quinta-feira, 24 de junho de 2010

O beijo

Edith Shain partiu neste último domingo, aos 91 anos. Vida longa. Três filhos, seis netos e oito bisnetos gravitavam em torno dela, numa casa em Los Angeles. A idade lhe consumira o frescor dos anos primaveris : Quase não lembrava a mocinha doce que fora enfermeira no Doctor´s Hospital em Nova York , nos anos 40, e, depois, professora de uma creche pública. Sua existência nada teve de muito extraordinário em se comparando com outras mulheres da sua geração. Nada. Trabalho, família constituída, atribulações cotidianas de uma enfermeira com seu ofício e afazeres domésticos. Apenas um fato inusitado, célere, imprevisível, a levou à celebridade. Destes acasos que fogem à perscrutação dos maiores visionários e que , tantas vezes, soprando em vento contrário, fazem com que o raio caia na nossa cabeça, ou pombo, em vôo, nos acerte a fronte com seu excremento. Mesmo assim, Edith manteve o segredo por quase quarenta anos. Temia a exposição às câmaras ou uma interpretação maliciosa por parte dos familiares e da sociedade norte-americana tão afeita ao falso moralismo e à hipocrisia.
Naquele 15 de Agosto de 1945, Shain , como toda Nova York, saiu mais cedo do trabalho e dirigiu-se à Time Square. Comemorava-se o Dia da Vitória , com a rendição final dos japoneses. O fim das agruras da II Guerra Mundial que havia ceifado tantas vidas daquela sua geração e posto sérias interrogações sobre o futuro da humanidade depois das imagens de Auschuwitz, Hiroshima e Nagasaki . Lá, uma alegria epidêmica contagiava a todos: vários militares beijavam as moças nas ruas, prenunciando uma época de aumento nos nascimentos , em todo o mundo, que se chamou, depois de Baby Boom. Como se a vida tentasse recuperar as perdas e estabelecer, claramente, sua soberania sobre a morte.
De repente, um marinheiro tomou Edith nos braços e sapecou-lhe um beijo cinematográfico – em meio à beijação generalizada . Tão vigoroso o ósculo que a curvou, como se iniciasse um processo de levitação. Durou apenas alguns segundos e o militar continuou a comemoração em outras bocas pela 7ª. Avenida. A cena teria se repetido por incontáveis lábios naquele dia e , nas suas velocidade e fugacidade, terá permanecido na memória gustativa dos protagonistas e na lembrança visual, igualmente efêmera, de alguns circunstantes. Em tempos em que a mídia engatinhava e as reportagens externas de TV ainda eram um sonho, pouco restaria daquele momento não fosse uma casualidade mágica. As lentes da Leica de um fotógrafo polonês : Alfred Eisenstaedt. Um clique apenas e estava imortalizado aquele instante único e icônico, uma foto, que por si só, consegue captar , na sua simplicidade, toda a profundidade da história. Aquele poder da imagem de consubstanciar nas suas nuances aquilo que as palavras, por mais que se sucedam, não conseguem resumir.
Por muitos e muitos anos, a foto célebre mantinha um tempero especial. Seus protagonistas eram anônimos, rostos perdidos em meio à turba. Só no final dos anos 60, Edith, com o despojamento que os anos lhe trouxeram, assumiu a participação. O marinheiro, no entanto, ainda é uma incógnita, embora peritos, posteriormente, tenham concluído, com alguma margem de segurança, se tratar de Glenn McDuffie,de Houston, hoje aos 82 anos. Um dia, entrevistada, disse Shain : "O Sol nasce, o Sol põe-se. Não muda nada. Nem foi grande coisa. Afinal meninas bonitas recebem sempre mais do que um único beijo, não é? Foi um bom beijo, longo. Fechei os olhos e não resisti.”
A imutabilidade do universo é apenas uma visão de superfície. Como se olhássemos o rio à distância, sem perceber seu fluxo incessante. Hoje , com a explosão midiática, quebraram-se todas as fronteiras da privacidade. O mundo transformou-se num reality show. A internet com suas webcams devassam todas as alcovas. Os paparazzi invadem todos os banheiros. Câmaras digitais e celulares saltam dos bolsos de cada habitante e registram os mais íntimos movimentos. E mais: as pessoas se expõem de vontade própria, cada um na busca de seu Time Square. Estudantes se filmam em transas e divulgam abertamente as imagens; mulheres e homens põem câmeras em casa e se ligam na net. Artistas registram a lua-de-mel , fingem roubo das fitas , liberando imagens tórridas no youtube. Depois, mostram-se revoltados e indignados. Antes as pessoas se apresentavam com duas máscaras: uma social mais simpática, educada e palatável: o Dr. Jekyll; e uma outra ,privada, onde mostrávamos, para nós mesmos e para uns poucos, nossa verdadeira natureza: o monstro. Agora só nos resta , a transparecer, quebradas os limites da privacidade, o que temos de pior : o Dr. Hyde.
Que distância separa o clique mágico de Alfred Eisenstaedt; da auto-exposição da Cicarelli, nas praias espanholas ou da Geyse na UNIBAN ? Acredito que a espontaneidade. A foto da Time Square eterniza um momento único e etéreo; sem que se tenha montado cenário e sem script pré-estabelecido. Ele é pleno de poesia, pois traz em si a essência plena do poeta, aquela capacidade de perenizar o volátil. Talvez , por isso mesmo, é que ainda hoje o beijo de Glenn e de Edith sabe a uruçu nos lábios de cada um de nós, como se a guerra tivesse acabado agora mesmo e a paz fosse uma verdade única e duradoura.

