quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Algemas para rico só de sex shop


Há uma frase típica da filosofia popular brasileira : “Pobre só vai para frente, quando a polícia vem atrás”. Ela engloba , numa só linha, a nossa capacidade única de rir da própria desgraça e, por outro lado, atiramos, certeiramente, num dos maiores preconceitos : a atividade policial. Existe alguma coisa mais odiada pela população humilde brasileira do que a polícia ? Talvez porque o povaréu sempre esteve, em toda história, como na epopéia do cangaço, imprensada entre os macacos e os bandidos e,confesso, muitas vezes é quase que impossível descobrir qual o lado pior. No período colonial e no Império as manifestações libertárias populares foram massacradas, militarmente, sem pena. Já na República, o holocausto do Arraial de Canudos e o bombardeio do Caldeirão marcaram indelevelmente ,na alma do povo, a capacidade sanguinária dos nossos militares. A Revolução de 64, por outro lado, com a tortura e o extermínio de proletários e estudantes aos milhares, fortaleceu na alma brasileira, sempre afeita à negociação e ao diálogo, uma ojeriza já centenária contra a autoridade policial. Hoje , quando o foco da batalha transferiu-se para os morros e favelas, lá está novamente o Zé Povinho espremido entre traficantes, milicianos e policiais. Se tem que escolher, não é difícil imaginar para onde penderá o fiel da balança. Keith Richards , guitarrista do “Rolling Stones”, disse uma frase que parece orientar para a universalização deste ódio bélico: “ Nunca tive problemas com as drogas, só com a polícia”.
Recentemente, esta antipatia pareceu bastante visível no caso do seqüestro da estudante Eloá. Indiscutíveis os erros cometidos pela polícia, agora perfeitamente apontados pelos mestres das obras feitas, depois do desfecho trágico do acontecimento. Qualquer que tivesse sido o resultado, no entanto, certamente o GATE teria sido crucificado. Pagos todos com salário de fome, advindos da mesma fração pobre da população brasileira, morando todos nos mesmos rincões de miséria dos demais, trabalhando sobre pressão de toda natureza, a sociedade exige deles a precisão de um MOSSAD. Se o seqüestrador tivesse sido eliminado por um atirador de elite, seria a polícia imputada de violenta e assassina, pois o Lindberg, diriam todos, era uma doçura de pessoa, apenas nervosinho e apaixonado, mas sem antecedentes criminais. Quem lucrou com tudo aquilo ? A televisão brasileira, que ávida de sangue escorrendo pelas calçadas, empanturrou-se de pontos do IBOPE a custa da desgraça de muitos e os brasileiros que colados na telinha assistiam a tudo com um ar de indisfarçável sadismo. Para a mídia, o desfecho não podia ter sido melhor !
Nos últimos anos, a Polícia Federal tem desencadeado um trabalho hercúleo no sentido de combater uma verdadeira indústria de quadrilheiros, espalhados por todo o país, cuja especialidade básica é a de fazer desvio deslavado do dinheiro público. Só este ano já se contabilizam 181 operações, com 1949 presos, destes 290 eram servidores públicos. O grande problema criado é que , de repente, pessoas de elevado nível social começaram a ser presos, como juízes, políticos, secretários de estado, ex-governadores, ministros, prefeitos, advogados, políticos influentes. Num país de castas como o nosso, isto se tornou uma verdadeira blasfêmia. Mesmo tendo direito a celas especiais e confortáveis, embora a Constituição pregue a igualdade de todos perante a lei. Onde estamos, meu Deus ? Não se respeita mais patente? Esqueceram que cadeia foi construída apenas para negro, pobre e analfabeto ? Ainda bem que a justiça é rápida, no Brasil, da noite para o dia são concedidos Habeas corpus, alguns inclusive pela madrugada e, finalmente, as injustiças terríveis são corrigidas.
Em agosto último, o Supremo Tribunal Federal disciplinou o uso das algemas que, no seu entender, estavam sendo utilizadas de forma abusiva, editando a chamada Súmula Vinculante 11: "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".
A Lei no Brasil tem lá suas preferências. Todo o dia, nossos programas policiais, em tudo quanto é cafundó deste país, ridicularizam os presos comuns, os ladrões de galinha, expondo-os, queimando suas imagens, antes mesmo de qualquer investigação mais séria e julgamento. São presos e transportados como animais para o abate e, muitas vezes, é justamente para este fim. Acondicionam-lhes em latas de sardinha , em celas que os faria invejar Auschuwitz. Algemas para eles, tornaram-se meros detalhes, talvez uma espécie de adereço. No Brasil só é considerado roubo a apropriação do patrimônio particular e privado, roubar dinheiro público, independente do montante, é apenas uma pequeníssima contravenção.
O preço dessas deformidades será cobrado depois na guerra civil da ruas, onde o povaréu e a polícia são apenas meros atores de um enredo que não foi escrito nem dirigido por eles.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Peles

