“Quando Ló chegou a Zoar, o sol já havia nascido sobre a terra.
Então
o Senhor, o próprio Senhor, fez chover do céu
fogo e enxofre sobre Sodoma e
Gomorra.
Assim ele destruiu aquelas cidades e toda a planície,
com todos os habitantes das
cidades e a vegetação.
Mas a mulher de Ló olhou para trás e
se transformou numa coluna de sal.”
Gênesis 19: 23-26
Pense bem! Parece que, de tempos em tempos, a natureza
precisa fazer uma formatação no HD do mundo para deletar programas que se
tornaram obsoletos, vírus que se instalaram, sorrateiramente, nas suas
entranhas , e o lixo que é a borra final acumulada por todas as ações humanas. Como uma freada brusca para
rearrumar as bagagens do carro. O
dilúvio, Sodoma & Gomorra, guerras, pragas alternaram-se, na nossa
história, desde que aquele primeiro símio resolveu descer da árvore e firmar-se
em dois pés nas savanas da África. Neste início de 2020, vivemos um desses
tempos intermitentes de Control-Alt-Del.
Basta olhar ao nosso redor e perceber, em meio à mortandade epidêmica, o fogo e
o cheiro de enxofre!
O trabalho
exaltado pela sociedade ( “O Trabalho Liberta” estava escrito na entrada de
Auschwitz) , num átimo, perdeu sua importância e o ócio, o confinamento ( o
oposto da liberdade) passou a ser a pedra de toque nesta nova era. As máscaras
, antes ligadas ao banditismo ou à dissimulação, estranhamente passaram a ser
utensílios da mais alta sofisticação e exemplo de cuidado, autopreservação e
solidariedade. Dizer, hoje, para uma criatura: “Você é um mascarado!” , já não
é ofensa, mas um elogio. Olhos bonitos, mesmo em bocas murchas e banguelas ( agora escondidas pelas máscaras) ,
num instante, passaram a ter vantagem ,
antes totalmente ignorada. Pessoas que se nos acercassem, com cheiro de álcool,
meses atrás, viam-se ,imediatamente, rechaçados com desdém e , hoje,
são aceitos de bom grado, tidos como cuidadosos e saudáveis.
Ninguém
mais reclama, também, de amigos e amantes, com aquela frase típica e icônica
das D.R.´s : “Você anda muito distante, não sei o que está acontecendo!”. Distanciamento
, nestes dias covídicos, é sinal de
amor, de precaução e desvelo.
Na
modernidade, o uso da tecnologia da internet, do smartphone e dos computadores
passaram a ser vistos como verdadeiros vilões no afastamento das criaturas da
vida real e de oferecê-las um universo virtual e ilusório. Pois agora, amigos,
a tecnologia , em época corônicas , passou a ser a nossa salvação contra o
tédio, a possibilidade de contatar parentes e amigos, sem risco do contágio e
matar um pouco a solidão das quatro paredes, com a TV, a Netflix, a Internet. E mais:
namorados se amassam , nestes dias , virtualmente, ( para sossego dos pais) , trocando
afagos e nudes pelo Whatsapp , sem o risco de doenças sexualmente transmissíveis
e gravidez!
Um dos mais
achincalhados personagens das histórias bíblicas, Pilatos, o Moro romano, em dias atuais, toma ares de visionário e de
profeta. O ato de “Lavar as Mãos” perdeu aquela sua aura de indecisão,
titubeio, do “em cima do muro” e de tirar a retaguarda da reta. Pilatos ensinava a
todos, visionariamente, -- quem diabos poderia imaginar?-- a importância de se
prevenir contra epidemias e moléstias !
E a
reviravolta, nesse mundo, foi tão grande
que a gasolina baixou! Quem se lembra de uma novidade dessas? Gasolina abaixo
de 3 ? Até aqui, que se saiba, só
baixavam no Brasil: Caboclo em Terreiro e pinta de velho ! Só no Crato mesmo !
Os indivíduos
apegavam-se, até bem pouco, ao mundo
externo. A casa era um refúgio para as noites e uma pousada para os fins
de semana. Súbito, passaram a se ligar no microcosmo, onde a vida até então não
palpitava. Pra que tantas tralhas acumuladas em casa ? O taco de beisebol pra quem nunca soube jogar;
panelas de grife pra quem comia no trabalho; cd´s e dvd´s mofando no móvel da
sala. Presentemente, já dá para ver o
sorriso dos filhos, as curvas da esposa; as flores e frutos do maracujá que
pendem das pérgulas da garagem.
Governos,
também, afeitos ao cada um por si e Deus e o diabo por todos, descobriram que
existem seres humanos totalmente invisíveis ao Estado. Tanto quanto os vírus! Eles, mera massa de manobra em palanques
eleitorais, necessitam de apoio, de assistência social. Vulneráveis , estão
mais susceptíveis do contágio próprio, mas também, é bom não esquecer: de levar
a moléstia para os berços de ouro. Aos tantos que criaram um Estado Máximo para
si mesmos e sonham com o Estado Mínimo
para os outros, acordaram. É que ele,
ínfimo, já está presente nas favelas,
nos moradores de rua, nos grotões esquecidos do país e que perfazem o grosso da
população brasileira. Se Estado Mínimo resolvesse o problema da humanidade, o
país seria o novo Shangrilá.
Ao Brasil
revelou-se, nesse 2020 que existem , sim profissões essenciais:
profissionais de saúde, coveiros, caminhoneiros, maqueiros, socorristas,
agricultores, professores, garis, cozinheiros e muitas outras. Por que estas
profissões tidas como essenciais, responsáveis diretas por nossa sobrevivência,
não percebem salários e proventos dignos da essencialidade do seu ofício ? Merecem palmas, sim, mas por
que não o reconhecimento financeiro à altura da nobreza da sua ação ?
A pandemia
deslindou, ainda, o malefício reiterado dos homens para com a sua Casa Planetária.
Abruptamente, com o isolamento forçado, caiu a poluição, diminui o buraco na camada de
ozônio, animais passaram a circular, livremente nas ruas e alamedas. Por
incrível que possa parecer, inesperadamente, o sonho de consumo de todos deixou
de ser o dólar, a roupa de grife, o carro importado e fixou-se -- quem diria ?--
num item simples e desapercebido até então: o Ar. É ele , no momento, o artigo
de luxo mais cobiçado. E até figuras
totalmente insensíveis e alheias ao sofrimento do outro começaram a ter estranhas
atitudes solidárias. É como se de repente, após a expulsão, os descendentes de
Adão e Eva fossem , novamente, anistiados no paraíso.
Sempre é bom
lembrar que tudo aconteceu num piscar de olhos, causado pela mais elementar das
formas biológicas. Um bichinho minúsculo e invisível e que teve o poder de mudar radicalmente a superfície
terrestre.
Passado o
susto, o mundo não será o mesmo. A madame confinada olhará desesperada para o
batom que já não tem utilidade, com o
magenta escondido detrás da máscara. Observará as joias e os diamantes
brilhantes sem significado pois não tem para quem mostrar e para quem se gabar ! A
grã-fina sabe que um outro mundo está ardendo atrás de nós e que iremos todos para as novas terras de Zoar. Novas
paisagens e costumes deitam-se logo ali à
nossa frente. Quer olhar para trás, sonhar com Sodoma &
Gomorra, agora incendiadas ? Cuidado madame:
há sempre o risco de transformar-se em estátua de sal como um dia aconteceu com
a mulher de Ló.
Crato, 30/04/20
2 comentários:
Textos bem escritos, criativos, críticos e atuais. Amo!!!
Grato `Sandra pelo comentário !
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