24/06/1o

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Jabulani



O futebol não é uma questão de vida ou de morte.
É muito mais importante que isso...
Bill Shankly





Pois é, amigos ! Imaginem o desespero de um escritorzinho rabo de galo, que se senta às quintas-feiras , para escrever seu texto semanal, em tempos de plena Copa do Mundo de Futebol ! Quando nem Paulo Coelho, com sua mandinga , seu feitiço e suas receitas de bolo fofo, consegue leitores fiéis ! Enquanto teclo, três partidas internacionais vão se desenrolando e os noticiários cospem, a cada minuto, informações sobre a nossa Seleção Canarinha que não têm fôlego para Campeonato de terceira divisão, mas sonha alto com o Hexa. Tudo isso no país do futebol ! Ou seja, nem o escritor assenta a cabeça para escrever o texto, nem o leitor tem miolo para preencher com qualquer outro utensílio que não seja a Jabulani. Pois bem, que jeito ? Vamos então falar do que interessa : futebol ! Já viram paixão mais arrebatadora entre os brasileiros ?
Aqui, em dia de jogo da Canarinha, nada funciona! As emergências param, os Centro Cirúrgicos fecham as portas, padre cancela missa. As ruas se vestem do verde-amarelo, cada brasileiro enverga a camisa da seleção e bandeiras tremulam em cada casa , cada esquina. No primeiro jogo do Brasil, uma colega pediatra resolveu ir ao consultório, no horário da partida, sob o pretexto de que não gostava de futebol. Teve que voltar e assistir, pacientemente, ao embate: não apareceu uma criança sequer para se consultar. Sararam, como por encanto!
Em tempos de Copa, perdemos aquele complexo de vira-lata de que falava Nélson Rodrigues; latimos alto como cão do melhor pedigree. Talvez porque, na África do Sul, nos sentimos um pouco em casa. Vendo a alegria contagiante dos sul-africanos percebemos , claramente, que à etnia afro devemos nosso despojamento, nosso espírito festeiro e dançante, nossa capacidade de vencer as adversidades : sem travo, sem amargor, sem sangue escorrendo pelas ruas. Se , como tão bem disse o Desmond Tutu na abertura, naquele momento a humanidade estava voltando para o lar, nós brasileiros, mais que ninguém, nos sentimos reintegrados à tribo Zuzu. É que estamos conseguindo, pouco a pouco, canalizar a paixão do futebol para nossas atividades mais cotidianas e o gigante vai se levantando do berço esplêndido onde ficou hibernando por tantos e tantos séculos.
No Brasil, por nossas peculiaridades, o futebol terminou virando arte: um misto de bailado, de capoeira, de ginga, de manha, de catimba. A bola, herdada do fleugmatismo inglês, aqui encontrou a liberdade nas pernas tortas de Garrincha, nos pedaladas de Robinho, na bicicleta de Leônidas. Numa nação nova, carente de heróis, o futebol nos trouxe as glórias que nos faltavam em muitas outras modalidades esportivas e sociais. Funcionou como cola, como adesivo , unificando os sonhos díspares de um país multiforme, diverso e de dimensões quase que continentais. Ofereceu-nos a primeira razão de orgulho, o seminal sentimento de identidade pátria. Talvez, por isso mesmo, o futebol tenha uma ressonância tão profunda, tão avassaladora, tão magnética nos corações dos brasileiros.
Há uns dois meses, contou-me um sobrinho que mora em Recife, faleceu um velhinho já quase nonagenário, avô de um colega seu de faculdade. A família toda era de torcedores fanáticos do Sport Clube do Recife, até porque o velho era uma dos sócios mais antigos do clube e, inclusive, fora diretor por vários anos. E o Sport em Pernambuco, amigos, representa a paixão como o Corinthians em São Paulo e o Mengão no Rio. A doença havia sido insidiosa e de muito sofrimento, de maneira que o velório estava tranqüilo, com um pesar muito bem dosado. Todos conversavam, conformados com a inevitabilidade da morte, quando de repente, a viúva, já idosa, andando com muita dificuldade, aproximou-se lentamente do caixão e colocou a bandeira do Sport por cima, numa última homenagem . Foi como se o mundo tivesse desabado ! A família irrompeu numa crise de choro convulsivo que foi difícil de controlar. Meu sobrinho foi categórico : se o Brasil ganhar o Hexa, eu acho que ele pula do caixão e se for contra a Argentina, ressuscita e sai dançando frevo pelas ruas da cidade:


“Voltei, Recife !
Foi a saudade que me trouxe
Pelo braço...”




17/06/10

quinta-feira, 10 de junho de 2010

As desventuras de um metrossexual em Matozinho

Solano era o primogênito do Coronel Sinfrônio Arnaud. Cresceu em Matozinho e, aí pelos dezoito anos, foi deportado para capital. Garotão encharcado de hormônios, aficionado de um aguardentizinho e de uma serenata, metia-se frequentemente em confusões. O velho Sinfrônio, ainda adepto de uma pedagogia pré-piaget , não brincava em serviço: Solano pagava tim-tim por tim-tim todas as danações, sob lapada de cipó de mufumbo. Para Arnaud as coisas estavam resolvidas, enquanto o couro do espinhaço de Solano agüentasse peia, podia se danar à vontade. O problema é que apareceu um crime já não mais passível desta penalidade e que , inclusive, arriscava ser julgado por um outro fórum bem mais rígido. Solano começou um namorico com a filha de um pistoleiro profissional da região: Caninana. O homem carregava mais de cinqüenta mortes nos lombos. Pois não é que o satanás cutucou Solano e ele terminou bulindo com a filha do cangaceiro?
Arnaud , do alto da sua experiência, percebeu claramente que a sorte de Solano já estava selada. Caninana parecia tranqüilo, não boatou, não fez munganga. O coronel, no entanto, sabia que ele apenas ,ofidicamente , armava o bote. É que estava em condicional e precisava deixar as coisas arrefecerem e a vingança imediata daria muito na vista, ainda mais se tratando de um filho do coronel. Na melhor das hipóteses, no entanto, Solano, mais cedo ou mais tarde, passaria por um ritual de capação com faca cega, daquelas usadas para cortar sabão. E nem mesmo lavando a honra da moça em límpidas águas de matrimônio, se livraria da pena. Sinfrônio, então, rapidamente, optou pelo exílio e mandou Solano estudar na capital, para nunca mais voltar em Matozinho.
Solano partiu meio a contragosto. Mas, que jeito? Matriculou-se num colégio famoso, já com ordens do pai : só dê notícias quando for doutor advogado ! O menino, no entanto, nunca fora muito chegado aos livros. Levava mais pau do que bola de sinuca. Quando Arnaud descobriu a vida boêmia do filho, cortou o abastecimento de fundos: “ se não quer estudar, se vire e procure emprego!”. Solano, sem oxigênio, valeu-se dos amigos da noite e terminou arranjando uma colocação em um Cassino, como porteiro. Jeitoso, imprimia confiança aos amigos e findou subindo rápido de função: virou croupier. Sim, amigos, o croupier é aquele que , na mesa de bacará e Black-jack dá as cartas aos jogadores. O filho de Sinfrônio aprendeu com presteza sua nova função. Solícito, educado, tratava a todos com lhaneza, mas mantinha o distanciamento necessário à sua função, compreendia que não era psicólogo nem assistente social . Cassino arrastava um sem número de frustrados-desesperados-esperançosos e que ali batiam , muitas vezes, em busca da última jogada da sua vida. O certo é que Solano, com os anos ,transformou-se num grande croupier e amealhou um salário digno da função a que se atirara. Nas horas de folga, levava a mesma vidinha de sempre, cheio de namoradas, fugia do casamento como o cão da carrocinha. E mais ! Vaidoso, usava roupas da moda e das melhores grifes e não largava o salão de beleza.Até se submetera a uma plástica para corrigir um desvio do nariz que o atanazava desde o nascimento e que, em Matozinho, lhe levara ao apelido de “Tucano”.