O Curtume Aimoré tornara-se um dos mais importantes de todo estado. Fincado na capital espalhara, pouco a pouco, representantes comerciais por todo o interior, com o fito de comprarem peles que, após o processo inicial de salga , eram enviados à matriz para a continuação do beneficiamento dos couros: remolho, depilação, caleiro, desencalagem, acidificação e curtimento. Zenildo Catonho especializara-se neste ramo e, periodicamente, cobria toda a região de Matozinho e adjacências no intuito de classificar couros e comprá-los para o Curtume Aimoré. Sua chegada era esperada com alguma ansiedade na Vila. Primeiro ele trazia consigo a esperança de alguma renda suplementar para a população rural, máxime em época de seca, quando a mortandade de bichos mostrava-se sempre assustadora e couro esticado por tudo quanto é lado, fazia-se quase uma bandeira deste sertãozão de meu Deus. Depois, Catonho se fora tornando uma figura bastante querida na cidade por conta de um outro lado seu: o da boêmia. Trabalhava no seu mister todo o dia, mas a noite dedicava caprichosamente à rua do Caneco Amassado onde examinava cuidadosamente outras peles bem mais cheirosas e macias e, também, perfeitamente negociáveis. Profissionalmente, no entanto, sempre se apresentava extremamente criterioso e classificava os couros com um rigor impressionante. A Aimoré o tinha na mais alta conta e, ao longo dos anos, se foi transformando num funcionário padrão.
Semana passada, Zenildo chegou em Matozinho e montou, como sempre, o escritório numa das dependências da Botica de Janjão Cataplasma. Para lá peregrinaram muitos matutos com couros para serem classificados e vendidos. Zé Capivara , uma das línguas mais afiadas de Matozinho, fazia a limpa de um pequeno roçado no sopé da Serra da Jurumenha quando viu Saturnino Cafimfim todo fiota, passando na estrada com um couro enrolado, embaixo do braço. Não se conteve:
--- Ei Cafifim, pra onde ta se botando , homem de Deus ?
--- To indo pra Matozinho, vender este courinho de um veado que matei mês retrasado... A coisa ta preta, uma seca danada... O couro tá inteirinho e acho que dá primeira...
Tardizinha, Capivara deu com Cafimfim fazendo o caminho de volta... apenas menos entusiasmado do que na ida, com um ar de Sá-Marica-Comeram-meu-milho.
--- E aí, Cafimfim, negociou o couro ?
--- Vendi, vendi, só que o rapa de sola do Zenildo classificou o bicho como terceira, só por causa de uns furinhos de nada de chumbo de soca-soca... Atrás de pobre corre uma onça, não apurei quase nada...
Enquanto Cafimfim desaparecia , cabisbaixo, na curva extrema da estrada, Zé Capivara murmurou entre dentes:
--- Ora, se nem o couro desse povim de Matozinho dá primeira, quanto mais couro de viado...
À noite , Zenildo estava estabelecido no Cabaré de Maria Justa, mais alegre e solto que pinto em monturo. Aquele dia , historicamente, era muito especial: aniversário da mais querida e reverenciada cafetina de Matozinho. Festa para varar a noite e furar as tripas da madrugada. Lá já estava, a postos , a orquestra sinfônica de Matozinho: o pé-de-bode de Geracino pandeiro de Tiê e do zabumba de Tiziu. A casa se encontrava completamente repleta. D. Maria Justa , radiante, envergava um longo cor de jerimum, cheio de penduricalhos por tudo quanto era relevo. A maquiagem, carregadíssima , faria inveja ao Carequinha. As meninas , espalhadas pelo salão, com seus melhores e mais farfalhantes vestidos, sorriam sorrisos menos artificiais do que os do dia-a-dia. A dança rolava solta no salão principal, com a liberalidade e a soltura imprescindíveis ao roça-roça de corpos. Zenildo, um dançarino do melhor jaez, sabia bem a regra geral: todo bom dançarino aprendeu sua arte no cabaré.
No melhor da festa, por volta de uma hora da manhã, todos mais melados que macacão de mecânico, Feitozinha do Correio entra na Boate à procura de Zenildo. Encontra-o descansando em uma mesa, entre uma e outra dança, com Das Virgens acomodada, sensualmente, no seu colo. A entrada de Feitozinha , àquela hora, jogou uma ducha de água fria na fervura do ambiente. Todos pensaram no pior, principalmente quando viram nosso carteiro entregar um telegrama, nas mãos de Catonho, chegado há pouco e lavrado em código Morse. A orquestra parou, os bêbados fizeram um minuto de silêncio , enquanto Zenildo desfolhava o telegrama com ar algo preocupado. Conteve-se ao ler as palavras encaminhadas por sua mulher:

