Pois é ,
amigos ! Chegam de novo os tempos da simpatia epidêmica, dos sorrisos fartos,
da solidariedade desmedida. Aproximando-se o ano eleitoral , as sensibilidades
políticas ficam à flor da pele; as varinhas de condão dos bruxos aparecem com mais facilidade; os problemas da cidade tornam-se
bem visíveis e há soluções fantásticas para todos eles. Já há um vasto cardápio
de candidatos soltos pelas esquinas e praças do Crato, saltando em festas e
solenidades, abraçando afetuosamente pessoas e causas. Alguns até já tentaram
seus remédios em edições passadas e , sem pejo, esquecem que os efeitos colaterais
contribuíram para levar a cidade à UTI. Há outros sorrisos novos e largados
circulando , parecendo manequins, a maior parte deles sem aparentar,
claramente, qual sua função nesse safari.
A
todos que pretendem disputar as eleições municipais, tenho algumas sugestões a
fazer. Acredito que minhas quase sete décadas como cratense me dão esse
passaporte. Não esqueçam da história gloriosa da cidade que vocês pretendem
administrar. Essa vila carrega toda uma saga de pioneirismo quase única no
Ceará. Aqui ecoou um dos primeiros gritos republicanos do Brasil! Aqui se instalou o primeiro jornal, o primeiro curso
secundário e o pioneiro cinema de todo o
interior do nosso estado. A primeira médica nordestina teve como primeira
imagem a lhe bater os olhos a verdejante
Bebida Nova. Aqui, também, nasceu o maior mito religioso do Nordeste e os
artistas plásticos Vicente Leite e Sérvulo Esmeraldo. É preciso entender a cidade em toda sua
grandeza, construída histórica e economicamente nos alicerces multicultural e
ecológico. Essa sempre fez-se a vocação natural da Vila Real do Crato.
Entendam, também, que nos últimos quarenta anos o município vem num profundo
processo de desmoronamento. Nenhuma cidade do Cariri sofreu tamanho processo de
encolhimento, de desfalecimento e estreiteza de horizontes. Já não existem
cinemas na cidade, jornais de circulação regular, um teatro que mereça esse
nome. Temos um Museu de Artes Plásticas com acervo rico e invejável fechado e
fadado à deterioração final e irreversível. A Rodoviária , nossa sala de visitas, tem mais
de quarenta anos e tornou-se uma das
mais precárias de todo o estado do Ceará: o monumento mais heráldico e exposto da nossa
destruição. A Educação, que nos fez fortes e um centro gravitacional do
interior de vários estados nordestinos, vê , seguidamente, fecharem suas instituições
mais tradicionais. Mais da metade dos nossos hospitais cerrou as portas. As
nossas instituições culturais como SCAC, ICC, Academia dos Cordelistas, SOLIBEL
vivem momentos difíceis e tenebrosos e só ainda subsistem porque aprenderam, ao
longo do tempo, a nutrirem-se da abnegação de seus diretores e membros e das
poucas migalhas que se lhes oferecem. Ninguém consegue compreender em que roca
a Bela Adormecida espetou o dedinho.
As causas dessa
tragédia são, certamente, multifatoriais. A decadência da nossa atividade
agropecuária; a concorrência mercantil ferrenha de cidades fronteiriças; mas,
certamente, a principal delas terá sido de viés político. Nem Paris suportaria
quatro décadas de descaso político e econômico ! Mantivemos, durante esses
quarenta anos, salvo raríssimas exceções, administrações municipais pífias,
totalmente desvinculadas da nossa genuína tradição cultural e
ecológica. Não se pressentiu qualquer apego à história gloriosa da cidade. A maior
parte das vezes os interesses
particulares se superpuseram às demandas coletivas. Os mesmos grupos políticos
revezaram-se, sem alterações mais significativas de pessoas, na administração, com os critérios espúrios de
sempre, distanciados do merecimento e da tecnologia. Todo um patrimônio arquitetônico
que dava o arcabouço memorialístico e histórico da cidade foi literalmente
tombado. Algumas poucas obras de importância acontecidas neste período devemos
mais ao empenho dos governos estadual de Cid Gomes e Camilo Santana e dos
federais de Dilma e Lula.
Assim,
postem-se nesta corrida eleitoral com os olhos fitos não só na vitória
possível. Vocês não administrarão uma vilazinha qualquer, perdida nos cafundós
do judas. Pensem grande! Imaginem a
possibilidade de galgar os degraus da escada política não pela porta larga do
compadrio, do toma-lá-dá-cá; mas adentrando a janela estreita das realizações, da
administração moderna e científica, da observação criteriosa das demandas dos
mais diversos segmentos sociais, com equidade, alimentando a vocação natural da
cidade de Frei Carlos. Afastem-se das perspectivas da mesmice, da continuidade
dos mesmos rumos e da administração dos mesmos remédios amargos que nos têm
levado à bancarrota, ano após ano. Uma cidade linda, nas suas geografia e
história, merece o cuidado de um ourives que descobre, rápido, que o valor da joia que burila está não na avaliação bruta do seu peso mas na
esperança de encantar a todos que se deleitam com seu brilho.
Crato, 24/10/19
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