Em Matozinho, os quinze anos do exílio de Solano, passaram bem mais lentos do que na capital. O coronel agora já velho, sentindo a velha da foiçona arrodeando, voltou a sentir saudades do filho. Soube que Caninana já havia sido eliminado pelo veneno de uma serpente mais nova. A mocinha, um dia ofendida por Solano, já casara e puxava uma récua de filhos. Mandou , então, um mensageiro à capital, no intuito de fazer uma aproximação , já que Solano tocava a vida com remo próprio.
Solano voltou nas férias e o velho o recebeu de braços abertos. Com festa regada a fogos, a boi na brasa e alambique aberto. Em Matozinho, por mais de uma semana, não se comentava outro assunto. O filho pródigo teve que se desdobrar para que as pessoas entendessem os meandros da sua profissão, numa terra em que jogo era pif-paf, sueca e relancim.
Com o passar dos dias, Solano deixou de ser novidade e passou a fazer parte da paisagem natural da cidade. Os matozenses passaram então a observar hábitos estranhos do nosso visitante. Essa história de ir pro salão de beleza, fazer sobrancelha, pelar o sovaco, tirar cutículas da unhas... Sei não, hein ? Isso não é coisa de homem não ! Sussurravam as más línguas pelos cantos. O velho Arnaud, também, pressionado pelos amigos, pegou ar na bomba. Deu uma dura no filho. Solano, no entanto, foi firme, disse que aquilo nada tinha a ver com viadagem, era coisa de homem moderno e deu até um nome pomposo para o dito cujo : o que eu sou, papai e os outros morrem de inveja , é um metrossexual.
Diante do palavrão, Arnaud folheou o “pai de nós todos” e lá encontrou o verbete. Ficou mais tranqüilo, embora ainda com a pulga detrás da orelha. Tinha ao menos um argumento para defender o rebento dos comentários maldosos. As fofocas, no entanto, não terminaram por aí, até porque Solano manteve seus hábitos refinados, naqueles confins de mundo. Dois fatos terminaram por dar uma bunda canastra no retorno de Solano.
Semana passada, ele se meteu numa buchada de bode e foi bater na Botica de Janjão, com uma dor de barriga de se contorcer. A notícia que correu em Matozinho é que tinha sido uma cólica menstrual, aliás metrossexual. Logo depois, Gilda Büdchen, um travesti de Bertioga, veio a Matozinho resolver uma pendência com seu marido. Desfilava deslumbrante pela cidade sob os apupos, como sempre, da população: “bicha! Veado! Baitola!” Gilda, poderosa, rodou dos seus saltos e gritou :
--- Respeite a nega aqui, ó gentalha ! Agora, pobreza, o nome é metrossexual !
Depois desses fatos, um Sinfrônio chateado procurou o filho e, de comum acordo, resolveram que já era hora de Solano voltar à capital. Aquilo não era lugar para uma pessoa fina e educada como ele, viver. Solano ainda lembrou as encruzilhadas do destino, da primeira vez se exilara porque ofendera alguém, agora tinha que novamente partir porque fora ofendido. Na despedida o velho Sinfrônio abraçou o filho e lhe deu toda a razão, ali era o fim do mundo, morava um povinho atrasado e linguarudo, mas , mesmo assim, antes do embarque de Solano, pelo sim, pelo não, o advertiu:
--- De qualquer maneira, cuidado, meu filho! Você trabalha como croupier, dando as cartas todo dia ! Preste atenção, menino, distribua todas as cartas do baralho, mas cuidado para não dar o ás de copas por aí, joviu ?

10/06/10

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ora, pílulas


"Tudo está fluindo.
O homem está em permanente reconstrução; por isso é livre : liberdade é o direito de transformar-se."