“ Mamãe teve um colapso PT Morreu hoje PT
Abigail”

De repente, nosso curtumista fitou a todos e com um sorriso nos lábios, e concluiu :
--- Não é nada não, pessoal, só cotação de couro de bode ! Toca a festa Geracino !
J. Flávio Vieira

domingo, 19 de outubro de 2008

Os Ombros do Gigante


Desde que o físico de El-Rey, mestre Johannes Emenelaus ,embarcado nas caravelas de Cabral, pisou as terras brasileiras em 27/04/1500, o país passou a ter uma medicina minimamente científica. Os primeiros séculos na colonização do Brasil foram marcados, porém, pela visível ausência de profissionais de Medicina no nosso território. Por aqui os tratamentos se atinham basicamente a pajelanças e rituais afro, embora Brás Cubas houvesse fundado o primeiro Hospital brasileiro – A Santa Casa de Santos -- ainda em 1543. Até que os holandeses chegaram a Pernambuco no início do Século XVII, trazendo consigo toda uma colônia judia, fugida da Inquisição Européia, entre eles vários médicos judeus. Pena que tenha durado apenas 24 anos o sonho holandês em terras brasileiras, em 1654 partiram, deixando, no entanto, marcas indeléveis da sua presença em Pindorama. O vácuo da Medicina no Brasil permaneceu por mais de um século e meio ainda. Em 1789, segundo Salles, só existiam quatro médicos no Rio de Janeiro e eram raríssimos em outras paragens brasileiras.A verdadeira história da Medicina brasileira começou , assim, com a chegada da família real , no início do Século XIX, quando em de 1808, há exatos 200 anos, D. João VI criou , no dia 18 de fevereiro, a Escola de Cirurgia da Bahia que a partir de 1813 começou a ser chamada de Faculdade de Medicina. Esta benemérita instituição, durante estes dois séculos, formou mais de 15.000 médicos, disseminando a arte de curar por todos os recantos deste país continental. Tão seminal tornou-se sua influência que a maior parte dos profissionais caririenses ,até meados do Século XX, trouxeram sua arte e seu aprendizado da tradicional Faculdade de Medicina da Bahia. Na ausência de médicos fixados na região, heroicamente aqui atenderam alguns dos nossos mais famosos boticários : Coronel Secundo, Coronel Benedito Garrido, José Alves de Figueiredo (Zuza da Botica), Antonio Fernandes Telles e Teófilo Siqueira. 1889 marca uma data histórica na Medicina pátria, a formatura da segunda médica brasileira e primeira do Ceará: a cratense Dra. Amélia Bénebien Perouse. Desde este marco histórico, um sem número de médicos caririenses atravessaram os umbrais da UFBA : Dr. Irineu Nogueira Pinheiro ( 1910); Dr. Miguel Limaverde(1913); Dr. Joaquim Fernandes Teles ( 1916); Dr. Elísio Figueiredo ( 1916); Dr. Otacílio Macedo ( 1917); Dr. Joaquim Pinheiro Filho ( 1918). Na década de 1920 formaram-se ainda : Dra. Josefina Peixoto e Dr. Antenor Gomes de Matos. A década de 1930 foi pródiga trazendo ao Crato os Drs. Antonio Macário de Brito, o paraibano Nélson Carrera e o Dr. Dalmir Peixoto, formado em 1937 e ainda hoje lúcido e lépido com mais de 70 anos de profissão médica. Nesta década, ainda sob inspiração do nosso segundo Bispo D. Francisco Pires, inaugurou-se o primeiro Hospital do sul cearense , em 1936 : o Hospital São Francisco de Assis. No início dos anos 40 , aqui aportou o maior mito da medicina caririense, o pernambucano Dr. Antonio José Gesteira, o nosso primeiro grande cirurgião, que este ano comemora o centenário de nascimento.O que une e aproxima tantas gerações de médicos ? Hoje, diante do avanço enebriante da Medicina nos últimos cinqüenta anos, somos tentados a pensar na forma precária com que estes patriarcas da medicina do Cariri tratavam seus pacientes. Tudo parece velho, embolorado e obsoleto. Mas amigos, todos eles usaram as armas mais modernas que tinham às mãos na sua época para lenir as dores, minorar o sofrimento, salvar vidas. As futuras gerações pensarão isto mesmo dos atuais profissionais. É preciso lembrar que nada existe de novo na face da terra e o moderno apenas dá uma nova demão de tinta no conhecimento acumulado por muitas e muitas gerações. Isacc Newton dizia que se vira mais longe foi porque simplesmente subiu em ombros de gigantes.Neste Dia do Médico é preciso pois reverenciar todas as inteligências que nos antecederam e que deram sua vida e seu sangue para melhorar a qualidade de vida de tantos. Tantos que anonimamente se debruçaram sobre leitos paupérrimos , lutando desesperadamente contra a dor e contra a morte com as parcas armas que tinham às mãos. Quero abraçar cada um destes sacerdotes no ano em que se comemora o duplo centenário da Faculdade de Medicina da Bahia e os cem anos do nosso médico mais mítico: o Dr. Antonio José Gesteira.


