário, uma plêiade de artistas representativos daquilo que se vem fazendo de melhor em música contemporânea no Ceará. De um lado a TRADIÇÃO configurada na batida inconfundível e telúrica dos “Zabumbeiros Cariris”, com seu canto úmido de misticismo , grávido de húmus. O canto que teve a participação especial de Luciano Bryner e que nos aviva na alma nossas profundas raízes pernambucanas que saltam do Maracatu de Baque Virado, dos Caboclinhos, do Coco de Praia.Na outra extremidade os músicos caririenses mais representativos, no seu trabalho autoral, e que digeriram toda nossa cultura popular mas temperada com as mais diversas influências da música/poesia universais . Trazendo-nos o contraponto imprescindível das “TRADUÇÕES”. Todos eles , incrivelmente, com mais de quarenta anos de estrada, mas provando-nos ,a todo instante do Show, que a boa arte é libertária e atemporal.

Abidoral Jamacaru , Luiz Carlos Salatiel, João do Crato esmeraram-se em trazer à ribalta o que existe de mais clássico no repertório da música caririense: “Lua de Oslo”, Prá ninar o Cariri”, “Lá de Dentro”, “Limite”, “Oriente”, “Vida”, “Cuba”, “Coco pra Azuleika e Asa Branca” e tantas outras. A poesia icônica de Geraldo Urano brilhou como se saísse dos refletores, junto com um universo de compositores cearenses: Pachelly Jamacaru, Ermano Morais, Eugênio Leandro, Amélia Coelho, Cleivan Paiva, Luiz Gonzaga... A banda trazia a competentíssima batuta de Ibbertson Nobre nos teclados /Sanfona, Rodrigo(Bateria) , a percussiva presença dos Zabumbeiros, além dos inconfundíveis baixo/violão de João Neto.

A casa estava cheia de uma platéia entusiasmada e participativa e que em voz uníssona confirmava: Um Show para se ver e rever! Um show que precisa sair do casulo e ganhar os palcos do Ceará e do Brasil !

Esta é a nossa Arte: a expressão maior de que aqui estamos vívidos e vivos. Mídia do Brasil, nem só Traições vive o Show Business! Que tal Tradições & Traduções ?


J. Flávio Vieira

Entre o "S" e o "B"


Nesta semana os Estados Unidos anunciaram, com estardalhaço, a morte de Osama Bin Laden. Nova York comemorou na Time Square como se tratasse do Dia de Ação de Graças. Uma alegria não muito diferente daquela que invadiu o Iraque , nove anos atrás, quando ruíram as Torres Gêmeas. A mídia internacional elogiou seguidamente a ação militar , transparecendo , claramente, que o terrorismo mundial findava com o extermínio puro e simples do inimigo público número 1. Os britânicos estamparam manchetes: “Covarde até na morte”, interpretando informação , depois desmentida, de que Osama teria usado a mulher como escudo, no ato final da sua vida. Como se um fanático fundamentalista temesse a morte ou qualquer uma outra coisa além do afastar-se de seus rígidos e pétreos princípios Os europeus, mais sensatos, perceberam que haviam ganho comido um pequeno peão no imenso jogo de xadrez da política do internacional. O presidente Obama, em plena campanha de reeleição, posou de John Weyne, após o pretenso duelo final deste faroeste de longuíssima metragem.

Pois bem, aqui deste nosso fim de mundo, junto às botas que Judas perdeu, vamos refletir um pouco sobre esta Paixão profana: cheia de muitos Pilatos, tantos beijos falsos, vários Caifás, muitas crucificações ,poucos anjos e nenhum Messias. Não é por mera coincidência que apenas uma mera consoante separa Obama de Osama. Nesta sintaxe é impossível saber se o “B” que existe em um é o de bonzinho, boçal ou de besta-fera , bem como o “S” que o outro ostenta representa o sabido, sacana ou satanás. Obama não é o que ele é, mas o que ele representa. Terrorista ,cada um a seu modo, eles são extremidades que se tocam e soltam faíscas. Porque, amigos, terrorismo é sempre uma estrada de mão dupla e, no final, é sempre a população civil que paga diretamente pelos erros cometidos lado a lado. Tão injustificável quanto as mais de 3000 mortes do World Trade Center, são as incontáveis perdas causadas pelo imperialismo capitalista no Terceiro Mundo, com sua política colonialista e predatória. Basta lembrar que só na invasão do Iraque, segundo a Opinion Research Business (ORB), mais de um milhão e duzentas mil vidas foram sacrificadas de forma violenta. Buscava o que o bravo exército norte-americano ? Uma arma de destruição em massa que só depois se percebeu chamava-se : Petróleo.

Há um outro ponto que precisa ser lembrado. A cavalaria perseguiu Bin Laden por quase dez anos. Com toda tecnologia quase não consegue encontrá-lo. Ele se tornou o campeão mundial de esconde-esconde. Por que a dificuldade? Um dos fatores mais importantes é o fato de que tentavam capturar um mito e que contava com a cumplicidade de todo universo islâmico.

O terrorismo acaba com Bin Laden? De maneira alguma! Do mesmo jeito que a pretensa guerra contra o terror não acabaria com o desaparecimento eventual de Obama . Assim como o Arraial de Canudos não acabou com a morte do conselheiro: apenas se mudou para as favelas. O cangaço não se findou em Angicos, tão-somente subiu os morros e urbanizou-se. A Guerra contra o terrorismo só acabará quando cessar o terrorismo nas duas mãos da rodovia. Enquanto isso viveremos um conflito pleno de lágrimas derramadas de lado a lado e alguns enganadores intermezzos em que o povo comemorará uma vitória fictícia, sem perceber que a próxima bomba já se encontra com o estopim chiando.

05/05/11