(Lauro de Oliveira Lima)



O desenvolvimento de uma Indústria Farmacêutica, a partir do fim do Século XIX, trouxe um impacto enorme no tratamento de patologias várias e na melhoria significativa da qualidade e esperança de vida. O seu nascimento coincide com o exato momento em que a Medicina começou a se afastar do empirismo do encantamento, dos fluidos e humores e vestiu-se de uma couraça científica. A partir deste momento, singrou mares nunca dantes navegados. Hoje contamos com um arsenal terapêutico e diagnóstico capaz de fazer a humanidade viver saudável e produtiva por pelo menos mais quarenta anos. A Imaginologia, os Transplantes, as Cirurgias minimamente invasivas, a cirurgia robótica, a Inseminação Artificial, a Fecundação In vitro, a Clonagem, o Mapeamento Genético levariam qualquer esculápio novecentista a ficar de queixo caído. Poucos avanços médicos, no entanto, tiveram tanto impacto na vida e costumes da humanidade como aquele acontecido em Junho de 1960, há exatos 50 anos.
Desde épocas imemoriais, tentaram os estudiosos controlar os meios de reprodução. Os Egípcios já descreviam alguns métodos de barreira utilizando perigosamente excremento de crocodilo e emplastros vegetais, no sentido de evitar a gravidez. As preocupações com o superpovoamento da terra já azucrinavam estudiosos como Malthus , no início do Século XIX, preocupados com o crescimento desordenado da população, bem acima da produção de alimentos. Um dos mais populares métodos anticoncepcionais teve sua popularização justamente neste período: a Camisinha. Feita com pele ou tripas de animais, aperfeiçoou-se sobremaneira após a descoberta da vulcanização da borracha , nos meados dos novecentos. Em 1870, um alemão, o Dr. Mansiga inventou o Diafragma. Estes métodos seminais foram uma crescente exigência da sociedade européia, em intenso processo de urbanização, em plena Revolução Industrial.
Mais uma vez devemos à combatividade de duas mulheres a busca incessante pelo controle da natalidade. A escocesa Marie Charlotte Stopes , no início do Século XX, escreveu um primeiro Guia de planejamento Familiar e fundou, com o esposo, a primeira Clínica dedicada ao Controle da Natalidade, aí pelos anos 20, no Reino Unido. Não menos combativa, a norte-americana Margaret Sanger fundou, na mesma época, uma Clínica idêntica em Nova York e também a Liga de controle da Natalidade. Sanger teve a Clínica fechada por duas vezes e freqüentou os porões de algumas cadeias. Deve-se à tenacidade de Sanger a busca por um contraceptivo oral barato, após contactar o cientista George Pincus que se uniu aos doutores Chang e Rock e estudando profundamente a ação dos hormônios femininos, desenvolveram a primeira pílula anticoncepcional , aprovada pelo FDA , no histórico 23 de junho de 1960. No Brasil, a pílula aqui aportou em 1962 e nunca mais Pindorama foi o mesmo.
A pílula surgiu , como num alinhamento de planetas, em plenos anos 60, junto com mudanças que avassalaram definitivamente a face da terra. Os Movimentos Hippi e Beat, o Feminismo, os Beatles, a Revolução Cubana, a explosão mundial do Rock, as revoltas estudantis de Paris, a Ditadura Militar, Woodstock. A partir daquele momento, o corpo voltou-se para o hedonístico e fugiu do meramente reprodutivo. As mulheres puderam partir para o mercado de trabalho, buscando caminhos próprios. Abandonaram definitivamente o guarda-chuva masculino. O Bíblico “Crescei e Multiplicai !” transformou-se , rapidamente, no “Controlai e Trabalhai !”. E mais: o controle da reprodução levou o sexo feminino a uma liberdade sexual até então inimaginável, as donzelas puderam por fim provar de todas os frutos da árvore do bem e do mal. Amarras religiosas, éticas, morais se esfaceram como que por encanto. O Sexo deixou de ser uma exclusividade do casamento e das contravenções amorosas. A Lua de Mel antecipou-se do matrimônio para os primeiros namoricos. As famílias minguaram de tamanho e já há casais que simplesmente optam por nunca ter filhos, decisão que enlouqueceria qualquer patriarca bíblico. Minorias, que até então viviam sufocados em seus armários, arrebentaram as portas e gavetas na certeza que a felicidade deve ser perseguida por todos. Casamentos se dissolvem quando naturalmente acabam ,quando vencem seu prazo de validade, ninguém mais pode ser condenado às galés perpétuas.
Este é um mundo melhor ? Certamente que sim ! Claro que existem novas armadilhas, novos abismos nas novas veredas que a humanidade trilha nestes novos tempos. Neste momento, no entanto, mais que nunca em toda a história do homem, exercemos o direito sagrado de tropeçar, cair e muitas vezes saltar escarpa abaixo. A vida , afinal, é este pantanal cheio de escolhos e escolhas. Estamos em permanente reconstrução, ora pílulas !


04/06/10