J. Flávio Vieira

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

MACHADO E O CRASH DA BOLSA DE VALORES DE MATOZINHO


Há exatos cem anos, neste 29 de setembro, o Brasil perdia seu mais importante escritor: Joaquim Maria Machado de Assis, aos sessenta e nove anos . Machado tornou-se uma lenda, ficcionista de primeira linha, hoje é reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes homens de letras da história da humanidade. Nascido pobre, no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, mulato, gago e epiléptico, nosso Joaquim Maria fez-se um claro exemplo de superação de adversidades. Seu estilo é único, sua temática original, seja nos contos fabulosos, nas crônicas, na poesia, no teatro e nos oito romances que publicou. Monteiro Lobato o soerguia ao patamar de santo e eu, um pobre escrivinhador de garatujas mal-arrumadas, no interior do Nordeste, não consigo, ainda hoje, escrever uma linha, sem imaginar a jóia lapidada que seria se o mestre Machado a produzisse. Nenhum literato me influenciou tanto como o “Bruxo do Cosme Velho” embora reconheça que seus escritos são totalmente contra-indicados para quem se imagina um dia escritor. Dá uma vontade danada de abandonar tudo, por pura e clara humilhação, tem-se a insofismável certeza que jamais se chegará no rastro de um artista daquele porte. Os livros de Machado emprenharam toda minha juventude, li-os e os reli muitas e muitas vezes. Agora, no centenário da sua morte, fitei novamente a grande coleção de livros verdes da sua obra completa, com aqueles olhos dourados da minha infância. Pensei em homenageá-lo, em meio a uma centena de festividades que merecidamente se desencadeiam em todo país. Faltava , talvez, um ribombar de fogos em Matozinho. Aturdindo, no entanto, com as preocupações eleitorais, o prefeito Sindé Bandeira sequer teve tempo de se deter nestas comemorações. Vai para o nosso Machado, endereçada à mais portentosa nuvem celeste, esta história bem ao seu gosto, de como aconteceu recentemente o Crash da Bolsa de Valores de Matozinho, igualzinho ao que acabou explodindo com os gringos nas estranjas.
Zezim Jurubeba , há uns três anos, resolveu se estabelecer em Matozinho no ramo do entretenimento. Inaugurou uma espécie de Bar-Boate na rua do Caneco Amassado, naquele lugar onde antigamente não era difícil encontrara as mulheres fáceis. Estabelecimento novo, no intuito de se firmar no mercado mais rapidamente, Zezim começou a abrir uma linha de crédito, aceitando dependuras várias. O fiado se tornou quase que um instituição no Bar-Boate Jurubeba. Com a intenção de livrar-se um pouco dos atrasos quase que inevitáveis, no pagamento das dívidas que se iam acumulando, Zezim aumentou consideravelmente o preço das bebidas e dos serviços de alcova prestados. Vendia fiado, mas vendia caro, se isso é uma espécie de consolo. Passados uns dois meses, já tinha Zezim uma coleção impressionante de vales de tudo quanto era bêbado e boêmio de Matozinho. Com parco capital de giro, Jurubeba começou a se aperrear. Resolveu, então, procurar o Banco da Cidade : o agiota de carteirinha Liquim Zapragata que inclusive gostava de freqüentar a Boate, em dias que a mulher se botava para as reuniões na igreja. Zezim lhe expôs suas dificuldades de liquidez e Zapragata concordou em receber todos os vales de Jurubeba, com uns 30% de desconto. De posse do dinheiro novo, o proprietário pagou algumas dívidas pendentes e inclusive ampliou as dependências da Boate, fazendo um puxado. Liquim, bem entrosado no comércio da redondeza, começou a negociar os vales com outros agiotas de Matozinho e cidades vizinhas, pagando muitas vezes dívidas com as dependuras . Estes por sua vez passaram, também, a pagar fornecedores da capital com os vales recebidos de Liquim e que diziam ser da maior confiança. Passados os dois meses de prazo do recebimento, aconteceu o previsto. Os vales cobrados dos bêbados e boêmios de Matozinho simplesmente não tinham lastro, um bando de liso não tinha como pagar e a corrente toda se partiu. Jurubeba informou que havia negociado os vales com Liquim e não tinha nada com isso. Liquim, por sua vez, explicou que o problema não era dele, já que havia passado para frente, inclusive perdendo dinheiro e que o risco era de quem recebeu. Os fornecedores pressionaram os estabelecimentos, ameaçando receber as mercadorias de volta, só que foram informados que elas já tinham sido prontamente vendidas. Procurados os bêbados de Matozinho disseram reconhecer os vales como tendo sido emitidos por eles, mas que não tinham como pagar, pois andavam mais lisos que muçum ensaboado. A confusão se alastrou por toda região, tem meio mundo de gente na falência e , ontem mesmo, o prefeito Sindé Bandeira se reuniu com a Câmara para ver se arranjam algum dinheiro da prefeitura para tapar o buraco negro aberto a partir da Boate Jurubeba.
Talvez, por isso mesmo, eivado de preocupações com a macro-economia, Matozinho não tenha ainda pensado em homenagear aquele velho de picinês que escrevia igualzinho a Pedro Pito a maior cordelista da cidade. Sindé Bandeira pensa em encomendar uma estátua de barro a D. Ciça com o velho Machado e Pedro Pito juntos e embaixo rabiscado :
“Essa é a gulora que assobe, tal e quá balão, em noite de São João”.

J. Flávio Vieira